segunda-feira, 3 de novembro de 2025

O MISTÉRIO DA AMANTE DE ANTÔNIO SILVINO, O "RIFLE DE OURO"

 


 

* Honório de Medeiros


Anderson Tavares de Lyra, cascavilhando na Biblioteca Nacional (Hemeroteca Digital Brasileira), encontrou essa preciosidade nos arquivos da histórica revista “O Malho”, e houve por bem com ela me presentear.

A fotografia de Antônio Silvino é por demais conhecida. As outras, não. Principalmente a da mulher, que imediatamente chama a atenção, em primeiro lugar por sua beleza, seu ar assustado, sua presença na reportagem; e, em segundo lugar, por provocar, o desejo de sabermos mais acerca de sua história. 

Leiam o que a reportagem da revista diz a seu respeito: 

Antônia de Arruda, amante de Antônio Silvino, tendo ao peito uma medalha com o retrato do amante. 

Nada mais. 

Na época, postei a fotografia na imensa praça virtual que é o Facebook, mais precisamente em "Cangaceirólogos" e "Cariri Cangaço", com o seguinte texto: 

Alguém sabe algo acerca dessa senhora que está na fotografia abaixo? 

Individualmente, pedi a ajuda de Kiko Monteiro, homem forte do "lampiaoaceso.blogspot.com", músico e pesquisador da cultura sertaneja nordestina, dentre outras qualidades. 

As respostas foram interessantes, muito embora o mistério continue. O próprio Kiko Monteiro, por exemplo, observou o seguinte: 

Compadre Honorio de Medeiros deste conjunto de fotos eu já tinha três, mas a legenda não informava o nome da cabocla. Outro dia consultando rapidamente o livro de Sergio Dantas nós identificamos outra paixão do cangaceiro que foi "Maria Anunciada" mas não continha foto para comparação. Agora temos e enfim o que não faltou foi mulé pra este homem. Seria nosso saudoso Alcino acometido do mesmo Gene sedutor de Silvino? Já a foto do Theopanhes avô de nosso confrade Geraldo Ferraz é inédita para mim. Obrigado pelo toque e por compartilhar no grupo. 

Instigado por mim a se manifestar acerca da beleza de Antônia, Kiko Monteiro disse: 

Sim Honorio de Medeiros a beleza dela é evidente, só não mais porque esta foto é de momento de prisão ou interrogatório e certamente a bichinha não estava nada a vontade. Envie para Sergio, para sabermos mais sobre este envolvimento. Se foi passageiro ou se durou e se de repente veio a gerar filhos etc. 

Entrou, então, no vai-e-vem, Geraldo Ferraz, neto do Alferes Teophanes Ferraz, à época Delegado de Taquaratinga, que prendeu Antônio Silvino e, imediatamente, foi promovido a Tenente.

Teophanes é um dos pilares sobre o quais se sustenta a história do cangaço. Geraldo se pronunciou: 

Parabéns, bravos vaqueiros da história. Que belo conjunto foi disponibilizado. Até este momento desconhecia as duas últimas fotos. São, simplesmente, fantásticas. Mostram o "arroucho" da chegada ao Recife, mencionado em minha obra. Vide folha 113, Volume I - "Na manhã de 2 de dezembro, aguardavam a chegada do trem, no largo da Estação Great Western, uma imensa multidão. Essas pessoas haviam chegado ao Recife, vindos de todos os pontos do interior, de trem, a cavalo, em cabriolés, carros de bois ou em lombos de burros, para ver de perto e enxergar com os próprios olhos, o desembarque do famoso bandido". 

Aproveito para recomendar a leitura de seu livro Pernambuco no Tempo do Cangaço, em dois volumes, uma obra fundamental:

 



Depois, entrou em cena o poeta, glosador e ensaísta, Laélio Ferreira.Dele transcrevo as seguintes interessantes e argutas observações:

Será essa senhora a mãe do General?

No final dos anos 20, afastando-se da magistratura potiguar e transferindo-se para Pernambuco, como Delegado-Regional de Polícia e depois Juiz da Comarca de Pesqueira, o Bacharel (de Olinda e Recife) FRANCISCO MENEZES DE MELO, meu tio, ao lado do Coronel THEOPHANES FERRAZ chefiava a tropa (volantes) que procurava impor a ordem na região do Pageú. A amizade entre os dois ficaria marcada pelo batismo de um filho do advogado potiguar, de nome ALUÍSIO MENEZES - hoje aos 84 anos, vivinho da silva. Aluísio, também Bacharel, é figura conhecidíssima nos meios desportivos do RN.

Doei, há algum tempo, toda a minha biblioteca, inclusive os livros sobre o cangaço. mas, tenho certeza de ter lido sobre um filho de Antônio Silvino GENERAL do Exército Brasileiro. Daí a minha indagação sobre ter sido o militar filho dessa senhora, Da. Antônia de Arruda.

Para alegria de nós todos, da Potiguarânia, saibam Vossas Mercês que, numa entrevista, o "Rifle de Ouro", sem citar nomes, falou muito bem, sim senhores, de uns "amigos" e "compadres" do Rio Grande do Norte - que, mesmo depois da sua prisão, não tinham se apropriado dos dinheiros e bens (gado) que lhes havia confiado "para guardar". Por outro lado, esculhambava (sempre sem nomear ninguém) as "mizades" paraibanas e pernambucanas... Arre égua!

Francisco Menezes de Melo, Bacharel de Olinda e Recife, Professor, Advogado, Juiz de Direito no RN e em PE, Delegado-Regional de Polícia naquele Estado, irmão de Othoniel Menezes, primogênito do casal João Felismino Ribeiro Dantas de Melo/Maria Clementina Menezes de Melo.

