Ernest Becker
Por Honório de Medeiros
Em “Power:
A New Social Analysis”, Sir Bertrand Russel expõe a teoria de que os
acontecimentos sociais somente são plenamente explicáveis a partir da idéia de
Poder[1].
Não algum Poder específico, como o Econômico,
ou o Militar, ou mesmo o Político[2], mas
o Poder com “P” maiúsculo, do qual todos os tipos são decorrentes, irredutíveis
entre si, mas de igual importância para compreender a Sociedade.
A causa da
existência do Poder, diz ele, é a ânsia infinita de glória[3],
inerente a todos os seres humanos.
Se o homem não ansiasse por
glória, não buscaria o Poder. Ânsia infinita posto que o desejo humano não
conhece limites.
Essa ânsia de glória dificulta a
cooperação social, já que cada um de nós anseia por impor, aos outros, como ela
deveria ocorrer e nos torna relutantes em admitir limitações ao nosso poder
individual. Como isso não é possível, surge a instabilidade e a violência.
Essa ânsia
de glória, cuja manifestação objetiva é o exercício do Poder, pode ser
encontrada em qualquer ser humano: explicitamente nos guerreiros, santos, ou
políticos, e implicitamente nos seus seguidores: Xerxes não precisava de
alimentos, roupas, ou mulheres quando invadiu Atenas; Newton não precisava
lutar pela sobrevivência quando empreendeu escrever seus “Principia”; São
Francisco de Assis e Santo Inácio de Loyola não precisavam criar ordens
religiosas para difundir a palavra de Cristo.
Somente o amor ao Poder
explicaria realizações tão singulares.
Portanto,
para Russel, a força propulsora das transformações sociais se resume no apego do
indivíduo ao Poder glorioso, que é inerente a qualquer ser humano.
Cabe agora
indagar: o que leva o homem a ansiar por glória, e em ansiando, lutar pelo
Poder, posto que este é o instrumento, segundo se depreende da leitura de
Russel, por meio do qual nós a obtemos?
Ernest
Becker desenvolveu, a partir da leitura de Oto Rank e Soren Kiekergaard, em sua
obra premiada com o Pulitzer de 1974, a teoria de que buscamos o heroísmo para
lutarmos contra a morte. Poderíamos introduzir a noção de “heroísmo” como uma etapa a ser trilhada para
alcançarmos a “glória” sem desconstruirmos sua teoria? Creio que sim.
Diz-nos ele
em seu prefácio:
“A
perspectiva da morte (...) impõe uma concentração admirável da mente. A tese
principal deste livro é que ela faz muito mais que isso: a idéia de morte, o
temor a ela, persegue o anima humano como nenhuma outra coisa: ela é um dos
maiores incentivos da atividade humana – atividade em grande parte destinada a
evitar a fatalidade da morte, a vencê-la negando de algum modo se ela o destino
final do homem”.
Mas e qual
a causa dessa tão acirrada, desmedida, imemorial, mas não unânime luta contra a
morte? Que ela não é unânime nos dá idéia o suicídio, algo tão complexo que
levou Albert Camus a dizer certa vez ser ele a grande questão filosófica do
século XX.
E quanto ao
desaparecimento voluntário, a negação da busca pela glória, no qual cabe, tão
bem, “l’enfant terrible” francês Arthur Rimbaud, autor do célebre “Une saison en enfer”?
Complexo.
É possível que muito embora Russel tenha razão
quanto à explicabilidade dos fatos sociais a partir do Poder, assim mesmo com
“P” maiúsculo, não seria a ânsia de glória que levaria o Homem a buscá-lo, mas,
talvez, a necessidade de ampliação do espaço de possibilidade de sua
sobrevivência, e da sua espécie, uma herança hereditária, tal como nos aponta
Charles Darwin, que, em tendo razão, coloca o que o marxismo propõe como etapa
natural do processo...
[1] Poder,
segundo Bobbio, em Teoria
Geral da Política, no início do capítulo acerca de Política e
Direito, diz que Poder deve ser
entendido como a capacidade de influenciar, condicionar, determinar a conduta
de alguém.
[2] Bobbio, em Teoria Geral da
Política, abre o capítulo alusivo a Política e Direito expondo que o termo
“Política” diz respeito às ações por meio das quais se conquista, mantém e
exerce o Poder último ou soberano, tal e qual o dos governantes sobre os
governados.
[3] Em
Darwin a obtenção da“glória” é um dos
meios por intermédio dos quais o homem amplia as possibilidades de
sobrevivência dos seus gens.
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