terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

DA ARTE DE ROMPER UM GRANDE AMOR

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Muito tempo depois a encontrei em um café, contemplando o mundo lá fora com aqueles seus olhos azuis maravilhosos através das volutas da fumaça do cigarro. Após os cumprimentos de praxe, não resisti e lhe perguntei como sobrevivera ao fim do seu casamento, tão minuciosamente condenado ao fracasso, segundo sua própria avaliação, quando nos vimos pela última vez. Ela sorriu, espreguiçou-se como uma gata, tomou lentamente um gole de café e me perguntou se eu queria saber a história toda ou somente o desfecho, com algumas pinceladas óbvias como arremate.

Antes de lhe dizer que não dispensava os detalhes lembrei-me que parte do seu fascínio era a administração do silêncio, e este nos induzia a supor regiões misteriosas do seu pensamento onde a fantasia bordava, junto com a realidade, situações fascinantes para quem soubesse ousar e tivesse coragem de receber. Já naquele tempo ela reinava impune, a tripudiar das vãs tentativas dos conquistadores ávidos e tímidos admiradores, sem que as recusas constantes diminuíssem a admiração que granjeava. Nela, nada se eximia de seduzir, mas mesmo assim um dia sucumbira a uma paixão inesperada e violenta, que a retirara do circuito das festas e badalações.

Desde o começo nós, seus amigos, percebêramos que não daria certo. Sutilmente sua liberdade fora sendo restringida – logo a dela, tão essencial a si. Aos poucos, milímetro por milímetro, fora cedendo sem notar, encantada por uma proposta enleadora de construção do futuro a dois, mão a mão, através da imagem de uma ponte afetiva que terminaria no infinito. Embora apaixonada foi através da persuasiva magia da visualização de um amor único, daqueles que nutrem uma alma só em dois corpos distintos, que ocorrera a derrubada das suas últimas resistências.

Mas finalmente despertou e a ânsia de viver livre, solta, cobrou sua fatura. Passou a se sentir sufocada e a perceber as invisíveis amarras que lhe prendiam o vôo. Queria ir embora, queria sumir, queria desaparecer, mas havia um obstáculo, um sério senão a impedir sua liberdade: o orgulho desmedido, o egocentrismo concentrado, a incontida auto-imagem que seu companheiro fazia de si mesmo. Não era possível que o relacionamento fosse desfeito sem que a explicação a ser dada para isso preservasse sua posição social e o alto conceito que fazia de si mesmo.

“Eu não podia dizer-lhe que ia embora por que o amor acabara; seu orgulho não aceitaria ser trocado por nada, por coisa alguma. Ele não admitiria nunca que não fora capaz de segurar-me e apaixonada, que eu nada mais sentia exceto um afeto meio dependente do alívio do afastamento definitivo. Tive, então, que criar uma paixão inexistente por outro e, pior, por alguém abaixo da escala de valores que ele prezava. Assim, libertei-me, e ele pode dizer por aí, quando questionado, que eu havia sido uma aposta perdida por que mal avaliada, incapaz de perceber a qualidade do sentimento que despertara, alçada a um nível incompatível com minha ausência de sofisticação e, assim, depois, tinha sido levada de volta, através de um "qualquer", ao mundo ao qual realmente pertencia”.

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