Theophanes Ferraz, amigo e companheiro do bacharel e magistrado natalense - que muitas vezes, montados ambos, à frente das volantes, fustigaram os cangaceiros - apadrinhou um dos filhos pernambucanos do Dr. Menezes, o também advogado ALUÍZIO MENEZES DE MELO, hoje com 84 anos, residente nesta Capital(Natal).

Uma das legendas do cangaço, teve fama não somente por ser um bom atirador - ganhando o apelido de "O Rifle de Ouro", inclusive, mas também por ser um grande conquistador. "O cangaceiro flechou o coração de várias mulheres, tendo filhos com cerca de 40 com quem manteve relações durante a sua vida", conta o pesquisador Frederico Pernambucano de Mello.

"Mas muitos desses filhos foram ilegítimos, pois as mulheres não revelavam a verdadeira identidade do pai de seus filhos com medo deles serem arrastados por Silvino para a vida do cangaço", revela Severino Baptista de Morais, um dos quatro filhos reconhecidos por Manuel Baptista de Morais, verdadeiro nome de Antonio Silvino. Um dos filhos ilegítimos de Silvino, citado por Assis Chateaubriand, teria sido o empresário José Ermírio de Morais.

Chatô citou José Ermírio de Morais como filho espúrio de Antonio Silvino num artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo, em 1956, intitulado "O Vira Lata da Avenida Paulista", conta Severino de Morais, que adianta: "isto poderia ser apenas uma briga entre grandes empresários não tivesse José Ermírio se utilizado desse fato para sair dizendo que era filho de cangaceiro no sertão de Pernambuco quando fez sua campanha para o senado. Porém, de pois que ganhou a eleição, José Ermírio não tocou mais no assunto". 

Laélio Ferreira enriquecia qualquer debate quando se fazia presente. De sua lavra é a obra prima:

 

 

Como se pode depreender, o mistério aumentou. 

Lá de Pombal, na Paraíba, o professor José Tavares de Araújo Neto também tentou ajudar: 

Vi referência a uma amante de Antonio Silvino , chamada Antonia F. de Arruda, em um dissertação de mestrado, intitulado “De Governador dos Sertões a Governador da Detenção”, de autoria de Rômulo José Francisco de Oliveira Júnior. Mas fala pouca coisa. Diz que ela foi presa sob a acusação de acoitar o cangaceiro.

O pesquisador Rostand Medeiros em um de seus artigos fez mençao a Antonia, inclusive ilustrou sua com esta mesma foto. A prisão de Antônio Silvio em 1914, por Rostand Medeiroshttp://tokdehistoria.wordpress.com/.../

 Até hoje, que eu saiba, não houve avanço. Estarei enganado?

É aguardar. 

P.S. de Geraldo Ferraz: 

Colocando um pouco mais de lenha na fogueira e, valendo-me do livro Antônio Silvino, o rifle de ouro, do escritor Severino Barbosa, 2ª edição (1979), descubro que, só na parte destinada a Iconografia, o escritor destaca que a senhora da foto havia sido: "O último amor de Antônio Silvino. Sua amante desconhecida, residia em Afogados da Ingazeira". 


Publicado originalmente em honoriodemedeiros.blogspot.com, no dia 15 de novembro de 2013 / honoriodemedeiros@gmail.com /  @honoriodemedeiros

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

ESTADO ALGOZ

 



* Honório de Medeiros


Enquanto passam os dias o Estado comprime e asfixia, lentamente, cada individualidade, cada singularidade, cada pessoa, ampliando os meios pelos quais existe e cresce.

O suor do nosso rosto, parte cada vez maior do nosso pão de cada dia, o resultado do nosso trabalho e esforço, por exemplo, é levado para seus cofres, e quase nada recebemos como retorno, sem que adiante reclamar.

Ouvidos moucos.

Tão certo quanto a morte, somente o pagamento dos tributos, dizia Benjamim Franklin.

Algum dia pagaremos pelo ar que respiramos. 

E cresce, como cresce, o Estado, em uma espiral ascendente sem fim.

Brotam ininterruptamente de suas entranhas legiões de policiais, auditores, fiscais, juízes, promotores, procuradores, guardas de trânsito, guardas municipais, guardas penitenciários, guardas florestais, guardas ferroviários, guardas de portos, militares, agentes administrativos, tesoureiros, assessores, assessores dos assessores, barnabés de todo tipo e modelo.

O Estado comprime, esmaga, esmerilha, prende, sufoca, ameaça, reprime, mata, manipula, tortura, asfixia, bate, vigia...

Um pesadelo!


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segunda-feira, 27 de outubro de 2025

PAU DOS FERROS

 

Fonte: Wikipedia

* Honório de Medeiros (Originalmente publicado na Revista do Instituto Histórico do Rio Grande do Norte de nº 97).


Quando os europeus chegaram no Rio Grande do Norte, lá por 1500, encontraram a grande nação tupi-guarani no litoral representada pelos Potiguares, e, no Sertão, Cariris, que significa “os tristonhos, calados, silenciosos”[1], ramo do povo Tapuia. 

Diz uma lenda recolhida por missionários, conta-nos Tarcísio Medeiros, terem os Tapuias vindos de um lago encantado do setentrião continental, tal e qual sugeriu Capistrano de Abreu, descendo a costa e fixando-se no interior depois de acossados pelos tupis. 

