Clóvis Rossi
Por Clóvis Rossi*
O economista Edmar Bacha, um dos integrantes da equipe que lançou o Plano Real, que conseguiu por fim controlar a inflação no Brasil, cunhou faz já bastante tempo uma expressão para designar o país: seria uma Belíndia, uma pequena Bélgica rica cercada por uma imensa Índia pobre, miserável até em determinados pontos.
A expressão caiu em desuso nos últimos anos, caracterizados por uma forte propaganda dos avanços econômicos e sociais do Brasil. De fato houve avanços a partir do controle da inflação que era uma fábrica de pobreza e desigualdade incontrolável.
Mas os resultados do Censo 2010 que acabam de ser divulgados mostram que a Belíndia continua muito viva, nos mais diferentes aspectos.
Fiquemos no que é mais chocante, a imensa desigualdade entre ricos e pobres. Os 10% mais ricos recebem 39 vezes mais do que os 10% mais pobres (R$ 5.345 x R$ 137). Detalhe cruel: esses R$ 137 são a renda média mensal dos mais pobres. Equivalem a € 57,50. Ou, posto de outra forma, os espanhois que vivem se queixando de que são “mileuristas” e, por isso, se sentem miseráveis, talvez se consolassem ao saber que, mesmo sendo baixa, sua renda é 17 vezes superior ao do brasileiro pobre.
O que significa uma coisa que a propaganda oculta: o Brasil emergente tem uma vasta massa de gente que continua submersa, tristemente submersa.
Uma outra pesquisa, esta feita pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, quantificou essa massa: há 26,2 milhões de pessoas vivendo com até R$ 134 de renda média (13% dos 190 milhões de brasileiros), aos quais se somam 80,8 milhões que o IPEA considera pobres, com renda média mensal entre R$ 134 e R$ 465.
Total dos que não emergiram: 107 milhões, mais da metade da população, a Índia brasileira.
A desigualdade se reflete em praticamente todos os aspectos da vida. Educação, por exemplo: a taxa de analfabetismo, embora em queda, continua insuportavelmente alta (9,6%) para um país que gosta de se considerar a sexta potência mundial.
Mas é obscena na faixa de pessoas de 10 anos ou mais de idade sem rendimento ou com rendimento mensal domiciliar per capita de até 1/4 do salário mínimo: chega a 17,5%, quando na “Bélgica” brasileira é de apenas 0,3% (na classe social que vive com 5 ou mais salários mínimos).
Outro exemplo: saneamento básico. No Sudeste, a região mais rica do país, 90,3% dos domicílios estão atendidos por abastecimento de água, esgoto e coleta de lixo. Na região Norte, a porcentagem cai para apenas 54,5%.
Essa “Belíndia” tropical não é mais um país de maioria branca, revelou também o Censo. Pela primeira vez, o número dos que se declaram “brancos” caiu abaixo de 50% (exatamente para 47,7%, uma queda de seis pontos percentuais em relação ao Censo 2000).
É claro que o Brasil evoluiu nesse intervalo, mas com lentidão irritante, especialmente para a minha geração que já não tem muito tempo para esperar que, enfim, a potência do futuro chegue realmente ao futuro.
*Clóvis Rossi é editorialista da Folha de S.Paulo e colunista do portal El País.com
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