* Honório de Medeiros
Em “Servidão Humana”, Somerset Maugham assim começa um parágrafo: “Dizia para si mesmo que a força era o direito” (...)
Os anarquistas, bem como os libertários, pensam da mesma forma. Os primeiros enxergam na presença do Estado - e, por conseguinte, na do Direito - o supra-sumo do mal. Os últimos aceitam-no minimalista, ou seja, reduzido a cumprir funções mínimas embora essenciais, como a segurança e/ou a eficácia das leis, sem, no entanto, afastar essa percepção ontologicamente negativa acerca do Direito.
Na realidade o senso comum também coloca essa mesma compreensão no cérebro do povo. Para o povo a norma jurídica existe unicamente para os pobres, porque quem é rico por ela não é alcançado.
O certo é quê o verdadeiro significado da presença da norma jurídica na Sociedade - a razão pela qual ela existe - é extremamente fetichizado, mascarado. Essa situação é decorrente da própria estratégia que determina sua existência: ela existe, mas, para existir, tem de ser enxergada de uma forma que lhe permita a sobrevivência.
Um engodo, em suma. Uma manipulação.
Note-se que lei, aqui, é a norma jurídica, não aquela causal - como a da gravidade ou a da conservação da matéria. A causal existe independente da vontade do Homem; a norma jurídica é criação humana.
Assim é que, trocando em miúdos, dentre a maioria dos que escrevem livros de direito, melhor dizendo, de filosofia do direito, a lei, por exemplo, corresponde a um ideal de justiça a ser atingido e que, ao mesmo tempo, originou sua criação: o Congresso Nacional, tomado pelo mais vívido sentimento de Justiça, resolve aprovar uma lei que tem o objetivo de eliminar alguma maldade, corrigir algo errado.
Ou, para outros, a lei embora não reflita necessariamente algum ideal de justiça - porque, afinal de contas, há aquelas injustas, mas, quem sabe, necessárias - são, no entanto, resultado do Congresso, que é o resultado da vontade popular, e seriam, em assim sendo, essencialmente legítimas.
No fundo, o que se pergunta é qual a legitimidade da lei. Em que se baseiam os homens que a criam, interpretam e aplicam para exigir-lhe o cumprimento?
A resposta, hoje, mais moderna, ainda em vigor, é que a lei é resultado da vontade do povo, que a elaborou, analisou, votou e promulgou através de seus representantes, os congressistas.
Por essa linha de raciocínio, qualquer asneira que o Congresso aprove teria legitimidade, se e somente se vivermos em um regime democrático.
Esse democrático, por si só, já é questionável - afinal, eleições livres são mesmo livres? E onde os votos são comprados e a vontade do povo é manipulada através dos meios de comunicação?
Mas tal é apenas o começo da novela.
Supondo que se aceite o modelo em vigor neste País, o democrático, alegando-se que não há outro melhor, etc e tal, como se voltar contra uma lei quando ela é legal, ou seja, foi feita segundo os padrões formais, mas, no entanto, é injusta, segundo o sentimento popular?
Supostamente pressionando-se os congressistas para mudarem a lei. Essa seria a única resposta que o jogo democrático permite.
E ir por outro caminho - aquele que os “sem-terra”, por exemplo, utilizam para fazerem valer seu direito legítimo à terra?
Alguns diriam que essa não é mais uma questão jurídica, extrapola seu universo e invade o da política. Outros observariam que a lei é dura mais é lei, e mostrariam o caminho do Congresso.
Não há de faltar que diga, ao perceber que não interessa às elites resolverem o problema da terra: a força do direito é o direito da força.
E ponto final.
Arte: Carta Capital.
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