Thomas Stearns Eliot (1888-1965)
Prêmio Nobel de literatura em 1948
S'io credesse che mia risposta fosse
A persona che mai tornasse al mondo,
Questa fiamma staria senza piu scosse.
Ma perciocche giammai di questo fondo
Non torno vivo alcun, s'i'odo il vero,
Senza tema d'infamia ti rispondo.
A persona che mai tornasse al mondo,
Questa fiamma staria senza piu scosse.
Ma perciocche giammai di questo fondo
Non torno vivo alcun, s'i'odo il vero,
Senza tema d'infamia ti rispondo.
Dante Alighieri. Ladivina Commédia
Inferno, XXVII, 61-66 (N. do T.)
Inferno, XXVII, 61-66 (N. do T.)
Sigamos então, tu e eu,
Enquanto o poente
no céu se estende
Como um paciente
anestesiado sobre a mesa;
Sigamos por certas
ruas quase ermas,
Através dos
sussurrantes refúgios
De noites
indormidas em hotéis baratos,
Ao lado de
botequins onde a serragem
Às conchas das
ostras se entrelaça:
Ruas que se
alongam como um tedioso argumento
Cujo insidioso
intento
É atrair-te a uma
angustiante questão . . .
Oh, não perguntes:
"Qual?"
Sigamos a cumprir
nossa visita.
No saguão as mulheres vêm e vão
A falar de Miguel
Ângelo.
A fulva neblina que roça na vidraça suas espáduas,
A fumaça amarela
que na vidraça seu focinho esfrega
E cuja língua
resvala nas esquinas do crepúsculo,
Pousou sobre as
poças aninhadas na sarjeta,
Deixou cair sobre
seu dorso a fuligem das chaminés,
Deslizou furtiva
no terraço, um repentino salto alçou,
E ao perceber que
era uma tenra noite de outubro,
Enrodilhou-se ao
redor da casa e adormeceu.
E na verdade tempo haverá
Para que ao longo
das ruas flua a parda fumaça,
Roçando suas
espáduas na vidraça;
Tempo haverá,
tempo haverá
Para moldar um rosto
com que enfrentar
Os rostos que
encontrares;
Tempo para matar e
criar,
E tempo para todos
os trabalhos e os dias em que mãos
Sobre teu prato
erguem, mas depois deixam cair uma questão;
Tempo para ti e
tempo para mim,
E tempo ainda para
uma centena de indecisões,
E uma centena de
visões e revisões,
Antes do chá com
torradas.
No saguão as mulheres vêm e vão
A falar de Miguel
Ângelo.
E na verdade tempo
haverá
Para dar rédeas à
imaginação. "Ousarei" E . . "Ousarei?"
Tempo para voltar
e descer os degraus,
Com uma calva
entreaberta em meus cabelos
(Dirão eles:
"Como andam ralos seus cabelos!")
- Meu fraque, meu
colarinho a empinar-me com firmeza o
queixo,
Minha soberba e
modesta gravata, mas que um singelo alfinete
apruma
(Dirão eles:
"Mas como estão finos seus braços e pernas! ")
- Ousarei
Perturbar o
universo?
Em um minuto
apenas há tempo
Para decisões e
revisões que um minuto revoga.
Pois já conheci a todos, a todos conheci
- Sei dos crepúsculos, das manhãs, das tardes,
Medi minha vida em
colherinhas de café;
Percebo vozes que
fenecem com uma agonia de outono
Sob a música de um
quarto longínquo.
Como então me
atreveria?
E já conheci os olhos, a todos conheci
- Os olhos que te fixam na fórmula de uma frase;
Mas se a fórmulas
me confino, gingando sobre um alfinete,
Ou se alfinetado
me sinto a colear rente à parede,
Como então
começaria eu a cuspir
Todo o bagaço de
meus dias e caminhos?
E como iria
atrever-me?