Os Tapuia/Cariris estiveram em evidência durante a “guerra dos bárbaros”, iniciada com a resistência à penetração da pecuária que se adensara nas ribeiras dos rios, áreas essenciais à sobrevivência dos animais, mas também à dos índios, que durou sessenta e cinco anos (1685-1750), terminando com a completa vitória do homem branco.[2] 

No Sertão nordestino, especificamente no Sertão potiguar, existiram vários ramos dos Cariris, dentre eles os Pacajus ou Paiacus, habitantes de Portalegre, Francisco Dantas, Viçosa, Riacho da Cruz e Encanto, assim como os Panatis, habitantes de Pau dos Ferros, Encanto, Dr. Severiano, São Miguel e Rafael Fernandes.[3] 

No início do século XVIII, bandeirantes paulistas, missionários, senhores de engenho de Pernambuco, Paraíba, Bahia e Rio Grande, além de oficiais de alta patente que combateram os indígenas, passaram a disputar as terras do Sertão norte-rio-grandense.

Denise Matos Monteiro[4] nos relata uma dessas disputas entre grandes senhores de terras e escravos de Pernambuco e Bahia e colonos potiguares: 

Dentre os sesmeiros de outras capitanias interessados nas terras do Rio Grande, estava, por exemplo, Antônio da Rocha Pita, da Bahia, que através de quarenta dos seus vaqueiros tentou expulsar da ribeira do Assú colonos que lá procuravam estabelecer fazendas de gado. Objetivando atender às reclamações desses colonos, o rei de Portugal mandou demarcar e medir as terras desses sesmeiros em 1701. Anos mais tarde, em 1733, seus descendentes receberam uma larga faixa de terra que se estendia, dessa vez, entre os atuais municípios de Pau dos Ferros e São Miguel, na ribeira do Apodi.[5] 

É certo que a primeira sesmaria que se tem conhecimento, alusiva à região, foi requerida por Manoel Negrão em 1717, e dizia respeito ao lugar denominado “Podi dos Encantos”, presumindo-se que se trate da Data da Conceição.[6] Negrão declarava ser morador da ribeira do Apodi e ter descoberto o terreno em companhia de Domingos Borges de Abreu. 

Entretanto, foi somente em 1733 que a Data da Sesmaria de Pau dos Ferros foi concedida a Luiz da Rocha Pita Deusdará, Francisco da Rocha Pita, Simão da Fonseca Pita, Dona Maria Joana Pita, todos filhos e herdeiros do Coronel Antônio da Rocha Pita.

Como lembra Câmara Cascudo, os “Rocha Pita” eram baianos e foram grandes latifundiários no Rio Grande do Norte. 

Manoel Jácome de Lima observou: 

Diz Ferreira Nobre que em 1733 Francisco Marçal fundou uma fazenda de gado no local em que se achava a vila. Em 1738, afirma o Monsenhor Francisco Severiano no seu livro "A Diocese na Paraíba", foi iniciada a construção de uma capela que em 1756 foi elevada à categoria de matriz com a criação da freguesia, a 19 de dezembro daquele ano.

Começava Pau dos Ferros. 

A paróquia de Pau dos Ferros é a mais antiga da zona Oeste do Estado e, na época, abrangia quase todo o território da atual Diocese de Mossoró. 

O nome da cidade surgiu quando do início do seu povoamento. José Edmilson de Holanda[7] assevera ter o nome da Fazenda de Francisco Marçal, fundada próxima a uma pequena lagoa, onde existia uma frondosa oiticica, repassado ao povoado: 

O nome inicial da fazenda passou ao povoado, pois desde a sua fundação era conhecida por Pau dos Ferros, em face dos vaqueiros gravarem, à ponta da faca, no tronco de frondosa oiticica existente à margem da lagoa, os ferros das reses tresmalhadas que por lá apareciam, com a finalidade de identificar o proprietário e a origem das mesmas. A oiticica servia de pouso para os comboieiros, boiadeiros e vaqueiros das fazendas que por lá passavam. 

Em 1761 o município de Portalegre foi criado englobando o povoado de Pau dos Ferros mas, já no fim do século XVIII, a povoação era maior que sua sede e a cidade de Apodi. 

Em julho de 1841 os pau-ferrenses fizeram uma representação à Assembleia Provincial, assinada por 492 pessoas de todas as classes sociais, pedindo a criação do município. 

A Comissão de Estatística e Justiça, em parecer assinado por João Valentim Dantas Pinagé e Elias Antônio Cavalcanti de Albuquerque, foi favorável ao pleito, mas na sessão do dia 4 de novembro de 1841 o requerimento não foi aprovado. 

Em 1847 o deputado provincial João Inácio de Loiola Barros apresentou um projeto transferindo a sede da Vila de Portalegre para a povoação de Pau dos Ferros, pedido também rejeitado. 

Seis anos depois, em 12 de abril de 1853, os deputados Luiz Gonzaga de Brito Guerra, futuro Barão de Assú, e Elias Antônio Cavalcanti de Albuquerque (novamente), apresentaram um projeto para elevar a povoação de Pau dos Ferros ao status de Vila, com a denominação de Vila Cristina, tampouco lograram êxito. 

Finalmente, em 23 de agosto de 1856, projeto apresentado pelo Deputado Benvenuto Vicente Fialho, criando o município de Pau dos Ferros, foi aprovado, e em 4 de setembro de 1856 o Presidente da Província, Dr. Antônio Bernardo Passos, sancionou a Lei nº 344, elevando à categoria de Vila o povoado de Pau dos Ferros, determinando os limites do novo município. 

Hoje, Pau dos Ferros, com 259,959 km², limita-se, ao Norte, com São Francisco do Oeste e Francisco Dantas, ao Sul, com Rafael Fernandes e Marcelino Vieira, ao Leste, com Serrinha dos Pintos, Antônio Martins e Francisco Dantas e, ao Oeste, com Encanto e Ereré (CE).

É uma cidade com mais de 30.000 habitantes fixos, segundo dados do IBGE/2017, muito embora nela circulem, em decorrência de sua posição de Polo Regional, cerca de cinquenta mil pessoas por dia. 

