Honório de Medeiros
Os
cursos de Direito das Escolas Privadas estão sendo encaminhados, lentamente,
por imposição do mercado, para se transformarem em cursinhos preparatórios à
concursos e exames da Ordem dos Advogados do Brasil, comprometendo o pouco que
restou da preocupação das elites, após a ditadura militar, com a formação
humanística.
A
pressão para que isso ocorra, vem de todos os lados, ainda difusa, e não é
contida pela presença formal, no currículo dos cursos, de disciplinas
pertencentes à área propedêutica, como Filosofia do Direito, Sociologia
Jurídica, Teoria Geral do Estado e outras.
Incide essa
pressão sobre os professores dessa área quando eles cobram os alunos, através
de avaliações e presenças, e estes questionam apontando a pouca importância
daquilo que lhes é ministrado em termos de mercado de trabalho; incide sobre os
dirigentes institucionais, a quem se pede que obtenham o relaxamento dos
educadores quanto ao desempenho dos educandos em Filosofia do Direito, por
exemplo, mas, ao mesmo tempo, que sejam exigentes quanto ao que será ensinado
pelos professores que proferirão as aulas ditas “práticas”; incide nos
estudantes, vinda de seus pais, que estão de olho nos concursos públicos que
seus filhos farão e acham que não adianta eles se preocuparem com o estudo de
algo que não tem “utilidade”; incide insidiosamente em quem paga o curso dos
seus rebentos, na medida em que são cobrados por parentes e amigos quanto ao
futuro profissional de cada um deles.
O
aparente renascer da Filosofia, que contrariaria o argumento acima exposto,
constatado em alguns jornais e revistas de circulação nacional, não explora o
aspecto “fashion” oculto na tardia opção de parcela da elite por algo tão
obscuro e de difícil compreensão. Muito mais que curiosidade filosófica o que
motiva essa elite é a necessidade de ser “in” em termos sociais, na medida em
que ela possa falar, mesmo que superficialmente – é o que se permite em
reuniões sociais - no nome de filósofos ou obras até então relegados às
bibliotecas de alguns poucos excêntricos.
É isso mesmo,
trocando em miúdos: esse renascer é aparente e decorrente da criação de mais
uma forma alienada de se destacar socialmente, extremamente curiosa por que ela
lida, concretamente, com o aparato intelectual – os livros e seus autores -
que, em tese, em sendo utilizado corretamente, libertaria o alienado de sua
alienação. Esse filme não é novo: posar de intelectual, há alguns anos, já teve
seu charme...
O
certo é que a proliferação de cursos de Direito oferecidos por instituições
privadas vem acentuando o aviltamento do ensino. As universidades querem poder
estampar nos jornais a relação dos seus alunos aprovados em concursos para
poderem captar mais clientes, e como, para eles serem aprovados, precisam
submeter-se à lógica educacional própria dos cursinhos preparatórios, onde o
superficial e contingente prepondera sobre o profundo e estrutural, está armado
o cadafalso onde serão guilhotinadas gerações presentes e futuras de possíveis
pensadores, humanistas e críticos substanciais da nossa realidade.
Tais
alunos terminam construindo um perfil básico para si que é quase um padrão:
agressivos, competitivos ao extremo, conhecedores de leis, jurisprudências e
doutrinas específicas, hábeis em citações deslocadas do contexto de onde são
arrancadas, restritos ao mundo jurídico, leitores de orelhas de livros de
divulgação doutrinária em Filosofia do Direito, assíduos frequentadores de
manuais jurídicos, todos com a profundidade de um pires com água.
Ressaltem-se,
obviamente, as exceções que nos surpreendem e são verdadeiros outsiders por conseguirem pensar para
além do viés técnico.
Aliás,
essa é a diferença entre o técnico e o pensador: enquanto aquele executa,
aplica, este planeja, pensa. Que os leitores apressados não suponham que estou
a descrever algo estanque. Claro que não. Alguém que executa e aplica pode
planeja e pensar. Entretanto, hoje, o contexto (palavra antipática), a
correlação-de-forças impõe, cada vez mais, o fortalecimento das barreiras que
estabelecem a segmentação que organiza a Sociedade capitalista selvagem na qual
vivemos.
Não
interessa ao modelo político vigente do qual o Estado é causa e consequência,
uma realidade social na qual seus cidadãos não sejam alienados, ao contrário,
possam refletir criticamente acerca do seu papel de correia-de-transmissão
entre o topo e a base fortalecendo essas estruturas injustas que são nossa
herança e virão a ser, ao que tudo indica, nosso legado.
Fatos
como aquele ocorrido com um amigo meu, professor, que em sala de aula leu
textos de Fernando Sabino, na tentativa de estabelecer com seus alunos a
cumplicidade através do belo, e no final foi indagado acerca de em qual
livraria seria encontrado “seu” livro fatalmente tende a ser um padrão, assim
como aquele outro ocorrido comigo, no qual um aluno me comunicou, findo suas
férias, que havia lido integralmente, nesse período, capa-a-capa, “O
Positivismo Jurídico”, de Norberto Bobbio, e antes que minha alegria me levasse
a usá-lo como exemplo em sala-de-aula, concluiu dizendo “mas não entendi nada”.
Que tempos, estes...
Um comentário:
Ainda que numa dimensão menos chocante, essa realidade que você descreve magistralmente, Honório, também impera nos cursos de Direito das instituições públicas. Não demorará e também teremos livros de Filosofia do Direito esquematizados, descomplicados etc...Abraço, Rafhael Levino.
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