Para Bárbara Lima de Medeiros
Minha filha tem 15 anos. Faz o primeiro ano do
antigo segundo grau. Daqui a dois anos tentará a Universidade. Ela entra na
Escola onde estuda às 07h15min e sai as 13h00min, exceto na sexta-feira, quando
entra no mesmo horário e sai às 20h00min. Após chegar em casa, tomar banho, e almoçar,
e senta em seu birô e estuda até as 18h00min. Para por 1 hora, janta e repousa um
pouco, retoma os estudos as 19h00min e continua até as 21h00min, quando vai
dormir.
Essa rotina prossegue no sábado, até as 18h00min.
Ou seja, livre, livre mesmo, para seu próprio interesse, ela somente dispõe do
sábado à noite e do domingo. Somente.
No horário que lhe foi preparado a título de
subsídio pela Escola na qual estuda, seu dia terminaria às 22h00min. Achei
demais e cortei 1 hora. Assim ela pode, durante essa hora que lhe foi
presenteada, escutar música, dançar, trocar mensagens com os amigos, assistir
seus seriados de televisão, fazer, enfim, o que bem entende.
Sua rotina dura, já, sete meses. Virão ainda, no
mínimo, mais dois meses pela frente, este ano. Em seguida, outro ano virá tão
duro ou mais que o anterior, e, por fim, o terceiro e último de sua vida
escolar, que promete ser ainda pior que os dois anteriores, pois antecedem sua
entrada na vida universitária.
Ressalto que essa rotina de estudos foi escolha do
casal, com aprovação de nossa filha, e a instituição escolhida é considerada
uma das melhores, senão a melhor da cidade, com resultados excelentes no que
diz respeito à aprovação de seus alunos para as diversas universidades do País.
Sei que sob a perspectiva de muitos ela é uma
privilegiada, pois vive em um País onde muitos sequer têm condições de estudar.
Claro que a luta para que todos tenham condições de estudar também é a minha
luta, mas essa é outra questão, a ser analisada sob outros parâmetros. O que se
questiona aqui é o modelo educacional do Estado brasileiro.
Confesso: eu não suportaria.
Fiz as contas, dia desses: tendo, como tem o dia,
vinte e quatro horas, minha filha de quinze anos trabalha, diariamente, exceto
aos domingos, doze horas por dia. Durante esses três anos mencionados, do atual
ao último do secundário, dos seus 15 aos 18, uma das mais belas fases da vida,
minha filha trabalhará, diariamente, doze horas por dia. Doze horas por dia! Quanto
ao domingo, nele o cansaço e o pouco tempo disponível depois do longo e
necessário sono impedem qualquer programação que venha a lhe interessar.
E minha filha não estuda aos domingos porque eu
não permito.
Agora eu pergunto: o que estão fazendo com o
ensino dos nossos filhos?
Mas isso não é o pior. O pior é que as disciplinas
que lhes são impostas não respeitam suas características pessoais, suas
individualidades, seus gostos e aptidões. Minha filha, por exemplo, adora
História, Literatura, Sociologia, Ciência Política, Cinema, Música, Arte, e
assim por diante. Detesta Física, Química, Biologia e Matemática. Mas isso não
importa, não incomoda ao sistema, que encurrala todos em uma vala comum,
forçando-lhes a dissipar tempo e energia com o estudo de disciplinas que não
lhes interessam, tampouco vai lhes importar em seu futuro, e se algum dia elas vierem
a ser necessárias, nada impede que nessa ocasião cada um deles a estude na
medida de seu interesse.
Sei e falo de cátedra que não importa nem vai lhes
importar. Fui aluno, sou professor universitário e de pós-graduação, mestre em
Direito, e ao longo de toda a minha vida nunca precisei da Química, Física,
Matemática e Biologia que estudei desde meu curso ginasial até a Universidade.
