Honório de Medeiros
Consta que
indagado pelo repórter Dinarte Assunção, do Novo Jornal (edição de 14 de junho
de 2013), acerca do pagamento da remuneração indireta denominada
“Auxílio-Moradia” ao Ministério Público potiguar, seu futuro Presidente e
beneficiário respondeu que não podia analisar o assunto à luz de suas
convicções pessoais:
“Não posso.
Não posso fazer uma interpretação eu sozinho. Nenhum gestor pode estar fazendo
juízo de valor só dele. (O entendimento) É pela responsabilidade que a gente
tem com o órgão. Como gestor, devo estar atrelado à legislação. Eu tenho que
ter como parâmetro a jurisprudência oficial. Não posso trazer meus valores. Não
posso trazer meus valores pessoais.”
Como diria
um grande amigo meu chegado ao português de antanho, quedei perplexo.
Então quer
dizer que quando o promotor escolhe entre uma jurisprudência e outra, uma lei e
outra, uma doutrina e outra, não o faz a partir de alguma convicção pessoal?
Se assim o
é, como o faz?
Ao dizer o
que disse, o promotor quer que nós creiamos que não é a pessoa dele quem toma
essas decisões enquanto Presidente de uma instituição. A pessoa dele fica em
casa, um cidadão como outro qualquer, com suas convicções pessoais, enquanto quando
vestido com as insígnias do cargo está um órgão a quem é dado a condição de
encontrar a Verdade-Em-Si-Mesma contida nas normas jurídicas e nas
jurisprudências, normas jurídicas e jurisprudências essas concebidas por outros
órgãos semelhantes a ele, capazes de perceber algo que somente tais órgãos veem,
uma extraordinária manifestação de inteligência diferenciada, e que o vulgo não
consegue.
Menos a
verdade, caro promotor, desde Kant, pelo menos, que a coisa não é assim. Fuja dessa maldita armadilha platônica de acreditar que há verdades morais fora de nós. Não há
fundamento nessa retórica dicotomia entre homem x órgão. Não há como deixar o
cidadão em casa. Em qualquer decisão que o órgão, o promotor tome, o cidadão,
por menos que se queira, estará presente.
Essa
argumentação desenvolvida por aquele a quem a Constituição Federal atribuiu o
papel de defensor da Sociedade é recorrente entre os burocratas que querem se
furtar ao pesado ônus de decidir se algo é justo ou não, legítimo ou não,
quando analisam a norma jurídica e o resultado da análise incomoda porque
incomoda o cidadão que é a essência do burocrata.
Incomodado,
o burocrata se esconde por trás do discurso técnico, aparentemente neutro,
escondendo o cidadão. Trata-se de uma transferência de responsabilidade, de um
escudo retórico: não faço porque queira; faço porque assim determina a lei.
Ora, na lei,
na Constituição Federal, principalmente nos princípios, há possibilidades de
interpretação que viabilizem qualquer juízo de valor. Tais princípios são
extremamente difusos, confusos mesmo, sem consistência pragmática, aptos a
suportar qualquer veleidade comportamental humana. É o caso, por exemplo, do
Princípio da Moralidade.
Portanto é
muito frágil essa linha de raciocínio usada pelo futuro Presidente do
Ministério Público Estadual.
Quanto ao
mais, para evitar-se uma solução radical que possa prejudicar a imagem do órgão,
haja vista a natureza impositiva da lei que obriga o recebimento do
auxílio-moradia, mas pode ferir as convicções pessoais dos cidadãos que são
promotores, sugiro uma solução salomônica: os promotores obedecem à decisão da
lei, instituem o pagamento, mas doam essa diferença remuneratória iníqua às
instituições de caridade.
Assim estaria
resolvido o impasse moral e os promotores poderiam, sem hesitar, trazerem suas
convicções pessoais de casa e leva-las até o Ministério Público.
Por fim, em
homenagem a todos que lutaram contra leis iníquas, recusando-se a cumpri-las,
lembro aqui os jovens americanos que resistiram à convocação para lutar no
Vietnã, mesmo sabendo que seriam presos por tal. E lembro, também, todos os
promotores, juízes, policiais, servidores públicos, enfim, que, em algum
momento de sua vida, ousaram resistir a alguma lei iníqua.
Resista
promotor! Assuma suas convicções pessoais!
Ah! Uma última questão para quem ler esse artigo: uma lei é iníqua quando você necessita de arroubos retóricos, contorcionismos verbais, excessiva e empolada linguagem técnica para justificar sua existência.
Recomendo a
todos quanto quiserem aquilatar a iniquidade desse auxílio-moradia lerem, em http://portalnoar.com/aluisiolacerda/ o texto “ENGENHARIA JURÍDICA”, do
jornalista Aluísio Lacerda.
Um comentário:
PERFEITO!
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