E já conheci também os braços, a todos conheci
- Alvos e desnudos braços ou de braceletes anelados
(Mas à luz de uma
lâmpada, lânguidos se quedam
Com sua leve
penugem castanha!)
Será o perfume de
um vestido
Que me faz divagar
tanto?
Braços que sobre a
mesa repousam, ou num xale se enredam.
E ainda assim me
atreveria?
E como o
iniciaria?
.......
Diria eu que muito caminhei sob a penumbra das vielas
E vi a fumaça a
desprender-se dos cachimbos
De homens
solitários em mangas de camisa, à janela
debruçados?
Eu teria sido um par de espedaçadas garras
A esgueirar-me
pelo fundo de silentes mares.
.......
E a tarde e o crepúsculo tão .docemente adormecem!
Por longos dedos
acariciados,
Entorpecidos . . .
exangues . . . ou a fingir-se de enfermos,
Lá no fundo
estirados, aqui, ao nosso lado.
Após o chá, os
biscoitos, os sorvetes,
Teria eu forças
para enervar o instante e induzi-lo à sua crise?
Embora já tenha
chorado e jejuado, chorado e rezado,
Embora já tenha
visto minha cabeça (a calva mais cavada)
servida numa
travessa,
Não sou profeta -
mas isso pouco importa;
Percebi quando
titubeou minha grandeza,
E vi o eterno
Lacaio a reprimir o riso, tendo nas mãos meu
sobretudo.
Enfim, tive medo.
E valeria a pena, afinal,
Após as chávenas,
a geléia, o chá,
Entre porcelanas e
algumas palavras que disseste,
Teria valido a
pena
Cortar o assunto
com um sorriso,
Comprimir todo o
universo numa bola
E arremessá-la ao
vértice de uma suprema indagação,
Dizer: "Sou
Lázaro, venho de entre os mortos,
Retorno para tudo
vos contar, tudo vos contarei."
- Se alguém, ao colocar sob a cabeça um travesseiro,
Dissesse:
"Não é absolutamente isso o que quis dizer
Não é nada disso,
em absoluto."
E valeria a pena, afinal,
Teria valido a
pena,
Após os poentes,
as ruas e os quintais polvilhados de rocio,
Após as novelas,
as chávenas de chá, após
O arrastar das
saias no assoalho
- Tudo isso, e
tanto mais ainda? -
Impossível
exprimir exatamente o que penso!
Mas se uma
lanterna mágica projetasse
Na tela os nervos
em retalhos . . .
Teria valido a
pena,
Se alguém, ao
colocar um travesseiro ou ao tirar seu xale às
pressas,
E ao voltar em
direção à janela, dissesse:
"Não é
absolutamente isso,
Não é isso o que
quis dizer, em absoluto."
Não! Não sou o Príncipe Hamlet, nem pretendi sê-lo.
Sou um lorde
assistente, o que tudo fará
Por ver surgir
algum progresso, iniciar uma ou duas cenas,
Aconselhar o
príncipe; enfim, um instrumento de fácil
manuseio,
Respeitoso,
contente de ser útil,
Político, prudente
e meticuloso;
Cheio de máximas e
aforismos, mas algo obtuso;
As vezes, de fato,
quase ridículo
Quase o Idiota, às
vezes.
Envelheci . . . envelheci . . .
Andarei com os
fundilhos das calças amarrotados.
Repartirei ao meio meus cabelos? Ousarei comer um
pêssego?
Vestirei brancas
calças de flanela, e pelas praias andarei.
Ouvi cantar as
sereias, umas para as outras.
Não creio que um dia elas cantem para mim.
Vi-as cavalgando rumo ao largo,
A pentear as
brancas crinas das ondas que refluem
Quando o vento um
claro-escuro abre nas águas.
Tardamos nas câmaras do mar
Junto às ondinas
com sua grinalda de algas rubras e castanhas
Até sermos
acordados por vozes humanas. E nos afogarmos.
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Belíssima tradução de Ivan Junqueira
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