Compreendam que o mesmo se há de dizer de alunos
que profundamente interessados em matemática, por exemplo, não entendem porque
precisam mergulhar profundamente na literatura, português, sociologia, arte, e assim
por diante. Ressalto: mergulhar profundamente.
Fruto de um modelo ultrapassado, calcado
exclusivamente no repasse de informação – por mais que se diga o contrário -,
nivelador – por baixo – e podador do que há de mais belo no ser humano, qual
seja sua individualidade, suas características específicas, sua condição de ser
único e, ao mesmo tempo, semelhante aos outros, o massacrante, equivocado e
alienado ensino brasileiro age, em relação aos seus jovens, como as ditaduras
em relação ao povo: sorvem-no e o expelem empacotado e rotulado, dizem-lhe até
onde deve ir e o que pode falar, e, por fim, tentam, até mesmo, controlar-lhe o
pensamento, as idéias, e os sonhos...
Óbvio que existe uma lógica inerente a esse
sistema. Tal lógica guarda um espaço limitado para os que a ele não se amoldam.
É da lógica do sistema esse espaço limitado, como é da lógica da física a
existência de uma válvula de escape para os gases dentro da panela de pressão.
Mas esse espaço não pode ser expandido. O sistema, tal qual ele é, não permite
que seu status quo seja ameaçado pela
expansão do pensamento criador, da liberdade, da independência dos seus
elementos estruturais. Na independência, há liberdade, na liberdade, há
criação, na criação há mudança estrutural, e quando há esse tipo de mudança
ruem as estruturas carcomidas, as idéias anacrônicas, os valores questionáveis.
Tenho consciência de que uma andorinha só não faz
verão. Por isso busco outras andorinhas que possam existir por aí afora. Quem
sabe haja outras, que se incomodem, que questionem, que critiquem. Mesmo que
não as encontre, eu busco, e pelo menos o registro de minha inquietude há de
ficar.
Observo, por fim, que essas observações dizem
respeito, também, ao dia-a-dia dos nossos filhos que são universitários. No
curso de Direito, especificamente, tendo em vista a obsessão nacional pelo
concurso público, talvez seja onde estamos patinhando com mais persistência na
mediocridade.
E, por fim, no que diz respeito a minha filha, travo
uma luta solitária, infelizmente dentro do sistema, procurando as brechas, os
espaços ocultos, as fissuras, para lhe proporcionar a vida que sua inteligência
e sensibilidade escolherem, e não aquela que tentam lhe impor.
Mas tem sido muito difícil.
2 comentários:
Honório, há muito tempo luto por um espaço, mínimo que seja, para meu filho dentro do sistema vigente. Ao contrário da sua filha, o meu não se rende, não estuda longas horas por dia, se vinga e segue firmemente rumo às escolhas que fez.
É atleta. Inteligente. Crítico. Comunicativo. Enfim, detém inúmeras competências riquíssimas que nós, adultos, perseguimos em nós mesmos e naqueles que formamos ou contratamos (sou executiva de RH). Mas todas elas são insistentemente ignoradas pela escola. Por qualquer escola. Já tentei várias. Um coordenador aqui, um professor acolá, se destacam em meio à multidão uma vez ou outra. Mas não com ímpeto suficiente para fazerem qualquer diferença significativa na vida do meu filho frente ao sistema educacional vigente. Ele simplesmente não tem espaço.
Eu vou seguindo. Apóio suas escolhas. Junto com meu marido sustento sua paixão pelo esporte e dou a ele as condições possíveis para que persiga em seu ideal, mesmo sem qualquer apoio da sociedade educacional.
Se alcançara sucesso acadêmico, não sei. Se será feliz? Com certeza!
Abraço!
Bárbara, minha filha, eu também detestava matemática, física, química...Muito mais por ignorância do que por dificuldade. Hoje, depois de me meter em Direito, Filosofia, História e outras merdas dessas, eu me pergunto se mão seria melhor eu ter me associado a Einstein ou Galileu...mas move-se...abraço do tio François. Com meus protestos sobre esse seu ditatorial horário.
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