domingo, 15 de janeiro de 2012

CAMUS ENTRE NÓS


Camus


Transcrito do NOVO JORNAL [Natal, 14 de Janeiro de 2012]

Por Franklin Jorge



Recorda-se Jorge Antonio de um tempo norteado por Albert Camus, cujo inconformismo e paixão pela Justiça contribuíam para o esclarecimento dessa sensação de incompletude e mal-estar moral que nos oprimia e fazia-nos pensar sobre o potencial ético da arte e sua relação com a política.

Torturado pelo desgosto de existir, Camus é acometido pelo pernicioso hábito do pensamento reflexivo que compreende e sintetiza que viver não tem cura. Viver é fazer mal aos outros e a si mesmo, através dos outros, assim resumindo e tornando compreensível a todos a essência mesma do existencialismo – “o inferno são os outros”.

Até então não conhecera, entre os mestres do desespero, nenhum outro pensador mais apto do que ele para excitar a nossa inquietação de adolescentes diante da vida que se nos afigurava desmesurada e sem sentido.

Seu prestígio só rivalizava então com o de Hermann Hesse, ambos lidos em todo o mundo por centenas de milhares de jovens rebelados contra a guerra. Sempre atroz, em todas as culturas.

Muitos de nós, porém, ignorávamos ou sabíamos vagamente que o escritor franco-argelino, agraciado com o prestigioso Prêmio Nobel de Literatura, escrevera em seu diário de viagem à América do Sul e nele registrava com acuidade e argutamente, de maneira crua, suas impressões do Brasil, que visitou em 1949 – ainda sob os efeitos dissolventes da síndrome de A Peste, romance sombrio e alegórico que se lia em toda a parte, entre os rebeldes apregoadores da paz. – Lemos, Jorge Antonio e eu, com sofreguidão e desconforto os escritos de Albert Camus.

No dia 15 de julho, após resistir por duas vezes ao desejo de suicidar-se em alto mar, Camus anota em seu Diário Viagem que ao amanhecer viu à distância as luzes do Rio de Janeiro, cidade espremida entre o mar, a baía e as montanhas, vivendo sob a égide algo folk “de um grande e lamentável Cristo luminoso”.

Aqui, impressionado com a insolência do luxo mesclado à miséria, seu coração treme diante de tanta admirável desumanidade.

Camus vê o Brasil como uma terra sem homens. Um país submergido numa realidade intolerável para alguém incapaz de conceber um mundo absolutamente desprovido de amor.
Andando por intermináveis subúrbios num ônibus sacolejante, Camus logo percebe em meio ao caos que os motoristas brasileiros não respeitam a vida; ele os descreve como loucos alegres ou loucos frios sádicos, o que – sessenta anos depois – mantém a atualidade, apesar de todas as leis restritivas criadas desde então.

Camus pensava no suicídio como o único problema filosófico pertinente. E, olhando à sua volta, tem premonições sombrias e inquietantes. Observa, Camus, as tribos e intui, – ao pensar sobre essas multidões que não param de crescer -, que, num dia não muito remoto, asfixiarão a terra. Levam-no, ainda, a um terreiro de macumba em distante subúrbio carioca.

Ao visitar a Bahia, como parte dessa viagem ou peregrinação cultural pelo inferno tropicaliente, Salvador, em seu traçado urbanístico, parece a Albert Camus uma casbah fervilhante.

Recife, sua próxima parada, pareceu-lhe uma terra vermelha devorada pelo calor. Positivamente Camus gosta do Recife e o descreve como uma espécie de “Florença dos trópicos”.

De volta ao Rio, antes de partir para São Paulo, sua esperança é que nasça no Brasil uma nova cultura e que a América do Sul – apesar da perda da fé do desencanto característicos dos tempos modernos – talvez ajudem a temperar a besteira mecânica que domina e corrói o mundo.

Nenhum comentário: