Franklin Jorge
Por Franklin Jorge
Não concebo que a velhice nos traga o consolo de uma “melhor idade”, como alguns hipócritas pregam, atualmente, de olho num significativo contingente de virtuais consumidores abonados e frívolos. Melhor idade como, se nos arrastamos penosamente à procura do túmulo?
Aborrecido pela propaganda enganosa que se empenha em atrair esse segmento com promessas de satisfações que nunca se realizarão, prefiro concordar com Mishima, que foi sincero e corajoso, ao afirmar que nos tornamos piores à medida em que, pateticamente, envelhecemos.
Já Alfred de Vigny não havia observado, muito antes de Mishima, que viver envilece? E o nosso Ascendino Leite, mais recentemente, não acrescentou aos achaques da velhice – que viu como uma terrível humilhação – ridículos incondicionais, que me eximo de citar? E Goya já não os terá pintado, esses achaques, em sua Quinta del Sordo, com um realismo brutal que beira o grotesco?
Fazendo-se reconhecer à distância até pelo andar desengonçado de velho que luta contra a desobediência dos músculos, a velhice cobre o homem de opróbrios. Portanto, nada há que a velhice nos dê que não desejássemos recusar com algum alívio para a autoestima.
Além disso, como um terrível e diabólico atributo da velhice, em sua impotência o velho torna-se ressentido e egoísta, quando não invejoso dos moços, como os castrados que odeiam os gozadores.
O apego à vida – que coincide com o enfraquecimento das forças vitais do indivíduo – tem mais a ver com o instinto de conservação inerente à natureza do homem do que com a usufruição de uma enganosa “melhor idade” que só engana a quem não tem discernimento. No íntimo, a partir duma certa fase da vida, se não somos parvos, nos sentimos tocados pelo dedo da morte e, sem exagero, podemos nos considerar sobreviventes.
Ora, é justamente nessa etapa da existência que já não podemos ignorar a mesquinha e vil realidade que nos dá a consciência de que somos feitos de órgãos que começam a falhar, apesar das eventuais próteses e dos racauchutamentos proporcionados pelos recursos da ciência, só acessíveis, no entanto, a uma privilegiada minoria.
Desgatado pelos dentes do Tempo, o velho engana-se pensando que ainda tem algum futuro para dissipar em prazeres que afinal acabam em câimbras ou soluços, quando não em prosaicos distúrbios hidroeletrolíticos, que é o que “mata o velho”, segundo a sabença popular.
Doa-nos isto ou não – e a verdade, como sabemos, dói – a única coisa que melhora com a idade é o vinho. E, ainda assim, a qualquer momento, pode desandar em vinagre.
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