Cidade pujante, centro comercial e administrativo da região, centraliza a prestação dos serviços estaduais e federais, e sedia a Escola de Enfermagem Catarina de Siena, a Faculdade do Oeste do Rio Grande do Norte, a Faculdade Evolução do Alto Oeste Potiguar, o Instituto Federal do Rio Grande do Norte, a Universidade Anhanguera Educacional, a Universidade do Estado do Rio Grande do Norte e a Universidade Federal Rural do Semi-Árido. 

Ressalte-se, do ponto de vista cultural, a importância de sua Feira Intermunicipal de Educação, Cultura, Turismo e Negócios do Alto Oeste Potiguar (FINECAP), realizada anualmente e congregando toda a região. 

Não por outra razão, a cidade também é conhecida como “Capital do Alto Oeste” e “Princesinha do Oeste”, embora muitos a chamem de “Terra dos Vaqueiros”, ou, ainda, “Terra da Imaculada Conceição”, em homenagem a sua santa padroeira. 

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[1] MEDEIROS, Tarcísio; “Proto-História do Rio Grande do Norte”; Rio de Janeiro: Presença Edições; Fundação José Augusto; 1985.

[2] LOPES, Fátima Martins: “Índios, Colonos e Missionários na Colonização da Capitania do Rio Grande do Norte"; Mossoró: Fundação Vingt-un Rosado e Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte; 2003. 

[3] MEDEIROS FILHO, Olavo; “Índios do Açu e Seridó”; Natal: Sebo Vermelho; 2011. 

[4] MONTEIRO, Denise Mattos; “Introdução à História do Rio Grande do Norte”; Natal: Flor do Sal; 4ª edição; 2015. 

[5] Pág. 59.

[6] LIMA, Manoel Jácome de; in “Revista Comemorativa do Bicentenário da Paróquia e Centenário do Município de Pau dos Ferros (1756-1856-1956)"; Natal: Sebo Vermelho; Edição Fac-similar; 2015. 

[7] HOLANDA, José Edmilson de; “Pau dos Ferros: Crônicas, Fatos e Pessoas”; Natal: Gráfica Vital; 2011.

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quarta-feira, 22 de outubro de 2025

GUERRA ENTRE CORONÉIS: A ELEIÇÃO DE 1934-1935 NO RIO GRANDE DO NORTE

 


Mário Câmara, Interventor Federal no Rio Grande do Norte de 2 de agosto de 1933 a 27 de outubro de 1935


* Honório de Medeiros


Em uma avaliação muito pessoal, penso que a década de 20, no Rio Grande do Norte, acabou quando o Partido Popular elegeu o Governador do Estado após a vitoriosa campanha de 1934 -1935 e a aristocracia rural cedeu, assim, o Poder à burguesia mercantil/industrial que se instalava em terras potiguares.

Esse novo Brasil que surgia após a Revolução de 30 – hoje tão esquecida – e se consolidou na Era Vargas, mas cujo ideário “tenentista” pode ser rastreado até o Golpe de 1964, no Rio Grande do Norte encontrou, quando da redemocratização depois aviltada por Getúlio, uma estranha situação política configurada de forma radical no embate político partidário de 34/35: de um lado, liderado por Mário Câmara, união entre cafeístas, que poderiam ser posicionados à esquerda do espectro político, e coronéis do interior do Estado, proprietários de terras e criadores de gado, acostumados ao mando mais absoluto em seus redutos eleitorais; e, do outro, a burguesia mercantil e industrial cuja base maior, surgida a partir do cultivo e beneficiamento de algodão e exploração do sal, era o Oeste e Alto Oeste do Rio Grande do Norte, com epicentro em Mossoró e liderada pela família Fernandes, e o Seridó, grande plantador e fornecedor do denominado “ouro branco”, liderado pelo ex-governador José Augusto Bezerra de Medeiros.

Não por outra razão, concluído o pleito, foi eleito Governador do Estado, pela Assembleia Legislativa, Rafael Fernandes, líder político no Oeste e Alto Oeste, em detrimento de José Augusto.

É deprimente constatar a pouca literatura acerca desse período por demais importante da história do Rio Grande do Norte. Excetuando um ou outro opúsculo, desaparecido das vistas dos pesquisadores e somente encontrados, depois de muita luta, em sebos que como é sabido, primam pela desorganização e falta de higiene, três livros, apenas, bastante antagônicos entre si, jogam alguma luz sobre o período aludido: “A HISTÓRIA DE UMA CAMPANHA”, de Edgar Barbosa; “VERTENTES”, autobiografia de João Maria Furtado; e “DO SINDICATO AO CATETE, autobiografia de Café Filho.

O primeiro, visceralmente ligado aos líderes do Partido Popular; o segundo, cafeísta histórico.

Aqui não cabe uma incursão na história dos anos vinte e trinta do Rio Grande do Norte. Não é essa a intenção. O que se pretende, é mostrar o contexto político de exacerbada violência vivida no Estado naquela época, na qual o coronelismo como conhecido, cuja erradicação era uma promessa de campanha da Revolução de 30, vivia seus últimos esgares.

Essa violência, não esqueçamos, na campanha política de 34-35, foi posterior à invasão de Mossoró por Lampião, fato ocorrido em 1927, mas com a qual guarda estranhas ligações.

