1) A sociedade[4]
enquanto constituída por um conjunto[5]
de fatos[6]
que se entrelaçam[7].
É possível identificar vários desses fatos específicos:
a) O fato econômico;
b) O fato religioso;
c) O fato político;
d) O fato jurídico, etc.
2) Há um método para estudar o conjunto desses fatos: o científico. Aqui se
pode pensar em monismo metodológico[8],
ou seja, há somente uma ciência[9],
e esta pressupõe:
a) Um Objeto;
b) Uma teoria acerca do Objeto;
c) Uma testabilidade.
3) A ciência que estuda o conjunto dos fatos sociais é a Sociologia. O
ramo da sociologia que estuda o fato jurídico é a Sociologia Jurídica.
4) O fato jurídico = campo jurídico, portanto o campo jurídico possui uma
lógica (complexo de causas) que lhe é externo e que determina seus pressupostos
estruturais (complexo de causas) internos (interior do campo jurídico). Para
que se perceba essa realidade imagine-se um jogo de xadrez: a lógica externa
(complexo de causas) estabelece quem são os participantes, qual é o jogo, quais
são as regras; a lógica interna (complexo de causas) estabelece como vai
acontecer o jogo a partir dessas premissas estabelecidas exteriormente. Para
que se perceba a dependência da lógica interna em relação à lógica externa
basta que se imagine a possibilidade desta impor novos jogadores, novo jogo,
novas regras[10].
5) Essa lógica interna, campo específico da dogmática jurídica ou teoria
geral do direito é de natureza técnica: diz respeito à construção dos conceitos
próprios internos do campo jurídico, tais quais os de validade da norma
jurídica, eficácia, hierarquia das normas, normas coativas, normas imperativas,
normas permissivas, normas atributivas, bem como produção da norma jurídica,
interpretação e discurso legitimador do campo jurídico ou legitimação retórica[11].
6) A sociologia política conjectura que a lógica externa que engendra o
campo jurídico[12]
é resultante de relações de domínio (Poder[13]
Político[14])[15].
A comprovação advém da história: a história das normas sociais e das normas
jurídicas é a história da imposição de regras aos dominados pelos dominantes
(surgimento do Estado – a norma jurídica abstrata e geral substituindo a regra
social concreta e casuística).
7) Nesse sentido o caráter hegemônico de produtor da norma jurídica que é
próprio do Estado e que a história comprova, inclusive no que diz respeito ao
fenômeno da recepção. Caráter de legitimação da norma jurídica por que
produzida pelo Estado para mascarar a ilegitimidade do próprio Estado.
8) Sendo o Estado[16]
algo que resulta da Sociedade, e sendo esta uma realidade na qual o conflito, a
discordância, a divisão, a luta de classes, o confronto grupal, o dissenso é a
essência, aquele somente pode surgir da imposição da vontade dos que detêm o Poder
Político sobre aqueles subjugados.
9) As relações de domínio se externalizam[17]
através de:
a) convencimento: através da propaganda (mídia), retórica (O Estado
Sedutor)[18];
b) constrangimento: através do poder econômico;
c) sedução: carisma;
d) subjugação: força.
10)
No que diz respeito à
subjugação o Poder Político se configura através de normas jurídicas produzidas
através do aparelho estatal ou por este reconhecidas. Aparelho estatal que pode
ser o Poder Executivo, o Legislativo ou o Judiciário.
11)
Sendo o Poder a fonte do
Direito ele se manifesta através da produção, interpretação e aplicação da
norma jurídica[19].
Podemos contar uma história do Direito a partir dessa perspectiva: como se
produzia, interpretava e aplicava a norma jurídica na era arcaica, antiga,
medieval, moderna, contemporânea? Para tanto é fundamental definir Poder e
Norma Jurídica. Quanto a Norma Jurídica, temos que analisar o conceito de
governo que lhe é inerente (território, população e governo); temos que expor e
criticar suas características: soberania; tributação; força policial independente
e podendo agir contra o povo a quem, até então, estava restrito a posse de
armas para a defesa comum da sociedade; a norma jurídica geral e abstrata em
contraposição à norma social o mais das vezes concreta e específica; a
burocracia; a centralização.
12)
A ação política se exerce
através do Direito. Neste caso o Direito é um epifenômeno do Poder Político.
Ou, então, a ação jurídica delimita e disciplina a ação política (convicção
liberal).
13)
O Poder é o parâmetro
fundamental: está por trás de tudo, engendrando as soluções para transpor os
obstáculos que possam surgir, ou seja, estratégias adaptativas. Não há vazio no
espaço social. O Poder está sempre presente. Mudamos seus titulares por que o
Poder muda de dono de acordo com fatores tais como competências
circunstanciais. Tudo é prolongamento ou instrumento do Poder. O que há por
trás dele? Ernst Becker diria: o medo da morte. Darwin diria: o processo de
seleção natural.
