François Silvestre
Honório de Medeiros
Frederico de Deus Perdoe está incorporado, definitivamente, ao acervo que obras literárias marcantes constroem lentamente, ao sabor do tempo, dos lugares, e das circunstâncias, no imaginário das pessoas, por que é ele um observador engajado de si, dos outros, e das coisas, que vão ressurgindo – seja no viés alegre que a primeira leitura dos seus relatos exponha; seja no viés melancólico que surge quando mergulhamos em uma releitura – via articulados engastes frasísticos, esteticamente surpreendentes, expressos em sínteses vestidas de paradoxos estilísticos.
Não somente por isso; não somente pela forma. É ele, Frederico, o fio condutor enquanto narrador de uma estória na qual a humanidade se apresenta por inteiro em seus detalhes, pois em cada um deles está o todo: não importa quando, não importa como, não importa por que, se eu descrevo minha aldeia, ou minha saga, descrevo a terra inteira. Se eu disser um homem, digo toda a humanidade.
Frederico vive episódios que a crônica oral ou escrita do homem comum condenaria ao esquecimento. Entretanto não ocorre assim quando ele os conta. Se a morte de Dr. Antônio, vítima de ciúme atroz, se torna único pela forma como é contada, levando-nos à sofreguidão pela busca do desfecho; se não é diferente quanto à história da traição da qual é vítima o narrador quando, pela primeira vez surge, em seu bolso, muito dinheiro; se ocorre o mesmo na metamorfose de Nogueira, há muito mais além do relato que uma primeira leitura apresenta.
Basta que aprofundemos nossa leitura, por exemplo, nas memórias da tia do narrador. Quanta identidade entre a solidão à qual foi condenada a tia de Frederico pela época, lugar onde viveu, e a de tantos outros. Seria essa solidão algo desconhecido dos homens ao longo de suas histórias? Não. Ao contrário. A solidão de sua tia é a solidão de cada um de nós, fruto do destino comum. Somos todos, cada um e o todo, órfãos de um sentir que a razão não explica, mas o coração sente e o corpo padece. Abandonados à própria sorte, nossa vida não é saga, é fado, por mais que lutemos. Assim, a bela narração de Frederico cativa e magoa, aproxima e transtorna, alegra e entristece por que, em uma justa medida, expressa a dimensão da tragédia de um sentimento individual originado de uma herança comum. Através de Frederico somos mesquinhos e altruístas, santos e demônios, céu mirífico e lama infinda.
É preciso ler “No Remanso da Piracema”, a estória de Frederico de Deus Perdoe, seja para o deleite do sentir, seja para o deleite da razão. Mas é preciso ler.
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