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Honório de Medeiros
Ah!, o tédio. É insidiosa essa reclamação, idêntica, em sua onipresença, àquela fulva neblina da qual falou Elliot, em "A Canção de Amor de J. Alfred Prufrock".
"Taedium Vitae", diziam os romanos. Aliás, os mais belos textos oriundos daquela época, são os de Sêneca, Lúcio Aneu Sêneca, um estóico de carteirinha. Em "Consolação à Minha Mãe Hélvia", ou "Apocoloquintosis", são vertidos, em melancólica linguagem, conselhos para superarmos a dor da existência, à custo de desprezo.
Curiosamente esse estoicismo, defendido por Sêneca, e iniciado por Zenão, o Grego, sob distintas roupagens, floresceu mais ou menos na mesma época, em diferentes regiões da terra sem que, aparentemente, houvesse elos entre elas. Temos a Hélade, onde surgiu no Ocidente, Roma, séculos depois, a Índia, com o Budismo, e a China, com o Taoísmo. Existiria uma raiz comum?
Um pouco mais recentemente - quando o romantismo assumia contornos lúgubres - talvez chamássemos o tédio de "inquietude d'alma". Assim mesmo, com apóstrofe e tudo. Esse tédio era decorrente de uma angústia filosófica - o homem queria saber qual o sentido da vida, para onde caminharia a humanidade, etc...
Hoje, a realidade é outra. O senso prático predomina. Na aldeia global, altamente informatizada, no mundo formigueiro, esse tédio é algo a ser combatido por terapeutas, psicólogos ou coisa que os valha, imediatamente, se afetar o processo de adaptação social. Lógico. O sistema não quer pessoas questionando o sentido de tudo que o cerca. Ele os quer trabalhando, produzindo. Em outro nível, o superficial, falar-se em tédio, é quase um cumprimento, contanto que essa afirmação seja dita assim, mais ou menos, como quem diz, languidamente, estar com preguiça.
Ora, o tédio, também hoje, é para os fartos. Aqueles que não o são sequer têm direito a isso - a luta pela sobrevivência não lhes permite. Dessa forma ele é, digamos, uma conseqüência do bem-estar - entediam-se apenas os que podem.
Quem quer que ouse afirmar que esse tédio é decorrência de outra coisa que não a ausência de dinheiro no bolso e um bom lazer será visto de soslaio. Haverá, dependendo da platéia, certo interesse cauteloso, mas não passará disso. Afinal, quem se entedia em Manhattan, Paris, Rio de Janeiro? Se a ousadia for além, e enumerarmos as causas que levam os homens a se entediar, como por exemplo, o ócio, abre-se a porta para o constrangimento.
Ernst Becker escreveu um livro chamado "A Negação da Morte", que até lhe deu o prêmio Pulitzer, no qual ele analisa o impulso psicológico primordial no homem. Tal impulso seria oriundo do medo da morte. Freud não tinha razão, segundo ele, quando apostava todas suas fichas no complexo de Édipo. Mas Otto Rank, que foi um seu discípulo não tão badalado, sim. E, para ele, o homem é um grande mentiroso - todas as suas lutas são ambições de imortalidade, tenham sido elas grandes ou pequenas.
Ou seja, por exemplo, o desejo de procriar, ter filhos, nada mais é que uma aposta - perdida - contra a morte.
Becker foi mais além. Pegou o pensamento de Sorëen Kiekergaard e lhe extraiu a essência. Para Kiekergaard tudo isso que Rank disse é mais que verdade (lógico que não foram contemporâneos; este antecedeu aquele), embora visto dentro de uma perspectiva mística, ou seja, a única realidade neste mundo de ilusão seria a morte, companheira do homem desde seu nascimento e, a forma de enfrentá-la, criar um caminho para Deus.
Pois bem, no final sobrou algo assim: Becker acha que o impulso primordial psíquico do homem é originado pelo seu temor à morte; esse temor o leva a construir uma mentira vital para si - empreender uma ambiciosa história pessoal em busca da imortalidade seja qual seja ela (carreira política, etc.); mas o que conta, realmente, é a consciência do ato criador: criar é á única forma de transcender os limites da morte. Alguns têm consciência disso; outros, não.
Dentro de outro contexto, essa opção por criar é, talvez, a resposta inteligente para combater o tédio. Explica-se, assim, a razão de profissionais bem sucedidos, mas nauseados com a máquina de moer gente que é a luta pela sobrevivência, largarem tudo e começarem outra vida, mais conforme com essa ansiedade íntima de criar algo, ao invés de continuarem sendo mero instrumento dos projetos de imortalidade dos outros.
Observe-se que muitas pessoas recusam-se a pensar acerca desse assunto. Embriagam-se de trabalho, sexo, drogas, qualquer outra coisa, mecanicamente. Fogem. Pensar faz sofrer... O lema é "vamos tocando a vida, vivendo seus bons momentos, e deixando o resto para lá". E pronto. Aceitam constatar que o tempo passa e destrói os sonhos mais íntimos, mas é isso mesmo, acontece com todos.
Talvez haja certa lógica nessa postura. Afinal, como dito acima, desde há muito o homem pondera, mede e aquilata o tédio e nada. Talvez faça parte da condição humana, dizem eles e, como tal, não tem jeito.
O certo é que há muitos tédios. E só há um. Ou seja, cada qual com seu tipo de sapato, embora todos o usem. E, parece, no final das contas que ele é um instante que pode ou não durar muito. Até neste caso o tempo é relativo. Mas sendo ou não de curta duração, somente surge pela falta de algo: satisfação com a vida que se está vivendo, embora a mesma esteja sendo, digamos, confortável.
Mas, qualquer que seja o tédio, desde Hesíodo e seu "Os Trabalhos e os Dias", a receita para combatê-lo, a mais simples, é o trabalho. De preferência criativo. Isso, desde que não se siga a Bíblia ao pé da letra. Por que está lá, no Eclesiastes: "Que vantagem tem o homem, de todo o seu trabalho, que ele faz debaixo do sol?" (1,3).
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