Para se ter uma ideia, o livro de Edgar Barbosa começa com uma página na qual se lê seu oferecimento e indica fielmente o que há de vir pela frente:

À MEMÓRIA IMPERECÍVEL DOS SACRIFICADOS NA CAMPANHA DE CIVISMO E REDENÇÃO DO RIO GRANDE DO NORTE; A FRANCISCO PINTO, OTÁVIO LAMARTINE, MIGUEL BORGES, JOSÉ DE AQUINO, FRANCISCO BIANOR, MANOEL DOS SANTOS, LUÍS SOARES DE MACEDO E ADALBERTO RIBEIRO DE MELO; às vítimas da covardia dos cangaceiros, aos seviciados pela barbaria policial, a todos os que sofreram humilhações e injúrias, aos perseguidos, aos ameaçados, aos coagidos no seu trabalho e nos seus lares, aos que morreram com fome e sede de liberdade. Homenagem do Partido Popular.

Dentre os mencionados na homenagem chama a atenção o nome do Coronel Francisco Pinto, parente, compadre e correligionário político do Coronel Rodolpho Fernandes, a aquela altura já assassinado, e que escapara da morte – ainda hoje não se sabe como – quando da invasão de Apodi em 1927 pelo bando de Massilon([1]), assim como o de Otávio Lamartine, ninguém mais, ninguém menos que filho do ex-Governador, deposto pela Revolução de 30, Juvenal Lamartine.

Não se vai entrar nos meandros dos dois assassinatos. Entretanto é inegável que suas mortes somente aconteceram em decorrência da campanha política de 34-35.

Mesmo aqueles que se posicionaram em lados opostos ao abordar a questão se negariam a contradizer tal afirmação.

Outro fato que demonstra a exacerbada violência daqueles tempos é pungentemente narrada por Amâncio Leite em carta dirigida a Sandoval Wanderley, diretor de “O Jornal”, em Natal, aos 20 de janeiro de 1937, publicada em forma de opúsculo, depois, pela “Coleção Mossoroense”[2].

Nessa carta famosa, à época, Amâncio Leite, eleito deputado estadual pela situação([3]) na campanha de 34-35, protesta por sua prisão e a de seu colega Benedito Saldanha, acusados de “extremismo” e “comunistas”, acusação essa acatada pela Assembleia Legislativa do Estado em sessão do dia 10 de setembro de 1936 na qual todos os deputados do Partido Popular votaram a favor, tão logo chegaram ao Poder, em um claro revide aos seus adversários.

O coronel latifundiário Benedito Saldanha acusado de “comunista”. Ironia do destino...

A presença da violência, portanto, era algo comum na política daqueles anos. O homicídio em decorrência de disputas pelo Poder, também o era. Como negar esse fato se um pouco mais atrás, em 26 de julho de 1930, o assassinato de João Pessoa por João Dantas deflagara a Revolução de 30?

Muito embora João Dantas tenha morto João Pessoa em decorrência do aviltamento que sofrera com a publicação em jornal oficial de sua correspondência íntima com Anaíde Beiriz, é fato que isso somente ocorrera porque ambos eram fidagais inimigos políticos.

E da presença da violência ocasionada por disputas políticas não estava livre, naqueles anos 20, o Rio Grande do Norte.

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[1] Consta que as mesmas lideranças políticas que estavam por trás da invasão de Apodi em 1927 também o estavam em 1934, quando do assassinato do Coronel Chico Pinto.
[2] Série B, nº 768.
[3]Aliança Social, liderada por Mário Câmara.

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sexta-feira, 17 de outubro de 2025

O PODER E A RAZÃO ASTUTA

 



Jean Jacques Rousseau


* Honório de Medeiros



Um dos mitos fundantes da nossa concepção de Estado é a do contrato social. 

Por seu intermédio, cedemos nossa liberdade absoluta ao Estado para que sejamos impedidos de nos destruirmos uns aos outros.

Tal noção, até onde sabemos, foi pela primeira vez exposta por Licofronte, discípulo de Górgias de Leontini, como podemos ler na Política, de Aristóteles (cap. III):

De outro modo, a sociedade-Estado torna-se mera aliança, diferindo apenas na localização, e na extensão, da aliança no sentido habitual; e sob tais condições a Lei se torna um simples contrato ou, como Licofronte, o Sofista, colocou, "uma garantia mútua de direitos", incapaz de tornar os cidadãos virtuosos e justos, algo que o Estado deve fazer.

Muito embora um estudioso "outsider" do legado grego, tal qual I. F. Stone, defenda que a primeira aparição da "Teoria do Contrato Social" está na conversa imaginária de Sócrates com as "Leis de Atenas" relatada no “Críton”, de Platão, há quase um consenso acadêmico quanto à hipótese "Licofronte" estar correta.

É o que se depreende da leitura de “Os Sofistas”, de W. K. C. Guthrie, ou da caudalosa obra de Ernest Barker.

"Bellum omnium contra omnes", guerra de todos contra todos até a auto-aniquilação no Estado de Natureza, é o que ocorreria se imperasse a liberdade absoluta, diz-nos Hobbes no final do Século XVI, início do Século XVII - recuperando a noção de contrato social - e não houver a criação de um artefato – o Estado –, assegurando-se, assim, a sobrevivência dos homens quando estiverem em contato uns com os outros, pois haverá a submissão da vontade de todos à vontade de um só ou de um grupo, e esta, ou estes, atuará em tudo quanto for necessário para a manutenção da paz comum.

Entretanto é com Jean Jacques Rousseau, após John Locke, que se firmou o mito fundante do contrato social, bem como a ideia de Estado conforme a concebemos ainda hoje, influenciando diretamente a Revolução Americana e a Francesa. 

Em O Contrato Social, Rousseau põe na vontade dos homens, da qual surge o Estado, a origem absoluta de toda a lei e todo o direito, fonte de toda a justiça.

O corpo político, assim formado, tem um interesse e uma vontade comuns, a vontade geral de homens livres.

Quanto a esse corpo político, José López Hernández em Historia de La Filosofía Del Derecho Clásica y Moderna, observa que Rousseau atribui o poder legislativo ao povo, já que este, existente enquanto tal por intermédio do contrato social detém a soberania e, portanto, todo o poder do Estado.

