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Honório de Medeiros
Esse homem que o acaso colocou em minha frente é uma incógnita. Nada sei a seu respeito. Se observo os detalhes que a sua aparência externa coloca ante meus olhos, e concluo algo, posso incidir em uma oceano de erros. Afinal, sob seu verniz de civilização pode se ocultar qualquer ignomínia.
Não faz pouco tempo, foi ele gentil com uma criança. Vi, mesmo, de soslaio, a mãe lhe sorrir complacente, como quem acha muito natural receber, sua cria, as atenções do mundo. O gesto me fez lembrar as contradições do ser humano. Ele mesmo, o observado, que desarrumou, com um afago, os cachos do cabelo da criança, em outra ocasião, outra circunstância, uma guerra, talvez ordenasse um bombardeio que vitimaria tantos e tantos sorrisos infantis.
Por certo não falo a mesma linguagem que ele. Quantas formas há de entender uma só palavra? Malsã atividade, a dos lógicos, a dos filósofos da linguagem, que pretendem descobrir o meio de diminuir a distância entre aquilo que percebo e o que digo. Se lhe chamasse a atenção e perguntasse algo, poderíamos divergir tanto, e acerca de coisas tão banais...
"Todavia, entre mim e esse homem glacial, sinto todos os espaços vazios que separam os homens". É como disse Saint-Exupèry, em um artigo para o Paris-Soir, em 1935, contando sua experiência de viajar, à noite em um trem repleto de mineiros poloneses que voltavam à sua terra natal, expulsos da França pelas contingências da economia.
Vazios semelhantes àqueles expressados por Elliot, em "The Waste Land": a angústia da constatação da impossibilidade da comunicação humana; a percepção de sua solidão essencial, primitiva, indescartável.
"Estou mal dos nervos esta noite. Sim, mal. Fica comigo.
Fala comigo. Por que nunca falas? Fala.
Em que estás pensando? Em que pensas? Em quê?
Jamais sei o que pensas. Pensa."
"Penso que estamos no beco dos ratos
Onde os mortos seus ossos deixaram."
"Que rumor é este?"
"O vento sob a porta."
"E que rumor é este agora? Que anda a fazer o vento lá fora?"
"Nada como sempre. Nada."
"Não sabes".
"Nada? Nada vês? não recordas
Nada?"
"Recordo-me
Daquelas pérolas que eram seus olhos."
(Uma Partida de Xadrêz, Elliot).
Poderia o amor, esse sentimento tão tipicamente cristão, aproximar os homens? Desnudar sua alma, lhe fazer não rir, nem chorar, mas compreender, com queria Spinoza? Dar, a eles, a capacidade de transcender a mesquinha luta pela sobrevivência, que coloca em lados opostos os que deveriam semear juntos?
Ou essa é uma missão utópica, e não há tempo para sentir quando não conseguimos refletir acerca dessa misteriosa rede de aliciamento e cooptação que nos induz a darmos o pior de nós mesmos em praticamente todos os momentos de nossa vida?
Podemos ter alguma esperança, mesmo depois de tantos mil anos de aperfeiçoamento na capacidade de destruir, matar, e nenhum progresso quanto ao ideal de fraternidade humana?
Mas Saint-Exupèry, esse tão injustamente banalizado filósofo da melancolia, da nostalgia, já dissera: "É absolutamente necessário falar aos homens". Em sua "Carta ao General X", escrita em La Marsa, perto de Túnis, julho de 43, para o “Le Figaro Littéraire”, ele denuncia: "Ah!, General, só existe um problema, um único, em todo o mundo. Restituir aos homens uma significação espiritual, inquietações espirituais. Não é possível viver-se só de geladeiras, política, orçamentos e palavras cruzadas, não é mesmo?"
Um sentido para a vida.
Tem a vida sentido?
Se nos indagassem: "homem, que és tu?", teremos de responder "aquele em cuja biblioteca os livros de poesia perderam seu lugar para os de computação?".
Meu companheiro anônimo se fora. Tinha perdido, eu, a chance de lhe falar acerca de tudo isso que poderia nos aproximar ou afastar: a solidão, o sentido da vida... Não seria dessa vez que construiríamos uma ponte entre a clausura de nossas almas.
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