Reportagem
do jornal “O Nordeste”, feita a partir dos depoimentos de Bronzeado[1], nos dá uma idéia acerca do temperamento de Massilon: "Em Bálsamo[2], juntaram-se
mais 4 indivíduos de nome: Vicente Brilhante; outro que este chamava de primo;
Vicente de tal e mais um morador de Décio[3].
Este acompanhou o bando até 3 léguas, voltando a exigências de Massilon, que
presenciou a aflicção em que ficara a mulher[4] de
Décio, que chorava e pedia não violassem as famílias."
Sérgio
Dantas relata o que foi a passagem do bando de Lampião pelo povoado de São
Sebastião, atual Governador Dix-Sept Rosado, um pouco antes de entrarem em
Mossoró: algazarra, surras, depredação, saques, fogo, violações. "Massilon retornava da malsucedida tentativa
de tomar a cidade de Apodi[5]. Impressionou-se
com a quebradeira. Repreendeu, áspero, o cangaceiro Jararaca e culpou-lhe pela
destruição do povoado. Entabulou-se ríspida discussão entre os dois. A
contenda, entretanto, foi breve. Lampião interveio enérgico. Evitou maiores
desdobramentos do ‘imbróglio doméstico’[6]."
Mas o maior depoimento que se pode dar acerca
do temperamento de Massilon está nas páginas que tratam de sua conduta na
Fazenda Veneza, quando da fuga de Mossoró para Limoeiro, escritas por Raul
Fernandes[7].
Nelas se expõe o drama pelo qual passou Childerico Fernandes de Souza[8],
administrador da propriedade do seu parente Alfredo Fernandes[9], e
sua esposa Felisbela (Dna. Bebela) Rodrigues Fernandes. Também estão expostos alguns
episódios que dão a natureza do temperamento de Massilon. Em um deles Sabino
começa a se vangloriar de que tinham entrando em Mossoró sem dificuldades,
tomado o Banco do Brasil, a casa do Prefeito, quando é interrompido por
Massilon, que diz: "Nada disso é verdade.
Eles não entraram em Mossoró.
Receberam balas do céu e da torre da igreja."
Em
outro episódio, Raul Fernandes relata que enquanto o almoço era preparado por
Dna. Bebela, os cabras aguardavam fora da casa impacientes. "Soada a hora, acorreram à cozinha, em
turbulência, atravancando a passagem. Foi preciso Massilon chamá-los à ordem,
obrigando-os a formarem fila."
Na hora da sesta,
continua o escritor, "alguns cangaceiros
bocejavam deitados à sombra de uma árvore, próxima a casa, procurando tirar uma
soneca. De súbito são perturbados pelo choro ininterrupto de criança. Era o
menino Ney Fernandes, de dois anos. Ralhações não conseguiram moderar o
berreiro incontrolável.
Serra D’Umã, mestiço, alto, de
compleição franzina, serviçal ordinário, resolveu dar mostras do que era capaz.
Em bárbara ostentação, levantou-se, arrastou a lâmina de aço e engrolou:
- Vou calar aquela pestinha[10].
Caminhou, a passos tardos,
desengonçado, à casa-grande.
Os companheiros foram incapazes
de um gesto, para impedir a consumação do mais covarde e hediondo dos crimes.
Um morador avisou à genitora.
Novamente, Massilon, interveio. Desmoralizou o cabra, fazendo-o retroceder.
As ameaças continuavam. Não havia
sossego na fazenda. Coqueiro pediu a Bebela que lhe costurasse o bornal e como
não foi possível, por falta de linha, arrebentou a máquina de costura.
Outro cabra, de punhal em riste,
tomou-lhe a aliança. Massilon a acode. Obriga o perverso a devolver a jóia,
após séria altercação. Advertiu-o, voz alta, que não permitiria ameaças,
desrespeito e palavras malsoantes naquela casa. Voltou à sala, sentou-se ao
lado de Childerico e continuou a falar, contrariado:
- Não sou bandido! Quando chegar
ao Ceará, deixarei essa gente. Vou cuidar da minha vida.
Percebia-se seu arrependimento
por estar ligado a essa corja malsinada. Fora a alma benfazeja em ‘Veneza’[11]."
Em
Tabuleiro de Areia, Ceará, agosto de 1927, nos lembra Lauro de Oliveira Lima, já
apartado de Lampião, Massilon e seu bando invadem a casa de Santana Gadelha e
tomam todas as suas jóias. Santana pediu a Massilon que mandasse um dos cabras
devolver sua aliança de casamento, sendo atendida ("mas só a aliança, disse o cangaceiro")[12].