As leis, inclusive a do "Contrato Social", que emanam do povo, assim as vê Rousseau: são atos da vontade geral, exclusivamente”; “é unicamente à lei que todos os homens devem a justiça e a liberdade”; “todos, inclusive o Estado, estão sujeitos a elas.

O ideário acima exposto, no qual a lei a todos submete por que decorrente da vontade geral do povo – esta, frise-se mais uma vez, surgida graças ao "Contrato Social" e detentora da soberania - pode ser encontrado em obras muito recentes, como o Curso de Direito Constitucional, primeira edição de 2007, do Ministro do Supremo Tribunal Federal do Brasil Gilmar Ferreira Mendes e outros.

Às páginas 37, lê-se:

Por isso, quando hoje em dia se fala em Estado de Direito, o que se está a indicar, com essa expressão, não é qualquer Estado ou qualquer ordem jurídica em que se viva sob o primado do Direito, entendido este como um sistema de normas democraticamente estabelecidas e que atendam, pelo menos, as seguintes exigências fundamentais: a) império da lei, lei como expressão da vontade geral; (...)

Assim como é encontrado, expressamente, enquanto cláusula pétrea, imodificável, na Constituição da República Federativa do Brasil, parágrafo único do seu artigo 1º:

Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Há algo de estranho, portanto, na doutrina do “ativismo judicial” que viceja célere nos tribunais do Brasil, principalmente no Supremo Tribunal Federal.

Entenda-se, aqui, como “ativismo judicial”, o “suposto” papel constituinte do Supremo Tribunal Federal em sua função de reelaborar e reinterpretar continuamente a Constituição, conforme pregação sutil do Ministro Celso de Mello em entrevista ao Estado de São Paulo, e a atividade judicante de meramente preencher uma “possível” lacuna legal ou mudar o sentido de uma norma infraconstitucional já existente por meio de uma sentença, baseando-se em princípios difusos e indeterminados da Constituição Federal, estratégia empregada na Itália, Alemanha e pelo próprio STF.

Não é por razões ideológicas ou pressão popular. É porque a Constituição exige. Nós estamos traduzindo, até tardiamente, o espírito da Carta de 88, que deu à corte poderes mais amplos, diz o Ministro Gilmar Mendes.

Pergunta-se: teria o judiciário legitimidade, levando-se em consideração a doutrina exposta acima, para avançar na seara do legislativo, passando por cima da soberania do povo em produzir leis através de seus representantes, seja preenchendo lacunas (criando leis), seja alterando o sentido de normas jurídicas, seja modificando, via sentença, a legislação infraconstitucional?

 Ainda: teria amparo legal o STF para tanto?

Em que se basearia, qual seria o fulcro dessa atividade de invasão da competência do legislativo ao se criar normas jurídicas através de sentenças, ou modificar o sentido de outras por meio de interpretações?

Seria, como deixa transparecer o presidente do STF em suas entrevistas, por que a Constituição Federal tem um “espírito” e somente os integrantes daquela Casa, em última instância, conseguem enxergá-lo em sua essência última?

Que espírito é esse? O mesmo ao qual se refere São Paulo: a letra mata, o espírito vivifica?

Autoritário, tal argumento.

Sob o véu de fumaça que é a noção de que haja um “espírito constitucional” a ser apreendido (interpretado segundo técnicas hermenêuticas somente acessíveis a iniciados – os guardiões do verdadeiro e definitivo saber) está o retorno do mito platônico das formas e ideias cuja contemplação seria privilégio dos Reis-Filósofos.

É a astúcia da razão a serviço do Poder.

Platão, esse gênio atemporal, legou aos espertos, com sua gnosiologia a serviço de uma estratégia de Poder, a eterna possibilidade de enganar os incautos lhes dizendo, das mais variadas e sofisticadas formas, ao longo da história, que somente “alguns”, os que estão no comando, podem encontrar e dizer “o espírito” da Lei, o certo e o errado, o bom e o mal, o justo e o injusto.

O mesmo estratagema a Igreja de Santo Agostinho, esse platônico empedernido, por séculos usou para administrar seu Poder: unicamente a ela cabia ligar a terra ao céu, e o céu à terra, porque unicamente seus príncipes sabiam e podiam interpretar corretamente o pensamento de Deus gravado na Bíblia.

E, assim, como no Brasil a última palavra acerca da “correta” interpretação de uma norma jurídica é do STF, e somente este pode “contemplar” e “dizer” o verdadeiro “espírito das leis”, nos moldes dos profetas bíblicos e em sua essência última, mesmo que circunstancial, estamos nós agora submetidos ao autoritarismo dos ativistas judiciais lá encastelados.
 

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quarta-feira, 15 de outubro de 2025

TUDO É IGUAL DE MANEIRA DIFERENTE

 

A Pedra da Boca

* Honório de Medeiros         


No centro do redondel, o domador controla o cavalo sem qualquer arreio. É somente ele e o animal. Nada mais. Ao redor, quedamos fascinados, derreados por sobre a cerca, emoldurados pelas pedras gigantescas que margeiam, um pouco ao longe, aquele pequeno vale, sob um sol já esmaecido de final-de-tarde.

Sertão.

A mão esquerda controla a nobre cabeça do animal. A direita, terminando no dedo indicador esticado, os quartos, o "motor". Os olhos do domador captam qualquer nuance na postura do animal. E vice-versa. Há uma perfeita integração entre eles. Faz-se silêncio no crepúsculo. Ouvem-se as cigarras. Os passos do cavalo e seus bufidos. Algum estalar de língua. Pássaros que passam fendendo o ar deixando seu registro sonoro.

