Père Lachaise. Tarde de frio, vento, e neblina. Tudo cinza, como convém a um cemitério. Ninguém a vista, exceto duas mulheres que se dirigem a mim e me perguntam se lhes posso informar onde está sepultado Azzis, “Le philosophe Azzis”. Peço-lhes que perguntem em inglês. “Não, desculpem-me, não sei”, respondo-lhes. Elas se vão. Cochicham. Admiro-lhes o talhe elegante, a beleza madura, até mesmo os guarda-chuvas.
E agora? Tento decifrar o mapa do cemitério para pôr-me em marcha batida na busca dos meus mortos queridos. Começo. É um alumbramento. Paro aqui, paro ali, paro acolá. Em cada canto, a história. Túmulos de grandes homens ou mulheres disputam espaço com anônimos. Enterneço-me com a lápide pousada no chão e rodeada de flores murchas. Foi recente o sepultamento. No canto, solitário, um ursinho de pelúcia cumpre a dura tarefa de velar o morto e render-lhe as homenagens que alguém lhe destinou. Fotografo.
Sigo em frente. Ofereço as flores que carrego comigo a Honoré de Balzac. Rezo, não, converso com ele. Pergunto-lhe por Alexandre Dumas e lhe digo de minhas manhãs, tardes e noites, quando ainda menino, quase adolescente, preenchidas pelo gênio de cada um. Vou mais além, rendo minhas homenagens a Oscar Wilde, e enquanto vou, me assusto com alguém que surge de repente, como uma aparição, ao meu lado, e cruzando o braço esquerdo sobre o peito, eleva o direito à face, esconde-a com a mão e põe-se em um isolamento absoluto em relação ao resto do mundo. O que estaria ele pensando?
A tarde cai lentamente. Anoitece. Tenho que ir, embora não deseje. O instante é mágico. Olho para todos os lados e não vejo ninguém. Sento em um banco às margens de uma das vias principais do Pére Lachaise e me lanço em uma divagação sem nexo, constituída de fragmentos do passado, na qual estou em plena madrugada, deitado de costas e olhando alternadamente para a torre da igreja por trás de mim e para as estrelas logo acima, enquanto meus amigos conversam ao meu lado, e estou em Paris, olhando aquele céu cor de chumbo, molhado, sem que ninguém dê por mim. Lá, eu sou adolescente. Aqui, adulto. Em ambas as situações uma angústia metafísica por não conseguir entender tudo que me cerca, tudo que me envolve, tudo que eu sou.
Vou embora. Cumprimento a guarda. Chego à rua. A Paris movimentada vem ao meu encontro. Eu sigo mecanicamente, enquanto tento guardar as cores, os cheiros, as sensações, os fatos daquela minha caminhada.
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