* Honório de Medeiros
Há uma lógica perversa induzindo a opção por privilegiar obras físicas em detrimento de políticas públicas nos governos brasileiros, sejam estes quais sejam, municipais, estaduais, ou mesmo federais. Tal lógica é ainda mais perversa porque praticamente exclui a opção pelas políticas públicas, entendidas estas “como as várias funções sociais possíveis de serem exercidas pelo Estado, tais como saúde, educação, previdência, moradia, saneamento básico, entre outras”, no dizer de Antônio Sérgio Araújo Fernandes, Doutor em Ciência Política pela USP e professor de Políticas Públicas da UNESP/Campus Araraquara, em “Políticas Públicas: Definição, Evolução e o Caso Brasileiro”.
Em primeiro lugar, a opção por obras físicas, QUANDO RESULTADO DESSA INDUÇÃO, é conseqüência de demandas específicas, a das grandes empresas de construção civil e de serviços – e suas agregadas – que precisam recuperar o montante investido nos candidatos por elas apoiados e, também, convenhamos, conseqüência de esses empresários, o mais das vezes, serem integrantes, através de laços familiares ou de compadrio, da elite política, quando não são o que comumente chamamos, no Brasil, de “laranjas”, ou seja, títeres dos próprios políticos.
Em segundo lugar, a opção por obras físicas é, também, conseqüência de outra demanda específica, qual seja a necessidade de encher os cofres vazios da elite política vencedora dos pleitos eleitorais aos quais se candidataram, bem como construir reserva financeira para as futuras demandas político-partidárias.
Em terceiro lugar, a opção por obras físicas é, por fim, conseqüência de ainda outra demanda específica: a de gerar condições de manutenção e aquinhoamento financeiro dos quadros responsáveis pela gestão pública, sob a alegação (interna) de que estes não suportariam sobreviver com a remuneração miserável que lhes paga o serviço público (o chamado “por fora”).
Esse círculo vicioso – a elite política ser financiada pelas obras e serviços e, como conseqüência, por intermédio do Tesouro, financiá-las – consome o que sobra, no orçamento, em termos de recursos, quando pagos o custeio da máquina e a folha de pessoal, isso na maioria das vezes com manipulação orçamentária, sem praticamente nada deixar para a efetivação de políticas públicas.
A manipulação, persistente, o gerenciamento dolosamente equivocado das finanças públicas, se mantém, obviamente, com a leniência dos Órgãos fiscalizadores, seja por desídia, seja por incompetência. Ano após ano a Constituição Federal é desrespeitada e seus princípios norteadores, no que dizem respeito à Educação e Saúde, entre outros, adquirem o perfil de “letras mortas”.
Esse "sistema" cínico e predatório engendra uma custosa publicidade com o objetivo de persuadir os inocentes úteis acerca dos bons propósitos de toda obra e qualquer serviço que estejam sendo feitos nos moldes descritos acima. Assim, toda e qualquer obra e serviço surgem, na publicidade, como decorrência de uma “demanda social” e se destinam ao “desenvolvimento sustentado”. Obras e serviços por intermédio dos quais circula o capital financeiro da elite política, para perpetuar a expropriação da força de trabalho da classe média, que é quem paga, na verdade, os tributos nossos de cada dia.
E as políticas públicas, tais como a luta pela erradicação do analfabetismo, a luta contra a mortalidade infantil, a luta pela qualidade do ensino em todos os graus, a luta pela queda dos índices de homicídios, latrocínios, furto, a luta pelo saneamento básico, a luta pela melhoria do sistema prisional, enfim tudo que não dá retorno financeiro é deixado de lado e nosso Brasil, este imenso Brasil que sobrevive às vezes milagrosamente, apesar do Estado, continua um dos líderes mundiais da exclusão social.
Vejamos o que nos dizem, por exemplo, Admir Antonio Betarelli Junior, Edson Paulo Domingues e Aline Souza Magalhães em seu estudo “QUANTO VALE O SHOW? IMPACTOS ECONÔMICOS REGIONAIS DA COPA DO MUNDO 2014 NO BRASIL”, encontrável no Google, sob o título acima. Leiam com atenção:
“Os resultados analisados neste trabalho dizem respeito aos impactos dos investimentos em infra-instrutora urbana e estádios programados para a Copa-2014 anunciados pelo Ministério do Esporte no início de 2010. A literatura de economia dos esportes costuma elencar outros impactos advindos dos eventos esportivos, como por exemplo: ampliação dos setores de serviços e hotelaria; fluxo adicional de turistas no evento e pós-evento; e exposição internacional do país, com atração de investimento externo. Entretanto, tais impactos, se existem, são de difícil mensuração e projeção. Por exemplo, diversos especialistas em economia do turismo (e.g. Matheson, 2002) consideram que um mega-evento como a Copa do Mundo apenas substitui turistas usuais no país-sede por “turistas-copa”, e mesmo estes podem efetuar um dispêndio no país significativamente menor, tendo em vista os gastos com ingressos e deslocamentos para o evento.
O principal resultado da Copa-2014 parece ser a melhoria da infra-instrutora urbana nas cidades-sede, o que representa efetivamente impacto de longo prazo na eficiência econômica de diversas cidades. Além disso, este trabalho destacou as opções de financiamento dos investimentos da Copa-2014, e sinalizou que o impacto econômico tende a diminuir com o financiamento público para as obras de estádios de futebol, uma vez que implicam ou no crescimento da dívida pública ou na redução do gasto das diferentes esferas de governo envolvidas. Embora no Brasil o futebol seja a “paixão nacional”, não se vislumbra uma forma de avaliar o ganho de bem-estar das famílias com a reforma e construção de estádios de futebol, de uso essencialmente dos clubes de futebol ou eventos comerciais. Provavelmente, um ganho mais importante de bem-estar ocorrerá com a vitória brasileira na Copa-2014.”
Ou seja, os impactos econômicos favoráveis são como miragens no deserto. E estão os autores abordando única e exclusivamente o viés econômico do evento. Não está sendo abordado o dano incalculável em termos de políticas públicas não gestadas e implementadas pela falta de financiamento governamental.
Obviamente que há toda uma plêiade de estatísticas justificando os investimentos do Governo. Não é nada difícil manipular estatísticas. Difícil é admitir que fazer calçamento ou construir um estádio possa ser melhor que educar crianças, melhorar o atendimento médico-hospitalar ou diminuir as estatísticas da violência urbana e rural.
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