sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

VILLAÇA, O ESTILISTA

* Honório de Medeiros


Na cinza das horas, releio “O Livro dos Fragmentos”, de Antônio Carlos Villaça. Soberbo estilista. Quem não lembraria de Novalis e Nietzche, ao lê-lo?

Muito amigo de Franklin Jorge, outro estilista, autor de “O Spleen de Natal”, um livro requintado, prêmio Câmara Cascudo por unanimidade, e de Gerardo Dantas Barreto, o filósofo, dono de uma “passionalidade desgrenhada”, ambos norte-rio-grandenses.

Villaça ficou famoso com “O Nariz do Morto”, de 1970, obra de um niilismo trágico, tão elogiado, que não cheguei a ler, ainda. Foi amigo de Gilberto Amado, Augusto Frederico Schmidt, Carlos Lacerda, não o político, o homem, e tantos outros, naqueles anos que começaram com Getúlio Vargas e se encerraram com a agonia do Movimento de 64.

Lembra, lá para as tantas, que Gilberto Amado caracterizava Vargas muito bem: “Getúlio ou a arte de enganar. Enganava não apenas os bobos, o que é fácil e todos fazem. Enganava os sabidos.” E também lembra, em seu livro, Raul Fernandes, não o potiguar, e sim o político e diplomata carioca, que lhe dizia sempre: “ a ênfase é uma improbidade intelectual”. 

Em “O Livro dos Fragmentos” aponta o estranho fenômeno da desaparição de alguns escritores. Cita Osvaldo Alves, Carlos David, Lia Corrêa Dutra, a quem Drummond e Gilberto Amado admiravam e que sumiu da literatura. Villaça especula: “Era uma forma de ceticismo ou de cansaço”. Lembra Maria Teresa Abreu Coutinho, “brilhantíssima. Casou-se com um operário italiano e foi morar no subúrbio. Nunca a reencontrei.”

Nada mais Enrique Vila-Matas.

As obras desses escritores que ele cita ocupam, penso eu, algum escaninho empoeirado do Cemitério dos Livros Esquecidos que Carlos Ruiz Zafón localiza na misteriosa Barcelona, em um beco ao qual me conduziu uma bela guia mineira que, ante o meu espanto com o que me deparei, pôs-se a rir, divertida. O Cemitério não se deixava perceber assim tão fácil... 

Antônio Carlos Villaça, assim como Gerardo Mello Mourão, reconheceu que o Brasil é barroco, uma eterna tensão entre o corpo e a alma. Vivesse hoje, que diria ele? 

Termina seu livro citando Machado, “Iaiá Garcia”: “Alguma coisa escapa ao naufrágio das ilusões”. Estaria se referindo ao que escrevera?

Tomara.

2 comentários:

Franklin Jorge disse...

Villaça, um de meus mestres, que me apresentou a Tancredo Neves, a Antonio Houaiss, filólogo e tradutor de Joyce [aliás, uma fraude:essa tradução teria sido feita não diretamente da obra original,mas da tradução espanhola de Sabartés, considerada uma obra-prima]. me lembro de um jantar no Iate Club, na companhia do ministro Rouanet [que recorria a Villaça para melhorar seus discursos, e de Houaiss, quando lhe interroguei sobre o seu livro de pratos típicos brasileiros, no qual ele inseriu um prato que disse ser popular em Caicó, que eu desconhecia. Adorava passear o Rio de Janeiro em sua companhia, quando ele ia desfiando a crônica da valorosa Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, instruindo-me sobre as suas personagens. lembro-me também de uma noite, na reitoria da Universidade Gama Filho, quando conheci Sobral Pinto, que me fez sentar na única cadeira colocada ali para o famoso advogado, que me perguntou se eu teria sangue mouro e assim passou a me chamar de "meu portuguesinho do Norte de Portugal". Ninguém conhecia melhor que ele a crônica secreta. Certa vez, ao descermos de Santa Teresa [nessa época ele morava à rua Mauá, num hotel frequentado pelo ator Lauro Corona, cujo namorado ali residia.]

Franklin Jorge disse...

Continuando, para finalizar meu comentário acima publicado, que ficou incompleto:Certa vez, ao descermos de Santa Teresa, passamos numa rua que tinha o nome do Cardeal do Rio de Janeiro na época do Governo de Getúlio Vargas e estranhei que personagem tão importante emprestasse o seu nome àquela rua muito longe de seu prestígio. Villaça, então, revelou-me um aspecto da personalidade do presidente que eu desconhecia: a picardia. Getúlio interferiu pessoalmente, junto ao prefeito do Rio de Janeiro, para que essa rua humilde e obscura tivesse o nome do Cardeal. É que ali morava a lavadeiro do Príncipe da Igreja, de quem o Cardeal era amante.