Quarta teoria: o ataque a Mossoró resultou de um plano político (terceira parte)
QUESTÕES SEM RESPOSTA (continuação), SEGUIDO DE MASSILON E O PLANO DENTRO DO PLANO
Vigésima-quarta: nos primeiros dias de setembro de
1927 a fazenda Bálsamo, da família Hollanda, fronteira do Ceará com o RN, foi
invadida pela polícia à cata de cangaceiros, à procura de Júlio Porto,
Francisco Brilhante e dois irmãos seus, envolvidos no assalto a Apodi. Por que
lá não estavam Massilon nem Décio Hollanda, o proprietário da Fazenda?
Vigésima-quinta: por qual razão os cangaceiros não
atacaram a residência do Gerente do Banco do Brasil para sequestrá-lo em busca
de resgate, como supostamente queriam fazer com o Prefeito?
Vigésima-sexta: a que se atribui a lenda de que
Jerônimo Rosado, correligionário do Coronel Rodolpho Fernandes e personalidade
influente em Mossoró desde os tempos do Coronel Francisco de Almeida Castro,
líder político que havia falecido há pouco tempo, estaria por trás do ataque, e
não permitira saque ao comércio? Seria em decorrência de sua estranha omissão
quanto à defesa da cidade?
Jerônimo Rosado
Em relação a esta última
questão, é interessante a transcrição, feita por Kydelmir Dantas[1],
de uma entrevista com Jerônimo Lahyre de Melo Rosado, 78 anos, farmacêutico e
funcionário público federal aposentado[2]:
E seus familiares, onde estavam?
“O velho Rosado, meu avô, com quem eu morava
desde a morte do meu pai, Jerônimo Rosado Filho, não queria sair da casa do
centro da cidade. Ele chegou a fazer uma seteira (buracos enviesados nas
paredes da sala), pois queria se defender dentro de casa com a família. Duó
(Duodécimo), seu filho, ponderou que ele deveria retirá-la para um lugar
seguro, pois ele tinha muitas filhas e o bando era terrível. Então ele passou a
transportar todos, em várias viagens de automóvel, na manhã do dia do ataque.
Foram todos para o “Canto do Junco”, de propriedade do Sr. Dobinha, no caminho
de Tibau. Imagine, umas casinhas de palha num descampado, sem proteção... Mas
era fora da cidade. Na casa da rua só ficaram o velho Enéias, avô de Wilson
Rosado, e seu Chico, antigo empregado da Farmácia, com as portas e janelas
trancadas.”
E o que fizeram com ele?[3]
“Acho que pensavam que ele ia morrer; mas como
isso não aconteceu, resolveram matá-lo, temendo que Lampião voltasse para
buscá-lo. Aí, ninguém teria sossego. Natal reclamou muito porque ele foi morto.
O Major Laurentino, de Mossoró, se justificou com esse argumento.”
Faz sentido o quê Lahyre
de Melo Rosado diz, ou teria sido ele industriado por seu avô?
Elencadas todas essas
indagações extremamente sérias e ainda não respondidas, que teimam em parecerem
importantes na justa medida em que as outras teorias acerca da invasão de
Mossoró por Lampião não se sustentam, como visto antes, passemos então para o
“x” da questão, conscientes que os indícios existentes acerca do viés político
no ataque são muitos, e o difícil é conectar os fatos e lhes dar unidade de
propósitos, tornando verossímil a conjectura exposta a seguir.
Sabemos que quando da invasão de Apodi por Massilon,
o projeto de atacar Mossoró já existia, como noticiou o jornal “O Mossoroense”, em 15 de maio de 1927[4],
insinuando, sem rodeios, que a invasão à cidade, a ocorrer em dias vindouros,
integrava empreitada[5]
(grifo do Autor) de grande vulto, e dele dera conhecimento, ao Coronel Rodolpho
Fernandes, a carta de Argemiro Liberato.
Tudo isso foi abordado antes, neste livro.
