terça-feira, 27 de setembro de 2011

NO PÈRE LACHAISE



Honório de Medeiros

Père Lachaise. Tarde de frio, vento, e neblina. Tudo cinza, como convém a um cemitério. Ninguém à vista, exceto duas mulheres que se dirigem a mim e me perguntam se lhes posso informar onde está sepultado Azzis, “Le philosophe Azzis”. Peço-lhes que me perguntem em inglês. “Não, desculpem-me, não sei”, lhes respondo, enquanto me censuro por minha ignorância. Elas se vão. Cochicham. Que dizem entre si? Admiro-lhes o talhe discreto, a beleza madura, o andar elegante, até mesmo os guarda-chuvas, empunhados como complemento, não como proteção.


Tento decifrar o mapa do cemitério para me pôr em marcha batida na busca dos meus mortos queridos. Começo. É um alumbramento. Paro aqui, paro ali, paro acolá. Em cada canto, a história. Túmulos de grandes homens ou mulheres disputam espaço com anônimos. Enterneço-me com uma lápide solitária pousada no chão e rodeada de flores murchas. Foi recente o sepultamento, percebe-se. Em um canto, solitário, um ursinho de pelúcia cumpre a dura tarefa de velar o morto e lhe render as últimas homenagens que alguém – uma mulher? - lhe destinou. Fotografo.


Sigo em frente. Ofereço as flores que carrego comigo a Honoré de Balzac. Rezo, não, converso com ele. Pergunto-lhe por Alexandre Dumas e lhe digo de minhas manhãs, tardes e noites, quando ainda menino, quase adolescente, preenchidas pela genialidade de ambos. Vou mais além, homenageio Oscar Wilde, e enquanto começo a prosseguir, me assusto com alguém que surge de repente, como uma aparição, ao meu lado, e cruzando o braço esquerdo sobre o peito, eleva o direito à face escondendo-a com a mão e se coloca em um isolamento absoluto em relação ao resto do mundo. Quais seriam suas orações?


A tarde cai lentamente. Breve anoitece. Tenho que ir, embora não deseje. O instante é mágico. Olho para todos os lados e não vejo ninguém. Sento em um banco às margens de uma das vias principais do Pére Lachaise, protegido por uma árvore frondosa, e me lanço em uma divagação sem nexo, constituída de fragmentos do passado, na qual estou em plena madrugada, deitado de costas e olhando alternadamente para a torre da igreja por trás de mim – a Igreja de São Vicente, em Mossoró? - e para as estrelas logo acima, enquanto meus amigos conversam ao lado, e estou também em Paris, olhando aquele céu cor de chumbo, molhado, sem que ninguém dê conta. Lá, eu sou adolescente. Aqui, adulto. Em ambas as situações uma angústia metafísica por não conseguir entender tudo que me cerca, tudo que me envolve, tudo que eu sou.


Vou embora. Os passos ressoam no silêncio das alamedas. Aproximo-me da entrada. Cumprimento a guarda, que responde mecanicamente. Chego à rua. A Paris cheia de bulício vem ao meu encontro. Paro ligeiramente atordoado. Sigo, então, enquanto tento guardar as cores, os cheiros, as sensações, os fatos. O cemitério fica para trás. É noite e os vivos passam, ligeiros, enquanto os mortos dormem.

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá!
Encontrei seu texto quando procurava por informações sobre o cemitério mais famoso do mundo e , acredite, que descrição linda. Agora, a vontade de conhecer este lugar cresceu ainda mais. Já visitei Paris em três oportunidades e em nenhuma delas pude conhecer o cemitério. Meus acompanhantes me olharam com espanto quando falei sobre o lugar.
Penso que o jeito será ir sozinha e andar sem rumo pelas ruas estreitas e silenciosas desse maravilhoso lugar.
Helena