sábado, 9 de abril de 2016

ENQUANTO ESPERO...

* Honório de Medeiros


Minha amada gosta das cidades grandes, do bulício das ruas elegantes nas manhãs de sol pálido que não lhe agridam a pele muito branca, quando, então, se dedica às compras “virtuais” e compõe mentalmente, enquanto deambula, várias toilettes com as peças à mostra; gosta da rotina dos cafés ao entardecer que são promessas de noite e despedidas do dia, e das noites suavemente embaladas por uma discreta taça de vinho, à qual seguem, como um coroamento de um dia feliz, um dessert, e um sono tranqüilo, embalado pela confortante presença próxima e imaginária do seu ateliê, onde se dedica à requintada arte do scrap, no qual obras de arte feitas à mão disputam espaço com as marcas sutis de sua presença diária.

Já lhe ponderei, diversas vezes, acerca das maravilhosas manhãs na Serra, quando a neblina propõe, aos transeuntes, um véu opaco com o qual os envolve enquanto o silêncio, companheiro de possíveis caminhadas, somente é perturbado pelo ir-e-vir dos pássaros e o balançar dos ramos e galhos das árvores tangidas pelo vento matinal, e, também, acerca das tardes pungentes tão típicas e plenas de uma profusão de cores cambiantes que esmaecem lentamente anunciando a noite; depois, o imenso céu estrelado, límpido, misterioso, inigualável, do Sertão...

Eu lhe prometi um espaço somente seu, amplo, no qual cada laivo de sua imaginação criadora tenha a condição de se transformar em realidade, separado do chalé com o qual sonho por um caminho margeado pelas flores que ela tanto gosta e pelas árvores das quais sou tão próximo, onde poderia receber as pessoas que a procurassem lhes oferecendo um café feito na hora a ser servido nas delicadas e herdadas xícaras de motivos florais finamente estampados, acompanhado de biscoitos da terra, de gosto suave, que facilmente se dissolvem na boca, ou, quem sabe, nos frios dias de julho, de uma taça de chocolate quente enquanto a conversa fluísse animada.

Receio não lhe ter convencido, posto que o prosaico da vida sempre interfere nos sonhos de cada um: é a rotina do trabalho, a rotina dos filhos, a rotina dos compromissos que exigem nossa presença diária e nos impõem atividades que não gostamos, deveres que nos assoberbam, atenções que nos impedem de nos entregarmos plenamente à vida que passa tão rápida enquanto desperdiçamos nosso tempo a ranger os dentes de raiva pelo trânsito que não flui, a nos eriçarmos para o combate com nossos estressados semelhantes, a nos debater com a melancolia que nos assoma no final-do-dia pelo muito que é perdido quando constatamos que nada mais somos que apenas outra peça da engrenagem.

Quantos de nós, envelhecidos, eu observo enquanto me desloco no tempo e espaço: são tão poucos os que sorriem! Será que neles há o fastio do acúmulo das horas inúteis, a consciência do tempo perdido com coisas vãs? Será que esse balanço de final-de-vida, quase sempre negativo, é que lhes colocou nos rostos esse olhar vazio, tão distante? Será que essa entrega derradeira, o abandono da condição de controle do próprio destino, é que constitui o caldo de suas amarguras?

Como saber? Enquanto penso dou razão à minha amada e me conformo, mas não perco a esperança. Enquanto espero, e os dias rolam na minha vida como as contas de um terço rolam nas mãos daqueles que rezam, escapo para o último andar do prédio onde moro, prédio entre prédios, subo a escada que conduz ao topo, e lá, derramo meu olhar descontente por sobre a cidade febril e gulosamente sinto, sobre mim, o infinito do céu no qual os limites terrenos existentes são o vôo dos pássaros e de um ou outro avião.

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