Como se mandasse ondas de energia invisível, a cada ação do domador corresponde uma reação imediata do cavalo. Naquele momento ambos são somente um.

Lembrei-me, então, de um antigo filme em preto-e-branco no qual um idoso "sensei" de alguma dessas artes marciais esotéricas era atacado por todos os lados por alunos, a seu convite. Não havia contato físico entre eles. Antes da chegada, a cada gesto do mestre, os alunos desmoronavam, esbarravam em um muro invisível, ficavam imobilizados. Seria aquilo possível? Eu duvidava, sempre duvidei. Mas ali, naquele instante, o domador não demonstrava um controle suave e eficaz, sobre o cavalo, que eu somente imaginava possível à base de arreios e gritos?

"Uma questão de sinergia", disse-me ele, depois, quando já era noite. "A noção de unidade, a qual você alude, é a essência de todos os movimentos; não há necessidade de violência; um movimento levemente brusco, de minha parte, é perfeitamente assimilado por ele, contanto que estejamos conectados."

Percebo, mas não compreendo. É complexo. Penso que talvez não seja possível exprimir essa dinâmica com palavras. Algo para além da razão.

Encerrada a demonstração, a noite cai. Jantamos no alpendre da casa principal. Conversamos. É acesa uma fogueira. Longas toras rústicas cercam as chamas, em forma de círculo. São os assentos sobre os quais nos acomodamos. Na abertura do círculo, a uma pequena distância, uma tela é postada e, antes dela, um projetor. O domador, agora, é o fotógrafo famoso. Sua obra, pequena e consistente, densa, até mesmo brutal, minimalista, internacionalmente reconhecida, será apresentada sob a forma de ensaios fotográficos.

As sequências começam. Primeiro, um ensaio acerca de um lixão, onde o fotógrafo viveu durante três meses para extrair aquela essência que desfila ante nossos olhos; depois, um recorte impressionante do dia-a-dia de uma família sertaneja paupérrima cujo epicentro é uma formidável e expressiva criança tetraplégica; finalmente, em um voo de natureza essencialmente subjetivista, imagens de pedras, aquelas mesmas onipresentes naquele espaço-tempo ancestral no qual estão postadas suas raízes, sugerindo percepções metafísicas.

As imagens, sempre em preto-e-branco, colhidas por uma antiga máquina de origem russa, revelam um primor técnico inalcançável sem uma entrega absoluta. As imagens, às vezes, estão levemente desfocadas. Há, nelas, uma suave e proposital distorção, que as tornam quase góticas, induzindo uma ultrapassagem do real.

O Claro/escuro, a distorção dos contornos, a fusão dos nuances, a expressividade diluída de cada fotografado, ressaltada, por exemplo, nos seus olhares, os escassos objetos presentes em cada contexto, tudo propõe uma leitura pensada, exponencialmente repensada.

Não é possível um olhar descomprometido de apreciador de paisagens...

O que há de comum entre o domador e o fotógrafo? Difícil dizer. Lembro-lhe, no final, Musashi, o samurai japonês, o maior dentre eles, autor de "Go Rin No Sho", o livro de tantas e tantas leituras diferentes: a estratégia, o kenjutsu, a póetica, a pintura...

Seus leitores avançados dizem da unidade de tudo quanto há. Musashi aludiu a essa unidade quando nos convidou a perceber que a estratégia para combater um só é a mesma estratégia para combater dez mil.

Entretanto, essa é apenas uma das faces de seu singular pensamento. Há a estratégia para a estratégia. Há a compreensão que a realidade ilusória que nos cerca e envolve é fogo, ar, terra, água e nada. O nada...

Antes mesmo que o domador/fotógrafo soubesse de Myiamoto Musashi, ele me dissera: "tudo é igual, de maneira diferente..."

Então nos dispersamos. Dias singulares, aqueles. Cada um de nós percebeu de forma muito diferente a sessão de ensaios. Há quem interprete as imagens a partir da arte Naïf. Como assim, me pergunto. A ingenuidade retratista Naïf? Estranhos, nós somos. Conseguiríamos encontrar uma unidade nessas "maneiras diferentes" de perceber as imagens? Ou a unidade é constituída dessas maneiras diferentes de percebê-las?

Fomo-nos. O sereno chegara e pedia uma rede macia e um bom cobertor. Amanhã seria um outro dia diferente e igual a todos os outros que o antecederam.

É hora de ouvir estrelas, o vento, o sussurro das árvores, o canto da suindara ou, quem sabe, da mãe da lua...

Fulô da Pedra, final de fevereiro de 2014.


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Texto extraído de "De Uma Longa e Áspera Caminhada", do autor, Editora Viseu, 2022.

segunda-feira, 13 de outubro de 2025

OS FERNANDES DE QUEIRÓZ DO OESTE E ALTO OESTE DO RIO GRANDE DO NORTE

 


Maria Gomes, esposa de Matias Fernandes Ribeiro


* Honório de Medeiros


I MATHIAS FERNANDES RIBEIRO, A RAIZ.

 

                   É certo que Mathias Fernandes Ribeiro, nascido pela década de 50 do século XVIII, era filho de um casal pernambucano de Goiana, Pernambuco, Francisco da Costa Passos e Violante Martins de Lacerda.

Podemos ler, em Memorial de Família, o seguinte:

Quem consultar o Livro de Registro de Batizados da Paróquia de Missão Velha, Estado do Ceará, que abrange o período de 1748-1764 encontrará, nas folhas 3v. a referência seguinte: "Francisco da Costa Passos, de Goiana, marido de Violante Martins, de idêntica procedência".[1]

 Depois residentes na antiga freguesia de São João Batista da Vila de Princesa, hoje cidade de Açu-RN, Francisco da Costa Passos e Violante Martins de Lacerda deixaram ali numerosa descendência. A sua importância, para este artigo, advém do fato de terem sido os pais de Anna Martins de Lacerda e Mathias Fernandes Ribeiro, cernes da árvore genealógica aqui exposta.[2]

Anna Martins de Lacerda casou-se com o "marinheiro" (nome que, à época, se atribuía aos portugueses) José Pinto de Queiróz, da Serrinha, localizada nas cercanias de Martins-RN, hoje município de Serrinha dos Pintos.

