Os Coronéis do Cariri Cearense
Corria o ano de 1901.
No Cariri, mais
precisamente em Missão Velha, o Coronel Antônio Joaquim de Santana, mais
conhecido como Coronel Santana, apeia, do Poder, pelas armas, o Coronel Antônio
Róseo Jacamaru, chefe político e intendente da Cidade.
Pertencendo à família dos
Terésios, originária de velhos troncos coloniais fundadores do Engenho de Santa
Teresa, entre Missão Velha e Barbalha, governou-a durante dezesseis anos e
alimentou o sonho de dominar o sul do Ceará colocando, em cada município, na
chefia, uma pessoa de seu sangue.
Seguiu-se, no tempo, a
deposição do Coronel José Belém de Figueiredo, chefe político do Crato, em
1904, após tiroteio que durou dois dias e deixou vinte e uma vítimas, das quais
oito mortas.
Logo depois, em 1906,
após tiroteio que durou oito horas, caiu o Coronel Manuel Ribeiro da Costa,
conhecido por Neco Ribeiro, sobrinho do célebre caudilho Joaquim Pinto Madeira,
este da guerra civil absolutista de 1832. Seu algoz foi o Coronel João Raimundo
de Macedo, o Joca do Brejão.
Venceu quem conseguiu
reunir um maior exército de “cabras”.
Veio, após, o fim do
reinado político do Coronel Marcolino Alves de Oliveira, arrancado da chefia
política do Quixadá pelos Coronéis Joaquim Fernandes de Oliveira e José Alves
Pimentel e, em 1907, em Lavras da Mangabeira, a queda do Coronel Honório
Correia Lima, curiosamente o filho mais velho de Dona Fideralina Augusto Lima e
irmão de Gustavo Augusto Lima, seus carrascos.
Não podemos esquecer o
famoso José Inácio de Sousa (1870-1923), “Zé Inácio do Barro”, a quem se
atribui a prática reiterada de financiamento de cangaceiros para saques que lhe
rendiam muito dinheiro.
Em 1922, acossado por todos os lados, decidido a ir embora para Goiás ao encontro de Luiz Padre, famoso companheiro de Sinhô Pereira, arquitetou e determinou a execução de uma última empreitada: assaltar três coronéis paraibanos: Valdevino Lobo, Adolfo Maia e Rochael Maia.
Dessa ação participou não
somente Sinhô Pereira, enquanto líder, como, também, o famoso
cangaceiro/jagunço Ulisses Liberato de Alencar.
De Valdevino Lobo
arrancaram dois contos e oitocentos mil réis e cento e vinte libras esterlinas,
além de joias e outros objetos de valor; de Adolfo Maia não se sabe quanto foi
roubado. Rochael Maia terminou sendo poupado.
Ulisses disse, em
depoimento à polícia, que todo o dinheiro foi entregue a Zé Inácio do Barro.
Não foram diferentes os
anos seguintes, como qualquer leitor poderá constatar lendo Império do
Bacamarte ([1]),
obra inigualável de Joaryvar Macedo, sem qualquer sombra de dúvida uma
referência para os estudiosos do fenômeno do coronelismo no Brasil,
principalmente do Sertão nordestino, e sua relação com o cangaço e o misticismo
próprios da região.
Joaryvar, alicerçado em
profunda pesquisa bibliográfica, em jornais antigos, depoimentos pessoais,
literatura de cordel, e outras fontes primárias, tal como processos-crimes, nos
legou um impressionante painel histórico do Cariri cearense e seus principais
personagens, os coronéis.
Teria sido esse
epifenômeno, o coronelismo, circunscrito ao Sertão do Cariri? Claro que não.
Muito pelo contrário, acerca de sua importância, sua presença no mundo rural
brasileiro, consequência tardia de certa estrutura de poder típica de uma
aristocracia renascida na América litorânea - os senhores de engenho
pernambucanos e paulistas -, renovação da velha árvore multissecular
portuguesa, podemos dele tomar conhecimento, a partir da obra de Raymundo Faoro,
Os Donos do Poder, e sua abordagem do feudalismo nacional, “nascido
neste lado do Atlântico, gerado espontaneamente pela conjunção das mesmas
circunstâncias que produziram o europeu”.
Diz-nos Faoro ([2]):
“O quadro teórico daria
consistência, conteúdo e inteligência ao mundo nostálgico de colonos e senhores
de engenho, opulentos, arbitrários, desdenhosos da burocracia, com a palavra
desafiadora à flor dos lábios, rodeados de vassalos prontos a obedecer-lhe ao
grito de rebeldia. Senhores de terras e senhores de homens, altivos,
independentes, atrevidos – redivivas imagens dos barões antigos”.
O próprio Joaryvar Macedo
assim começa Império do Bacamarte:
“No território pátrio, o
fenômeno do coronelismo esboçou-se na Colônia, tornou-se realidade no Império e
consolidou-se após o advento da República.”
