“Na cidade de H... viveu há alguns anos um jovem estudante chamado Johannes Climacus, que não desejava, de modo algum, fazer-se notar no mundo, dado que, pelo contrário, sua única felicidade era viver retirado e em silêncio”.
Assim começa “Johannes Climacus”, ou “É preciso duvidar de tudo”, delicioso texto do escritor – meio esquecido – Soren Kierkegaard, nascido em 1813, e morto quarenta e dois anos depois, em 1855, um típico excêntrico pensador do século XIX.
O pequeno livro que tenho em mãos é da Martins Fontes, Coleção “Breves Encontros”, que vem publicando opúsculos de autores variados, como Schopenhauer, Cícero, Sêneca, Schelle, dentre outros menos conhecidos, como o Abade Dinouart e Tullia D’Aragona.
O prefácio e notas, cuidadoso no que diz respeito ao levantamento da história da produção do texto e a um leve perfil do autor, está assinado por Jacques Lafarge – me é desconhecido – e a tradução por Sílvia Saviano Sampaio professora da PUC/SP, doutora em filosofia pela USP com a tese “A subjetividade existencial em Kierkegaard”, e membro da AMPOF – Associação Nacional de Pós-graduandos em Filosofia.
“É preciso duvidar de tudo” é dividido em três partes: Introdução, Pars Prima e Pars Secunda. A parte primeira contém três capítulos e o primeiro é uma afirmação: “A filosofia moderna começa pela dúvida”. A segunda parte, contendo somente um capítulo, Kierkegaard lhe nomina interrogando: “O que é duvidar?”
A mim, particularmente, interessou a seguinte proposição: “a filosofia começa pela dúvida”, que é o Capítulo II, da Pars Prima. A conclusão de Kierkegaard, falando por intermédio de Clímacus é de que essa proposição se situava fora da filosofia e a ela era uma preparação. De fato.
No próprio texto Kierkegaard alude ao fato de os gregos ensinarem, aludindo a Platão, no Teeteto, que a filosofia começa com o espanto. Eu traduziria espanto por perplexidade, mas talvez haja diferenças sutis entre os dois termos que não valem a pena serem esmiuçadas.
No próprio texto Kierkegaard alude ao fato de os gregos ensinarem, aludindo a Platão, no Teeteto, que a filosofia começa com o espanto. Eu traduziria espanto por perplexidade, mas talvez haja diferenças sutis entre os dois termos que não valem a pena serem esmiuçadas.
Muito mais recentemente Karl Popper propôs que o conhecimento novo – não apenas a filosofia – começasse por problemas. Esses problemas surgiriam do contraste entre o conhecimento antigo, a expectativa de que regularidades, padrões, se mantivessem, inclusive em relação a nós mesmos. Ao nos depararmos com algo que o nosso conhecimento antigo não explica, há uma fragmentação nas nossas expectativas e surge, então, o problema a ser solucionado. Observe-se que tal teoria pressupõe a existência do conhecimento inato adquirido geneticamente, no que é referendada pela teoria da seleção natural de Darwin.
Em certo sentido estão certos não somente os gregos, como Kiekergaard e Popper. Resta saber se, no início, há o espanto com a dúvida, ou a dúvida com o espanto.
Cabe também observar que Johannes Climacus é um típico caso de personagem acometido da Síndrome de Bartleby, algo que, com certeza, interessaria bastante à Enrique Vila-Matas.
Cabe também observar que Johannes Climacus é um típico caso de personagem acometido da Síndrome de Bartleby, algo que, com certeza, interessaria bastante à Enrique Vila-Matas.
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