Em 1979 entrei no Curso de Direito da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Vinha do Curso de Matemática Pura,
onde a mim faltara vocação. Ainda estávamos em plena ditadura militar. Críticas
ao Governo ainda eram feitas com muito receio. Não fazia muito tempo que a
repressão implicava em tortura e desaparecimento. No Planalto, Figueiredo iria
substituir Geisel e continuar a “abertura política lenta e gradual” timidamente
iniciada por seu antecessor, sob a batuta de Golbery do Couto e Silva.
O Centro Acadêmico Amaro
Cavalcanti, do Curso de Direito, cujo grito de guerra era “até que tudo cesse,
nós não cessaremos” fora extinto em anos anteriores, assim como todos os
outros, e substituídos por Diretórios Acadêmicos que representavam cada Centro
Universitário. A razão era óbvia: era muito mais fácil os órgãos de repressão
controlarem diretórios acadêmicos, em bem menor número, que centros acadêmicos,
um por cada curso existente na Universidade.
Nos corredores do curso um grupo de estudantes, dos quais eu
fazia parte, se reunia habitualmente para discutir política, principalmente a
participação no processo que se desenrolava à conta-gotas Brasil adentro, e
livros, muitos livros. Tínhamos em comum o hábito da leitura, o amor pela
discussão, o interesse pela política.
Em certo momento, logo no começo do curso, resolvemos dar um
passo além: refundarmos o Centro Acadêmico Amaro Cavalcanti, de tantas e
gloriosas tradições.
Realizamos duas notáveis Assembléias Extraordinárias para as
quais todos os alunos do curso de Direito foram convidados e compareceram em
massa. Contávamos, também, com a simpatia de alguns poucos professores do
curso, principalmente Jales Costa, de saudosa memória pelo exemplo, cultura e
empatia com seus alunos.
Ressurgiu, então, o Centro Acadêmico do Curso de Direito da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte! Seu primeiro presidente, após a
refundação foi João Hélder Dantas Cavalcanti. Tive a honra de ser o segundo,
dessa vez com disputa eleitoral.
O Centro Acadêmico viveria momentos impressionantes logo após
seu retorno às atividades: fizemos o primeiro debate, no Brasil, entre
candidatos a Governador do Estado, em pleno auditório da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte, cedido, para nosso espanto, pelo Reitor à época, professor
Diógenes da Cunha Lima, justiça seja feita. O evento foi noticiado pela grande
imprensa brasileira. Em noite memorável, Aluizio Alves e José Agripino Maia
debateram, sob a mediação do Professor Jales Costa, acerca dos destinos
políticos do Brasil e do Rio Grande do Norte naquela que seria a primeira
eleição direta para Governador do Estado após o Golpe de 64.
Aqui ressalvo a conduta do então Prefeito de Natal, por
eleição indireta, José Agripino Maia. Eu e João Helder fomos a sua residência
para convidá-lo. Sabíamos que todo seu “entourage” era contra sua ida ao
debate. Fizemos o convite, ponderando acerca de quão ruim seria para sua imagem
as fotos de sua cadeira vazia em pleno auditório lotado, e quão ruim seria para
a democracia que estava ressurgindo sua negativa em participar. Jussier Santos,
um dos seus secretários municipais, fez uso da palavra se colocando contra a
participação de José Agripino, alegando que toda a platéia presente seria, com
certeza, claque de Aluísio Alves.
José Agripino, entretanto, não hesitou e confirmou sua
presença. Ponto para nós e para a democracia.
Não paramos por alí. Dias depois colocamos para debater entre
si, sob minha mediação, os dois candidatos principais ao Senado da República
pelo Rio Grande do Norte: Roberto Furtado, pela oposição, e Carlos Alberto de
Souza, pela situação. Carlos Alberto levou uma claque disciplinada para
aplaudi-lo, liderada por Eri Varela, um seu assessor. A noite foi tumultuada,
mas tudo terminou acontecendo da melhor forma possível.
E continuando o exercício de ousadia, realizamos vários
encontros nos quais foi discutida abertamente, com a presença maciça de
estudantes e professores, a relação entre marxismo e Direito. Para um desses
debates foi convidado, especialmente, o ex-Governador Cortez Pereira, naquele
momento ainda cassado em seus direitos políticos. Não tenho certeza, mas Cortez
Pereira uma vez me disse que tinha sido a primeira manifestação pública dele
desde sua cassação.
Por fim, e não menos importante, fizemos também o primeiro
debate, no Brasil, entre os candidatos a Reitor à sucessão do Professor
Diógenes da Cunha Lima, mesmo que o pleito viesse a ser, como de fato o foi,
realizado de forma indireta. Todos concorrentes compareceram. Lá estiveram
Pedro Simões, Dalton Melo, Jales Costa, Genibaldo Barros e Lauro Bezerra.
Resgato essas lembranças graças ao impacto das manifestações
que estão ocorrendo no Brasil e que, segundo minha avaliação é muito importante
politicamente. Posso estar enganado, mas acredito que mudanças reais estão acontecendo.
Desejo ardentemente que o povo enseje as mudanças que o Brasil precisa,
principalmente no que diz respeito ao combate feroz e determinado contra a
corrupção.
E tendo resgatado essas lembranças aproveito para homenagear
meus companheiros de luta daquela época: João Hélder Dantas Cavalcanti, Evandro
Borges e Rossana Sudário, em nome dos quais abraço todos quanto estiveram
conosco naquelas gloriosas manhãs na sala F1 do Setor V, do Centro de Ciências
Sociais Aplicadas, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, gritando,
juntos, felizes, ansiosos para mudar o Brasil, “até que tudo cesse, nós não
cessaremos”.
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