domingo, 8 de maio de 2011

UMA SOLIDÃO CERCADA DE AMIGOS


Honório de Medeiros

                   Ariclê suicidou-se, tempos atrás. Mas quem foi Ariclê? Uma atriz global. Suave, delicada, simpática. E solitária. Antes de morrer estava fazendo o papel de mãe de JK, no seriado homônimo. Terminou sua participação e saltou do décimo andar do prédio onde morava, mergulhando para a morte.

                   Não é somente por ter sido atriz que chamou a atenção a morte de Ariclê. Nada disso. O que chamou também a atenção é que todos quantos foram a seu sepultamento eram seus amigos, muito embora ela fosse uma pessoa solitária. Morava sozinha, e segundo o relato do porteiro do prédio – ah, os porteiros de prédios, testemunhas silenciosas e onipresentes das nossas vidas – quase não recebia visitas.

                   Todos os amigos cobriram Ariclê de elogios. Não podia ser diferente. É da nossa tradição elogiar os mortos. E todos realçavam os laços de amizade existentes entre eles e até contavam, aqui e ali, algum fato vivido juntos. Nada diferente de velórios em outros mundos afora. Mas não freqüentavam o seu apartamento, esses amigos. Não invadiam sua cozinha, bisbilhotavam sua biblioteca, usavam seu toalete, deitavam em seu sofá. Ali estava um ambiente íntimo cheio de ausências.

                   Ariclê era uma pessoa solitária... Quase posso imaginar sua solidão tão comum em cidade grande. Conhece ela muitas pessoas, é conhecida e respeitada por muitas outras, trata-as por amigo, ou amiga, recebe o mesmo tratamento, mas com certeza não telefona para qualquer um deles para convidá-los a partilhar uma taça de vinho e um pouco de dor nas madrugadas melancólicas. Não é possível fazer isso porque o incômodo causado é muito grande. Transtorna-se a vida das pessoas. Atrapalham-se suas rotinas. E elas têm lá seus problemas, não estão dispostas a emprestarem seus ouvidos para ouvirem o que não conseguem resolver em si mesmas.

                   Antigamente as pessoas colocavam as cadeiras nas calçadas e contavam estórias, relatavam histórias, riam, faziam rir, e se solidarizavam umas com as outras. Mas isso faz muito tempo. Hoje não é mais possível, há a violência urbana, a televisão manieta, as portas e janelas estão todas fechadas. Enclausurando-nos estamos nos fechando para o mundo e para os outros. Nossa convivência passa a ser virtual. Podemos até almoçar juntos com um grande amigo, vez ou outra, mas quando a noite chega, no cotidiano, é cada um por si e Deus por todos.

                   Não por outra razão estamos cada vez mais sozinhos. Embora até mesmo estejamos acompanhados. Porque não nos dispomos a ser solidários. A estabelecermos pontes sólidas em direção ao outro. Pontes construídas com o cimento do sacrifício, da empatia, da história comum. Não por outra razão, quem sabe, Ariclê morreu. Para quem ela ligaria, no final de uma noite qualquer, de um dia qualquer, para dizer “venha, estou triste, preciso de você?”    

Um comentário:

CARIRI CANGAÇO disse...

Querido Honório, dói no fundo do coração tão drástica constatação. Que possamos ter forças para pelo menos, e apartir de nossos pequenos mundos, irmos fortalecendo essas maravilhosas pontes...

Receba meu abraço de apreço e carinho para toda Bárbara família,

Severo