Agora é preciso aprofundar o estudo do papel de
Massilon no ataque a Apodi para, somente então, realmente começarmos a entender
o cerne da teoria que atribui a um complô político o ataque de Mossoró por
Lampião.
MASSILON
E O “PLANO DENTRO DO PLANO”
Para tanto, recordemo-nos
que foi dito, antes, que a idéia de atacar Apodi e Mossoró não fora do Coronel
Isaías Arruda. Do Coronel havia sido o planejamento e a “logística”, digamos
assim.
A idéia do ataque a Apodi
chegara ao Coronel Isaías Arruda por intermédio de Décio Hollanda, fidalgote de
Pereiro, Ceará, levado a ele por José Cardoso, seu[6] primo,
residente em Aurora, no mesmo Estado, e responsável por apresentar Massilon a
Lampião[7].
Décio Hollanda era genro
de Tylon Gurgel, o principal líder de oposição ao Coronel Francisco Pinto em
Apodi, Rio Grande do Norte.
Casa de Tilon Gurgel em Pedra de Abelhas
Dá-nos conta de tudo isso o pesquisador Marcos
Pinto[8]:
Em 10 de maio de 1927, a pequena e
pacata cidade de Apody é assaltada por uma horda de cangaceiros comandados pelo
célebre bandido Massilon Leite ou Massilon Benevides, chefiando parte do bando
de Lampião[9].
Igreja Matriz de Apodi. Foto de 1918.
A malta de desordeiros procedia do Pereiro, no Ceará, por determinação
de Décio Holanda, Tilon Gurgel e Martiniano de Queiroz Porto, ferrenhos e
virulentos adversários da família Pinto, do Apody.
Chegaram à cidade por volta das três horas da madrugada tendo início, de
imediato, uma série de truculências, culminando com o assassinato do
comerciante Manoel Rodrigues.
O bandido Mormaço, preso posteriormente nas imediações de Martins, RN,
em princípio de junho, afirmou, em seu depoimento, que Décio Holanda os
acompanhou até a fazenda Pau de Leite, próximo a Apody. Décio era genro de
Tilon Gurgel.
Mormaço
De início os bandidos inutilizaram os aparelhos do telégrafo nacional.
Dando seqüência à macabra missão de que estavam contratados, aprisionaram
alguns cidadãos. Saquearam e incendiaram totalmente a casa comercial ‘Jázimo
& Pinto’, da viúva do Coronel João Jázimo Pinto, a Senhora Isabel Sabina
Filha, conhecida como Dona Bebela de João Jázimo.
Dentre os cidadãos presos estava o Coronel Francisco Pinto, prefeito
municipal, que obteve sua liberdade mediante pagamento de vultuosa quantia e
pela eficaz e enérgica intervenção do padre Benedito Alves, vigário da cidade,
que intercedia piedosamente pelo preso já condenado à morte.
O ataque terminou às 11 horas, para alívio da pequena urbe oestana.
O eminente historiador Válter Guerra escreveu minucioso artigo sobre
este episódio, intitulado “A Madrugada do Terror”, publicado no jornal “Gazeta
do Oeste”.
Neste mesmo dia o Coronel Francisco Pinto enviou mensageiro especial a
Mossoró, montado em fogoso alazão, com a missão de procurar o seu parente
Rodolfo Fernandes e entregar uma missiva, com pormenores que soubera por
terceiros, de que o celerado grupo de Lampião tencionava atacar Mossoró. O
historiador Raimundo Nonato aborda este fato em seu livro ‘Lampião em Mossoró’,
à pág. 53[10].
Por ocasião do ataque, Apody assumira o aspecto de cidade saqueada e
sitiada, invadida que fora pelos bandidos comandados por Massilon, deflagrando
os mais hediondos crimes, enormes pela truculência e brutalidade com que foram
perpetrados.