14)
A relação entre a esfera
econômica e a esfera política é um problema de delimitação de campos, de
exercício do poder por distintos meios. A relação entre moral e política é um
problema de distinção entre dois critérios de avaliação de ações. A relação
entre política e direito é um problema de interdependência recíproca ficando,
entretanto, o poder com a última palavra.
15)
Somente há direito onde
houver em última instância a força. Não há outro direito senão aquele
estabelecido direta ou indiretamente reconhecido pelo poder político (Hobbes).
16)
É possível a redução do
jurídico para o político, e do político para a teoria da evolução de Darwin. É
possível a redução do econômico de Marx para o poder através de Darwin. É
possível reduzir o Poder à teoria da evolução de Darwin.
[1]
Poder: capacidade quem alguém tem de influenciar ou determinar a conduta de
outrem.
[2]
Política: conjunto de ações que objetivam a conquista do Poder (último, supremo
ou soberano) em uma comunidade de indivíduos sobre um território.
[3]
Poder Político: poder exercido na Polis (cidade), ou seja, comunidade autossuficiente
de indivíduos que convivem em um território (Estado).
[4] A
sociedade é uma malha cujas linhas são as relações de domínio. Há uma lei
natural social – a lei da evolução – à qual pode ser reduzida a conduta humana
e que dá ao ser humano o aparato físico/mental para tecer as condições de
domínio. Um fato social, qualquer que seja ele, é um conjunto de ações
específicas de domínio. No modelo tradicional, o Estado legitima a norma
jurídica – mas observemos que ele cria as regras que dirão quando estas são
legítimas. Até onde a história pode alcançar o homem viveu em sociedade. Ele é
uma anima social antes de ser um animal. Até onde a história pode alcançar
sempre houve, existindo sociedade, o fenômeno do Poder. Talvez, inclusive, não
seja possível o primeiro sem o segundo, devido ao instinto de sobrevivência –
sobreviver é mais fácil em grupo, e onde houver grupo haverá Poder, como
demonstram todas as pesquisas realizadas em Psicologia Social. O Estado,
entretanto, pertence a um estágio ulterior de civilização. Neste caso há
ingredientes que exigem a presença de uma força armada que aja internamente
contra quem não aceita a submissão, bem como uma legislação geral e abstrata
para a gestão do território e de uma população maiores, além de funcionários
para cuidar dos impostos e da lei – a burocracia. O Estado é, assim, uma
resposta adaptativa da espécie humana a um desafio de Poder.
[5] Os
fatos teleológicamente encarados, ou seja, com um propósito específico:
marxismo; darwinismo. Aparentemente sem um propósito específico: “autopoiesi”.
Através de Darwin poderíamos pensar em uma evolução do mais simples ao mais
complexo, sempre produzindo condições mais favoráveis de sobrevivência aos mais
aptos, embora essa evolução não conduza para um progresso em termos de valores;
podemos avançar para um Estado mais evoluído e pior, em termos de valores.
Spencer diria que há especialização e finalidade. A teoria da dinâmica de redes
proporia a “autopoiesi” (mas para quê, por que, com qual sentido?). O marxismo
falaria em evolução para o comunismo. O funcionalismo ou a teoria de sistemas
não se questiona acerca da causa e finalidade, tomando esse conjunto de fatos
sociais como se sempre tivessem existido. Não questionar a causa e a finalidade
é dar ensejo ao surgimento de uma teoria funcionalista da sociedade que advoga
a semelhança entre esta e o corpo humano, no qual cada órgão cumpre uma função
no sentido de se alcançar a saúde. No que diz respeito à sociedade seria a
saúde social, ou paz social. O modelo funcionalista prega que assim como
cuidamos da saúde de um determinado órgão para que ele não afete o todo,
devemos cuidar do órgão social para que a paz não seja perturbada. Então se
fala em Estado em Crise, e se defende o aperfeiçoamento do Estado. Isso conduz
a soluções autoritárias por que engendra modificações nas legislações de controle.
Não há Estado em Crise por que os pressupostos básicos de seu funcionamento
somente são ameaçados quando há uma revolução ou guerra. Esse tipo de
perspectiva oculta as causas reais dos problemas cujos reflexos são sentidos
através dos aparelhos do Estado e são consequências de conflitos no âmbito da
Sociedade. Uma imagem diz mais: querer consertar o Estado para melhorar a
sociedade é querer melhorar o carro cujos pneus estão ruins sem ajeitar as
estradas. Essa visão de Estado tem a incumbência de ocultar a realidade. É como
querer resolver o problema de hipertensão através de drogas sem resolver as
causas do stress.
[6] Um
elemento da realidade cuja existência é incontestável e pode servir de base
para o raciocínio ou hipóteses (há de pressupor um realismo crítico).
