segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

"OS TRABALHOS E OS DIAS" (FRAGMENTOS); HESÍODO



Hesíodo

Tradução do grego arcaico por Mary de Camargo Neves Lafer


“Convida quem te ama para comer e deixa quem te odeia
sobretudo convida aquele que mora próximo de ti,
pois se alguma coisa estranha acontecer em teu lugar
os vizinhos sem atar o cinto acorrem, os parentes, não.
Flagelo é um mau vizinho, quando um bom vantagem é.
Tem fortuna quem tem a fortuna de um bom vizinho ter;
nem um boi só morreria se mau não fosse teu vizinho.
Mede bem o que tomas de teu vizinho e devolve bem
na mesma medida, ou mais ainda, se puderes,
para que precisando depois o encontres mais generoso.
Não faças maus ganhos, maus ganhos granjeiam desgraça.
Ama a quem te ama e freqüenta quem te freqüenta;
dá a quem te dá e a quem não te dá, não dês.
Ao que se dá se dá e ao que não dá, não se dá.
(...)
Nem mulher de insinuadas ancas te engane a mente
palreando provocante com o olho em teu celeiro;
quem em mulher confia em ladrões está confiando.
(...)
Se nas entranhas riqueza desejar teu ânimo,
assim faze: trabalho sobre trabalho trabalha.”

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"Hesíodo é o mais antigo poeta grego de que se tem notícia com alguma certeza. Pode-se situá-lo com razoável grau de confiabilidade no início do Período Arcaico mas, a rigor, não há nenhuma evidência tangível de sua existência histórica, salvo informações contidas em sua própria obra.

A poesia hesiódica insere-se no âmbito da poesia épica e, assim como os poemas homéricos, representa a culminância de um longo período de evolução das tradições orais. Na Antiguidade, Hesíodo era tão considerado quanto Homero.

As informações biográficas de que dispomos foram fornecidas pelo próprio Hesíodo em uma de suas obras, Os Trabalhos e os Dias. O poeta viveu em Ascra, na Beócia, no final do século - VIII ou início do século - VII (c. -700), período de crise agrícola e social. O pai era um imigrante de Cime, na Ásia Menor, que se tornou agricultor e vivia com dificuldade de uma pequena propriedade rural próxima do Monte Hélicon. Teve vários litígios com um irmão, Perses, a respeito da divisão da herança paterna.

A exemplo do pai, Hesíodo viveu de sua pequena propriedade rural, mas parece ter recebido treinamento de rapsodo e certamente conhecia os poemas homéricos. A tradição lhe atribui a vitória em um concurso de poesia nos jogos fúnebres de Anfídamas, em Cálcis (Eubéia).

Como os poemas homéricos, sua obra parece ser uma coletânea de mitos e tradições conservados oralmente — no caso, tradições da Beócia, região em que viveu. Hesíodo foi, no entanto, o primeiro a utilizar suas próprias experiências como tema de poesia e a cantar a vida simples do homem do campo.

Dois de seus poemas chegaram integralmente até nós, a Teogonia e Os Trabalhos e os Dias. Temos também um longo trecho de outro poema a ele atribuído, o Escudo de Héracles, certamente composto em época bem mais tardia (século - VI). De outras obras que na Antiguidade também foram conservadas sob seu nome, como o Catálogo das Mulheres, restam apenas fragmentos.

A Teogonia conta a formação do mundo (cosmogonia) e a origem dos deuses (teogonia) e heróis; é um verdadeiro catálogo de deuses. O formato utilizado por Hesíodo nessas obras têm paralelo em textos hititas de -1400/-1200 e textos babilônicos ainda mais antigos. Em Os Trabalhos e os Dias o poeta relata seus problemas legais com o irmão Perses, fornece informações minuciosas sobre a agricultura, e discorre sobre a importância da justiça e do trabalho.

Devido ao contraste entre as duas obras, há ainda uma certa controvérsia quanto à atribuição da autoria da Teogonia, de tema bem diverso de Os Trabalhos e os Dias, a Hesíodo.

Numerosos manuscritos e fragmentos de papiros com os poemas hesiódicos chegaram até nós.

Assim como Homero, Hesíodo usou basicamente o dialeto iônico e os versos hexâmetros datílicos característicos da epopéia. Certamente conhecia os poemas homéricos, pois os epítetos épicos e expressões formulares que utilizou são semelhantes; mesmo o vocabulário lembra muito a poesia de Homero.

Mas enquanto que estruturalmente a poesia hesiódica se assemelha à homérica, a temática tem ao mesmo tempo uma distância pequena e grande. Pequena, se considerarmos a Teogonia: Homero recorre frequentemente a narrativas míticas; Hesíodo preocupa-se em agrupar os deuses e heróis em um catálogo organizado e inteligível. Grande, se considerarmos os Trabalhos e os Dias: Homero canta a vida e os problemas dos aristocratas; Hesíodo descreve a dura vida quotidiana dos camponeses, suas preocupações e problemas. As nítidas e precisas imagens que evoca, inclusive, indicam conhecimento pessoal e profundo da vida rural e de seus problemas.

Quanto ao estilo e à finalidade da poesia, o contraste é profundo. Hesíodo tem estilo didático e pessoal, bem distante da "grandiosidade" e impessoalidade de Homero. Enquanto que o poeta da Ilíada e da Odisséia nada fala de si mesmo e descreve os festins e as guerras dos aristocratas a uma audiência de aristocratas, Hesíodo identifica-se, usa quase sempre a primeira pessoa, dá opiniões. Mais que simplesmente divertir ou distrair, sua poesia têm uma nítida função didática, a exemplo dos antigos textos sapienciais das civilizações sumeriana, egípcia e babilônica."

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