No Cartório do Registro Civil de Portalegre-RN, encontra-se o inventário, datado de 1781, assinado pela viúva do patriarca da Serrinha, falecido em 25 de novembro de 1780, bem como o de Anna Martins de Lacerda, cujo óbito ocorreu 1805.




                   Também é certo que Mathias Fernandes Ribeiro foi casado com Maria Gomes de Oliveira, de quem ficou viúvo com onze (11) filhos: 1. João Silvestre de Oliveira; 2. Antônio Fernandes Ribeiro (casado com uma filha de Domingos Jorge de Queiróz e Sá); 3. José Martins de Oliveira; 4. Francisco Xavier da Silveira; 5. Mathias Gomes Brasil; 6. Cypriano Gomes da Silveira; 7. Maria José do Sacramento (casada com o Coronel Agostinho Pinto de Queiróz); 8. Catharina Gomes (casada com Bento José de Bessa); 9. Ana Martins de Lacerda (casada com o Capitão Mor Alexandre Moreira Pinto); 10. Clara Gomes da Silveira (casada com o Tenente José Lopes de Queiróz), todos legítimos, além de 11. Joana Gomes da Silveira (casada com João Francisco Sampaio), filha natural com Maria da Conceição.[4]

 


Maria Gomes de Oliveira Martins casou-se com Mathias Fernandes Ribeiro

                   O casamento originou os Fernandes de Queiróz; Fernandes de Oliveira; Fernandes Ribeiro; Fernandes Moreira; Fernandes Bessa; Fernandes Lopes; radicados em Pau dos Ferros; Martins; Mossoró; Natal; Ceará; Paraíba e alguns estados do Sul.

Entrelaçaram-se com os Moreira Pinto; Moreira da Silveira e Gomes da Silveira, radicados em Tenente Ananias, Sousa, Cajazeiras, Uiraúna, São João do Rio do Peixe e Ceará; os Claudino Fernandes e Correia de Queiroga, radicados em Luiz Gomes, Tenente Ananias, Cajazeiras, João Pessoa (Paraíba) e Terezina (Piauí); os Vieira da Silva, Vieira Coelho e Fernandes Vieira, radicados em Tenente Ananias, Uiraúna e Sousa (ambas na Paraíba); os Fernandes Maia, Fernandes Rosado Maia, e assim por diante.[6]

                   Mathias Fernandes Ribeiro foi um dos homens mais ricos do seu tempo. Seu inventário foi concluído em 1830, ano do seu falecimento, e relacionou como sendo de sua propriedade, além de escravos, ouro, gado e prataria, as propriedades “Cruz D’Alma”, “Curral Velho”, “Saco”, “Santiago”, “Saco Grande”, “Passarinho”, “Passagem de Onça”, “Gurjão”, “Arapuá”, “Coito” e “Estrela”, dentre outras.

                   Elencou setenta e dois devedores, que lhe deviam um total de quase R$ 27.000.000,00 (vinte e sete milhões de reais) todos relacionados em seu inventário, registrando um total de sessenta e um conto de réis como monte-mor, ou seja, aproximadamente R$ 61.000.000,00 (sessenta e um milhões de reais) em valores de hoje.

Uma fortuna imensa, mesmo para os padrões atuais.[7]

Registre-se que o inventário esteve desaparecido misteriosamente.

Calazans Fernandes comentou que a última vez em que foi visto, estava nas mãos do Major Antônio Fernandes da Silveira Queiróz, o “Major do Exu”, um dos senhores da Serrinha dos Pintos, no ano de sua morte, em 1865.[8] O “Major” era filho de Domingos Jorge de Queiróz e Sá e neto de José Pinto de Queiróz e Anna Martins de Lacerda.

                   Em Genealogia e Fatos do Sertão do Norte de Baixo, Luiz Fernando Pereira de Melo nos dá conta da descoberta do inventário há tanto tempo desaparecido:

                   (...) realizei nova busca na Cidade de Martins, e fui aquinhoado com a descoberta do inventário que se supunha desaparecido, encontrando em seus autos, elucidando todas as controvérsias, um testamento ditado pelo próprio Mathias...[9]

Em nota ao texto, Melo acrescenta que teve acesso ao inventário de Mathias Fernandes Ribeiro “com a ajuda valiosa do pesquisador martinense Júnior Marcelino”.



[1] FERNANDES, João Bosco. Memorial de Família. Terezina: HALLEY/AS-Gráfica e Editora. 1994. MACEDO, Joaryvar. Povoamento e Povoadores do Cariri Cearense. Fortaleza: Secretaria de Cultura e Desporto. 1985. MELO, Luiz Fernando Pereira de. Barra Bonita: Ler e Saber Gráfica e Editora. 2021.

[2] FERNANDES, João Bosco. O.a.c.

[3] Idem.

[4] MELO, Luiz Fernando Pereira de. O.a.c.

[5] FERNANDES, Calazans. O Guerreiro do Yaco. Natal: Fundação José Augusto. 2002.

[6] FERNANDES, João Bosco. O.a.c.

[7] MELO, Luiz Fernando Pereira de. O.a.c. 

[8] Morte do “Major do Exu”. FERNANDES, Calazans. O.a.c.

[9] MELO, Luiz Fernando Pereira de.


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