[7]
Esse conjunto de fatos entrelaçados forma uma rede, uma malha, uma teia, um
sistema, um tecido social. Através de liames (relações) que vão ser mais ou
menos densas dependendo de certo contexto: as relações entre o fato religioso e
o jurídico são mais densas no Irã que no Brasil.
[8]
Dois obstáculos a esse postulado: 1) diferença ontológica entre fato social
(existe por que o homem existe) e o natural (existe independente da existência
do homem), superada por Émile Durkheim que propõe o postulado da identidade
entre fato social e natural quanto à aplicação do método científico.
[9] A
ciência dita humana ou do homem que advogue um método dialético, ou
compreensivo, ou hermenêutico, vai esbarrar sempre na obrigação de submeter
suas teorias ao controle da observação, para evitar a metafísica, as verdades auto
evidentes, e termina caindo no falibilismo popperiano. Essa ciência parte do
pressuposto de Durkheim de que fato social e fato natural se equivalem enquanto
objeto de um método da ciência.
[10]
Revoluções, golpes de estado, etc. Outra imagem que pode ajudar: a lógica
externa fornece o terreno, o material de construção e os construtores para que
seja construída uma casa; esta casa pode ter qualquer forma, mas
necessariamente terá que possuir sapata, teto, paredes, e tudo quanto nela ou
para ela for feito está adstrito aos parâmetros impostos do terreno, do
material de construção, dos construtores...
[11]
Se formos estudar o campo interno econômico teremos que construir uma teoria do
salário; entretanto essa construção está necessariamente adstrita a leis que
regem o campo externo tal qual a do mercado. No campo jurídico podemos pensar
em algo do campo interno tal qual a definição de validade da norma jurídica,
sem o qual não é possível a ideia de ordenamento jurídico. A definição de
validade da norma jurídica é inerente a de ordenamento jurídico, que é inerente
a de Estado, que é inerente a uma lógica do Poder Político.
[12] E
o econômico, e os outros. Nesse caso há uma redução, ao político, com fulcro na
Teoria da Evolução, semelhante à redução ao econômico feita por Marx com fulcro
no materialismo dialético. Para além do Político e de Darwin, e enquanto pura
especulação, o “medo da morte” de Ernst Becker.
[13]
Tipos de poder (em “Política”, de Aristóteles): a) pai sobre o filho
(patriarcalismo) – “ex natura”; b) senhor sobre o escravo (despotismo) –
punição “ex delicto”; c) governantes sobre governados (poder político) – “ex
contractu”.
[14]
Características do Poder Político: a) critério da função: o Poder Político é a
mente do corpo social; b) critério da finalidade: o Poder Político tem a
finalidade de alcançar o bem comum (juízo de valor); c) critério do meio: o
Poder Político se caracteriza pela utilização da força (“summa potestas”; poder
soberano) que distingue a classe dominante.
[15]
Podemos ver que incipiente no tráfico, no cangaço, nas comunidades nos limites
das áreas urbanas, nos presídios, as tribos das eras arcaicas têm todos os
elementos daquilo que irá constituir o Estado, À EXCEÇÃO DA NORMA GERAL E
ABSTRATA.
[16] O
Estado é um exemplo de como: a) um instrumento formal pode desenvolver-se ao
longo do tempo em complexidade para suprir expectativas em relação ao manejo do
Poder; b) algo pode surgir para resolver um problema específico de Poder –
somente uma norma jurídica geral e abstrata daria conta de uma população maior,
território maior, e complexidade de gestão maior. Uma vez surgido o instrumento
se auto alimenta gerando condições para sua sobrevivência. Na verdade não é o
instrumento em si, mas, sim, aqueles que o manuseiam.
[17] A
categoria filosófica da “vontade” é o fio condutor para entender essa
tipologia: na persuasão a vontade adere; no constrangimento, cede sem querer;
na sedução, é contra, mas cede querendo; na subjugação
aniquila a vontade. Conceito de vontade em São Paulo , sem o qual não haveria livre-arbítrio,
inferno, Igreja impondo seu reino.
[18] A
tendência a dizer que o Direito resolve as coisas é o mesmo que dizer que “o
carro” é veloz, ou “o carro foi para a oficina”, ou seja, uma antropoformização
para ocultar o verdadeiro sujeito da ação. É como quando o juiz diz: “não fui
eu, foi a lei.”
[19]
As normas jurídicas que aparentemente são conquistas dos menos favorecidos (do
Poder, portanto, mesmo que circunstancialmente) ou aquelas que aparentemente
limitam o Poder de quem o detêm são engolfadas pelos mecanismos construídos
pela elite dominante – enquanto estratagemas – para assegurar o predomínio na
interpretação e na aplicação. Portanto, normas como as que asseguram isonomia
somente se tornam eficazes em relação aos hipossuficientes quando estes dão
demonstração de força política, o que, convenhamos, é residual.
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