Ainda:
“Entre nós a Primeira
República, também denominada, consoante já se esclareceu, República dos
Coronéis, teve no coronelismo uma das suas marcas principais. Mais acentuado no
Nordeste, o fenômeno generalizou-se por todo o País, do Amazonas ao Rio Grande
do Sul.”
No Rio Grande do Norte,
que houve coronéis, disso não há qualquer dúvida. Basta consultar Coronéis
do Seridó, de Pery Lamartine, e conhecer desde o Coronel João Damasceno
Pereira de Araújo, o João Damasceno do Saco do Martins, até o Coronel Cazuza do
Ipueira, passando por Silvino Bezerra de Araújo Galvão, José Bernardo de
Medeiros, Laurentino Theodoro da Cruz e vários outros senhores proprietários de
terra e líderes políticos.
Todos descendentes de
portugueses que avançaram Sertão adentro, a arrancar da indiada insubmissa a
terra que lhes pertencia imemorialmente, até o fim da Guerra dos Bárbaros
(1687-1697), quando, por fim, do Vale do Açu, passando por Apodi, no Alto
Oeste, até o Seridó, em Acauã, os vitoriosos fincaram definitivamente seus
marcos sob os despojos do conflito.
Não somente no Seridó
existiram coronéis nos moldes descritos acima. No Alto Oeste também os houve.
Uma deposição política, entre coronéis, pela força das armas, violenta tomada
do poder.
Embora pouco conhecido
hoje, foi um episódio em nada diferente de tantos ocorridos no Cariri, do qual
talvez tenha vindo o eco, dada a relativa proximidade entre aquela região e o
Alto Oeste potiguar, onde ocorreu a história aqui abordada.
1919. Com o advento da
República, o Partido Republicano foi organizado no Rio Grande do Norte sob a
liderança de Pedro Velho de Albuquerque Maranhão. Em Pau dos Ferros essa
responsabilidade caberia ao Coronel Joaquim José Correia([3]),
sob a liderança direta de Joaquim Ferreira Chaves, que havia sido juiz do
município até 1887, quando foi promovido para Nova Cruz.
Joaquim Ferreira Chaves
partira tendo deixado o Partido Republicano Federal cindido ao meio em Pau dos
Ferros. De um lado, Joaquim José Correia e as famílias Correia, Rêgo e Ayres.
Do outro, o Coronel Adolpho Fernandes e as famílias Fernandes, Bessa e
Marcelino Oliveira.
Em 20 de março de 1917,
pressionado por Ferreira Chaves, Joaquim Correia e Adolpho Fernandes assinaram
um acordo político por intermédio do qual caberia, ao primeiro, a liderança
política regional que, mesmo assim, teve demitidos seus correligionários dos
cargos por eles ocupados e substituídos por indicações de seu opositor.
Como consequência,
Joaquim Correia rompe com Ferreira Chaves, mas permanece no partido sob a
liderança de Tavares de Lyra e Alberto Maranhão.
Essa cizânia política foi
o pano-de-fundo da denominada “Hecatombe de
[1]Casa de José de Alencar Programa Editorial; Universidade Federal do Ceará; 2ª edição; Fortaleza; 1992.
[2]Editora
Globo; v 1 e 2; 15ª edição; São Paulo, SP; 2000.
[3]
Do escritor
Bartolomeu Correia de Melo recebi a seguinte correspondência em 6 de abril de
2009: “Lourenço Correia, jovem português de
Braga, exilado político, chegou ao Brasil por Fortaleza e desceu mascateando
até Pau dos Ferros, onde se fixou como comerciante e depois pequeno agricultor.
Nesse tempo envolveu-se com a irmã do do amigo Padre Pinto, daí nascendo
Joaquim Correia que, tendo a mãe morrido no parto, foi criado e educado pelo
tio padre. Após estes fatos, saiu Lourenço de Pau dos Ferros para Macaíba, onde
progrediu como comerciante de secos e molhados e, já quarentão, casou-se com
Idalina Jacinta Emerenciano (irmã do Professor Zuza), com quem teve mais cinco
filhos, sendo os homens: Pedro, Francisco e João Correia. Tendo seu armazém
saqueado na revolta do “quebra-quilos”, quando quase foi linchado, mudou-se com
a família (filhos ainda crianças) para o Ceará-Mirim onde tinha propriedades
rurais e poucos anos depois faleceu. Pedro Correia foi senhor de engenho e
Prefeito do Ceará-Mirim, Francisco, foi comerciante, e João (meu avô materno),
oficial do Exército.
Joaquim Correia foi deputado por mais de três décadas (considerado por Câmara
Cascudo o maior tribuno do seu tempo). Não se enquadrava muito no perfil
clássico de coronel nordestino; sempre teve apenas médias posses, havendo
morrido na pobreza. Era sim, dono de carisma político e senso de conciliação,
somente vencidos pela violência. A versão de sua história, contada por minha
avó (cunhada e confidente) confere com fontes e fatos aqui citados. Neste
comentário esclareço a relação entre os Correia de Paus dos Ferros e do
Ceará-Mirim pouco conhecida pelos não-parentes.”
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