* Excerto do livro "Massilon", do Autor.
* Excerto do livro "Massilon", do Autor.
[1] “O CANGAÇO NA IMPRENSA MOSSOROENSE”; PIMENTA,
Antônio Filemon Rodrigues; Fundação Vingt-Un Rosado; Coleção Mossoroense; Série
“C”; número 1104; Outubro de 1999; p. 70.
[2] Fazenda de Décio Hollanda localizada em Iracema,
Ceará, na época pertencente a Pereiro, no mesmo Estado.
[3] Décio Albuquerque, o Décio Hollanda.
[4] Filha de Tylon Gurgel. Sobrinha, portanto, do Cel.
Antônio Gurgel, refém de Lampião.
[5] Na verdade retomada. Dias antes ele havia tomado a
cidade.
[6] “LAMPIÃO E O RIO GRANDE DO NORTE”; DANTAS, Sérgio
Augusto de Souza; Cartgraf – GRÁFICA EDITORA; 2005; Natal; RN; Nota 4.
[7] “A MARCHA DE LAMPIÃO”; FERNANDES, Raul; 2ª. EDIÇÃO;
Ed. Universitária – UFRN; 1981; Natal, Rn.
[8] Childerico era filho de Francisca Fernandes de
Souza, avó materna da mãe do Autor e irmã do Coronel Adolpho Fernandes.
[9] Filho do Coronel Adolpho Fernandes, então Prefeito
de Pau dos Ferros, RN.
[10] Contou-me Francisca Ida Fernandes de Oliveira, tia
do Autor, que João Marcelino de Oliveira, irmão de seu esposo José Marcelino de
Oliveira, e médico em Mossoró no ano de 1927, bem como responsável pelo atendimento a
Jararaca, que este, ao ser por ele indagado se não sentia remorso pelos crimes
que cometera, perguntara-lhe o que significava essa palavra.
Ao ser respondido, quedou silencioso por algum tempo e depois respondeu que uma vez jogara uma criança de mais ou menos dois anos para cima e a aparara com um punhal. Desde então, segundo ele, sonhava muito com ela.
Fenelon Almeida em sua obra “JARARACA: O CANGACEIRO QUE VIROU SANTO” conta que Lauro da Escóssia testemunhou a negativa veemente de Jararaca a uma pergunta a esse respeito, de bate-pronto, feita por uma popular.
A verdade é que provavelmente Jararaca contou a história a Dr. João Marcelino de Oliveira que a repassou para a frente e a conseqüência foi a pergunta da popular.
Provavelmente preocupado com a repercussão da história entre as pessoas que estavam em sua frente Jararaca desmentiu, categoricamente, aquilo que contara privadamente a Dr. João Marcelino de Oliveira, a quem devia não lhe ter sido amputado, covardemente, por um soldado da comitiva do Sargento Kelé, um dedo no qual luzia, reluzente, um anel de ouro.
Ao ser respondido, quedou silencioso por algum tempo e depois respondeu que uma vez jogara uma criança de mais ou menos dois anos para cima e a aparara com um punhal. Desde então, segundo ele, sonhava muito com ela.
Fenelon Almeida em sua obra “JARARACA: O CANGACEIRO QUE VIROU SANTO” conta que Lauro da Escóssia testemunhou a negativa veemente de Jararaca a uma pergunta a esse respeito, de bate-pronto, feita por uma popular.
A verdade é que provavelmente Jararaca contou a história a Dr. João Marcelino de Oliveira que a repassou para a frente e a conseqüência foi a pergunta da popular.
Provavelmente preocupado com a repercussão da história entre as pessoas que estavam em sua frente Jararaca desmentiu, categoricamente, aquilo que contara privadamente a Dr. João Marcelino de Oliveira, a quem devia não lhe ter sido amputado, covardemente, por um soldado da comitiva do Sargento Kelé, um dedo no qual luzia, reluzente, um anel de ouro.
[11] “A MARCHA DE LAMPIÃO”; FERNANDES, Raul; 2ª. EDIÇÃO;
Ed. Universitária – UFRN; 1981; Natal, Rn.
[12] “NA RIBEIRA DO RIO DAS ONÇAS (LIMOEIRO DO NORTE);
LIMA, Lauro de Oliveira; p. 463; Gráficae Editora Assis Almeida; Fortaleza;
Ceará.
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