Esse episódio fora antecedido, em 12 de maio de
1925, pelo denominado “Fogo de Pedra de Abelhas”, também relatado na obra
mencionada do historiador Marcos Pinto, e que tem relação direta com os
acontecimentos acima relatados:
Neste dia ocorreu o famoso “Fogo de Pedra de Abelhas”. Os truculentos
Décio Holanda e seu sogro Tilon Gurgel arregimentaram vultoso grupo de
jagunços, em consonância com Martiniano Porto, primo do bandido Júlio Porto, componente
do bando de Lampião, espalhando o terror em Apody e região.
Como era do seu dever, o Coronel João Jázimo comunicou ao governador
José Augusto a triste e vexatória situação vivida no Apody e região
circunvizinha. De imediato o chefe do Executivo Estadual encaminhou um
contingente policial composto por 40 praças, comandado pelo Capitão Jacinto
Tavares, exemplar oficial da Polícia Militar do Estado que ficou aquartelada em
Apody.
Na manhã de 12 de maio a tropa dirigiu-se até a povoação de “Pedra de
Abelhas” objetivando efetuar a prisão de Décio, Tilon Gurgel e toda a
jagunçada. Antes da força policial chegar ao seu destino, já Décio era sabedor
de que o contingente estava vindo ao seu encontro, por mensageiro enviado por
Martiniano Porto.
Quando Décio preparava-se com seus “cabras” para empreenderem fuga rumo
ao Ceará, eis que surge a tropa policial, travando-se cerrado tiroteio,
culminando com a debandada da jagunçada rumo ao Rio Apody, morrendo na ocasião
um “cabra” de Tylon Gurgel, por nome Mamédio Belarmino dos Santos, da família
dos “Caboclos”, daquela paragem.
Após esse entrevero bélico, a tropa policial retornou ao Apody, com a
missão de retornar no dia seguinte, o que não se efetivou pelas informações
concretas de que o grupo armado se homiziara no Ceará.
Depois desta ocorrência coibitiva, voltou a reinar a paz naqueles
rincões, mas não satisfeitos com a reprimenda policial, eis que Martiniano,
Tilon, e seu genro Décio (primo do coiteiro Izaías Arruda, protetor de Lampião[11])
tramam e efetivam o famoso ataque de 10 de maio de 1927 à cidade do Apody,
contando com o empenho de Massilon Leite, comandando parte do grupo de Lampião.
Continua...
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PARA ENTENDER O QUÊ SE EXPÕE AQUI, É CONVENIENTE LER OS TEXTOS ANTERIORES POSTADOS EM www.honoriodemedeiros.blogspot.comPROCURE Cangaço, DENTRE OS Marcadores, E LEIA TUDO QUANTO FOI ESCRITO ACERCA DO TEMA.
[1] “MOSSORÓ E O CANGAÇO”; Coleção Sociedade Brasileira
do Cangaço; volume V; Fundação Vingt-Un; Coleção Mossoroense; Série “C”; Vol.
950; junho de 1997; Co-edição com EFERN-UNED de Mossoró; Mossoró, RN.
[2] Jerônimo Lahyre era neto de Jerônimo Rosado com
quem morava desde a morte de seu pai Jerônimo Rosado Filho. A entrevista foi
concedida a Ilná Rosado.
[3] Jararaca.
[4]
Sérgio Dantas, em “LAMPIÃO E O RIO GRANDE DO
NORTE”, obra citada.
[5]
O termo utilizado foi exatamente esse.
[6] Do Coronel.
[7] “LAMPIÃO E O RIO GRANDE DO NORTE”; Dantas, Sérgio;
Cartgraf Gráfica Editora; 2005; 1ª edição; Natal, RN.
[8] “DATAS E NOTAS PARA A HISTÓRIA DO APODY”; Coleção
Mossoroense; Série “C”; Volume 1.164; Mossoró, RN; 2001.
[9] Aqui há um evidente equívoco. Não se tratava de
“parte do bando de Lampião”.
[10]
Grifei.
[11] Aqui se trata de outro equívoco. Não havia qualquer
parentesco entre Décio Hollanda e Isaías Arruda.
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