Reflexo, na água, do Templo Expiatório da Sagrada Família, obra de Antoni Gaudi, Barcelona. Por Honório de Medeiros
* Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)
Na Rue de Lutèce, entre o Boulevard du Palais e a Rue de La Cité, em algum lugar conhecido por muitos poucos, o “La Mémoire de L'homme” cumpre sua missão de preservar histórias abandonadas pela humanidade.
Da mesma forma, por outro ângulo, na Barcelona gótica (Barri Gòtic), o “Cemitério dos Livros Esquecidos”, do qual nos deu conta Carlos Ruiz Zafón na bela tetralogia A Sombra do Vento, arquiva, em seus infinitos desvãos, tudo quanto a loucura e a sanidade dos homens ousou escrever ao longo do tempo e terminou encaminhado às traças.
Também alberga essa missão a Biblioteca de Babel, descrita por Jorge Luis Borges em Ficções, de 1944, que nos fala do mundo constituído por uma biblioteca sem fim, que abriga uma infinidade de livros possíveis e impossíveis, e que somente o gênio do argentino foi capaz de nos persuadir de que sua existência é fictícia.
São histórias abandonadas tais quais aquelas vividas pelo velho militar a quem deu tempo e voz Alain de Botton em Nos Mínimos Detalhes:
“Ele não tinha nenhum biógrafo para recolher suas palavras, para mapear seus movimentos, para organizar suas lembranças; ele estava vazando sua biografia para o interior de inúmeros receptores, que o ouviam por um momento, e então lhe davam uma pancadinha no ombro, e partiam para suas próprias vidas. A empatia dos outros era limitada às exigências do dia de trabalho, e assim ele morreu deixando fragmentos de si dispersos casualmente em meio a uma caixa de cartas esmaecidas, fotografias sem legenda reunidas em álbuns de família e histórias contadas a seus dois filhos e a um punhado de amigos que marcaram presença no funeral em cadeiras de rodas”.
É a vida, tal como é.
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