Lá pelos meados do século XIX, Nadeja Nárichkina, aristocrata russa
fascinante, que casara muito jovem com Alexander Nárichkin, herdeiro de uma das
mais ilustres e nobres famílias da Rússia e de quem tinha um filho,
começou um caso com um belo e abastado aristocrata chamado Alexander
Sukhovo-Kobilin, talentoso dramaturgo.
Esse adultério foi descoberto e Nadeja se viu, então, envolvida no
assassinato da amante francesa de Sukhovo-Kobilin, crime pelo qual seu amante
acabou na prisão.
Grávida de um filho do seu amante, a bela e adúltera russa de cabelos ruivos
fugiu para Paris às pressas e escondida. Em lá chegando logo passou a reinar
nos salões famosos da cidade, da mesma forma que reinara nos salões de São
Petersburgo.
Em Paris Nadeja conheceu Alexandre Dumas, filho, já famoso com a
publicação de "A Dama das Camélias" e se envolveram. Nadeja passou a
ser seguidamente adúltera. Dumas somente pode casar-se com ela em 1864,
após a morte do seu esposo. Tiveram uma filha.
Um fato ocorrido em Paris, naquela época, chamou a atenção da Europa:
um determinado cidadão, já divorciado, ao saber que sua ex-esposa passara a ter
um outro relacionamento, a assassinou.
A lei francesa era leniente em casos como esse, e pouco importou a maciça
campanha contra o homicida e a lei, desencadeada pela imprensa parisiense.
Dumas reagiu se posicionando contra a imprensa e dando razão ao assassino.
Foi além. Escreveu um ensaio, "L'Homme-Femme', que fez furor na
França. No ensaio o escritor, mesmo a par do passado de Nadeja, ou talvez por
isso mesmo, defendeu que o marido é, em última instância, o árbitro moral do
casal, e justificou o assassinato.
Além de "L'Homme-Femme", e "A Dama das Camélias", esta
sua obra mais conhecida, Dumas filho também escreveu uma semi-biografia
bastante aclamada, "L'Affaire Clemenceou". Frasista admirado, certa
vez se perguntou: "Como é possível que sendo as criancinhas tão
inteligentes, a maioria das pessoas sejam tão tolas? A educação deve ter algo a
ver com isso!"
Consta, também, que esse ensaio influenciou Tolstoi quando este escrevia
"Anna Kariênina". Uma interessante triangulação: São Petersburgo,
Paris, São Petersburgo.
Segundo Rosamund Bartlett, autora de uma louvada biografia do Conde
escritor, e fonte deste texto, é esse sentimento "que Tolstoi exprime por
meio de sua pouco celebrada heroína Dolly em "Anna Kariênina", talvez
sua obra mais controversa, tirante os textos místicos.
Tólstoi morava em Moscou na época do crime no qual Nadeja foi envolvida, e,
enquanto aristocrata, conhecia todos os envolvidos no episódio.
E até o final da vida, mesmo imerso em apurado misticismo do qual decorria
sua revolucionária postura, por exemplo, contra a propriedade
privada, bem como a defesa intransigente de que nunca se deveria reagir à
violência, jamais deixou de considerar correta essa posição de árbitro
moral do casal como algo inerente ao homem.
Mundo pequeno, pequeno mundo...
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