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segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

FÉ, FOCO E DISCIPLINA?

Honório de Medeiros


Os livros de autoajuda, rico filão explorado à exaustão por alguns espertos em cima da ingenuidade de muitos, ensina que fé, foco e disciplina é a chave para o sucesso.
 
Fé, ou seja, crer que depende de nós chegar lá, naquele lugar almejado; foco: ficarmos circunscritos ao objetivo, à meta a ser alcançada, evitando decididamente qualquer distração que nos faça perder o rumo; disciplina, por fim, significando aquela entrega de corpo e alma, em termos de esforço, de dedicação, de renúncia, fundamentalmente necessários para se alcançar o sucesso em qualquer empreitada.
 
Nada mais, nada menos.
 
No entanto, segundo as mais recentes pesquisas em neuropsiquiatria, realizadas obsessivamente por cientistas ao redor do mundo, aliadas ao conhecimento adquirido em áreas tão diversas quanto matemática, teoria da seleção natural e estatística, demonstram que tudo isso é, em uma medida para lá de razoável, pura balela.
 
O que existe, mesmo, é o acaso, aquilo que o senso comum chama de "sorte".
 
É o que se lê no livro "O Andar do Bêbado", de Leonard Mlodinow, recomendado por ninguém menos que o maior físico pós Einstein, Stephen Hawking, acerca do fenômeno da aleatoriedade.
 
O autor ensina teoria da aleatoriedade no famosíssimo Instituto de Tecnologia da Califórnia, o Caltech, celeiro de cientistas premiados com o Nobel, e é autor de obras com consagrados físicos mundiais, tais como Stephen Hawking ("Uma Nova História do Tempo") e Richard Feynman ("A Janela de Euclides" e "O Arco-Íris de Feynman").
 
Em "O Andar do Bêbado", Mlodinow demonstra, por a+b, que ao contrário do que se supõe, a grande maioria dos eventos são fruto de uma combinação de fatores em grande parte aleatórios. Os exemplos por ele elencados, minuciosos e contundentes. A análise, verossímil. As conclusões, pertinentes.
 
No final das contas, após a leitura do livro, que em certos largos trechos demanda um conhecimento mais profundo de matemática probabilística que poderão ser deixados de lado sem que se comprometa o entendimento do tema, o "coup de grace" é o seguinte: em qualquer empreendimento nosso, consciente ou inconsciente, não temos como saber, mesmo após todo os esforços, seja de planejamento, seja de realização, qual será o resultado; com certeza somente temos como saber que se não empreendermos, não conseguiremos.
 
Tudo isso em decorrência do fenômeno da aleatoriedade.
 
Ou seja, o esforço desprendido ao longo dos anos pela grande maioria para chegar lá somente valerá a pena para muitos poucos, e graças a fatores que independem de suas vontades.

É por essa razão que o autor conclui: "(...) a habilidade não garante conquistas, e as conquistas não são proporcionais a habilidade".

E remata: "Nas palavras de Thomas Watson, o pioneiro da IBM: 'se você quer ser bem sucedido, duplique sua taxa de fracassos'."

A questão é a seguinte; vale a pena tamanho sacrifício?
 
Talvez seja por isso que no Livro do Eclesiastes O-Que-Sabe advertiu, logo no prólogo: "Que proveito tira o homem de todos os trabalhos com que se afadiga sob o sol?"

 

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

O CANGACEIRO MASSILON E A REPÚBLICA DO PATAMAR DE SÃO VICENTE

Jânio Rêgo

Centralizando a figura do cangaceiro potiguar que foi parceiro de Lampião no ataque que foi rechaçado da torre da igreja, Honório de Medeiros remonta a engrenagem do coronelismo e do Poder político no Nordeste rural e repagina e estimula a revisão crítica da história da invasão do Rei do Cangaço a Mossoró em 1927. (...) um novo conceito para o cangaço, dentro de uma perspectiva científica que identifique o geral no particular e afaste, de vez, o estudo do cangaço do mero "contar casos".

O Cangaceiro Massilon e a República do Patamar de São Vicente

Acho que compreendo a dificuldade de Carlos Santos em escrever no seu blog sobre "Massilon - Nas veredas do cangaço e outros temas afins", o livro de Honório de Medeiros sobre o cangaceiro que foi um dos protagonistas mais importantes do ataque de Lampião a Mossoró em junho de 1927, mesmo ele tendo acompanhado o autor no primeiro lançamento do livro, no sertão do Cariri, durante um seminário sobre o tema Cangaço.

Não é fácil escrever sobre aquilo que acicata nossa memória e nos remete à infância, à turma do Patamar, ao que ele próprio, Santos, tratou de nomear como a "República Independente do Patamar da Igreja de São Vicente" da qual somos remanescentes, como o autor Honório de Medeiros que diz assim, na introdução do livro:

"Nasci e cresci à sombra da Igreja de São Vicente, a igreja da "bunda redonda", brinquei, assisti missa, novena de Santo Antônio, sem perder o contato com as marcas que o combate contra Lampião deixou em suas paredes e na sua torre".

Centralizando a figura do cangaceiro potiguar que foi parceiro de Lampião no ataque que foi rechaçado da torre da igreja, Honório de Medeiros remonta a engrenagem do coronelismo e do Poder político no Nordeste rural e repagina e estimula a revisão crítica da história da invasão do Rei do Cangaço a Mossoró em 1927. (...) um novo conceito para o cangaço, dentro de uma perspectiva científica que identifique o geral no particular e afaste, de vez, o estudo do cangaço do mero "contar casos".

Surpreende no livro também, além desse viés do pesquisador sobre o cangaço, o caráter genealógico e emotivo que o autor revela na introdução: (...)se agregou o interesse de sempre acerca da história da minha família materna, da qual é o momento precioso, desde a fundação de Martins até a resistência oposta por Rodolpho Fernandes à Lampião".

Ao mesmo tempo em que escreve sobre o roteiro geográfico e factual de Massilon que passa pela Paraiba e Ceará, estados por onde andou em busca de informações, Honório constrói um arcabouço emocional da marcante trajetória e origem da família materna dele, os Fernandes do Rio Grande do Norte, do qual ele faz questão de revelar que é a nona geração do patriarca que fundou e deu nome à cidade serrana de Martins.

Mas para leitores como nós, eu e Carlos, fica difícil não ver em cada capítulo a imagem da Igreja de São Vicente. Mesmo que não seja o capítulo em que Honório descreve, preciso como um roteiro cinematográfico, a hora do tiro disparado por Manoel Duarte e que matou o cangaceiro Colchete.

O patamar hoje está mais curto e mais baixo do que aquele em que os republicanos brincavam pela manhã e à noite. Apenas dois degraus e chão pedregoso como nunca. Arrancador de chamboque nos dedos dos pés.

Os canteiros, construídos por padre Sátyro no auge da perseguição aos jogos de bola dos meninos, estes permanecem intactos sendo que agora têm plantas. As crianças foram rareando nas residências em torno do Patamar. A cidade. O tempo. Os hábitos.

O jogo de bola acabou-se muito antes da capelinha da bunda redonda tornar-se cult e festejada.

Estivemos lá na igreja, na missa e quermesse dos 80 anos de idade do Careca com a entrega aos fiéis da capela pintada, restaurada, nova como em 1919. E amarela, bem amarelinha. Foi muito interessante.

Padre Sátyro no altar: "Eu vi São Vicente sorrir! Eu vi São Vicente sorrir!"

O octogenário e sua retórica vibrante, sabedoria dos oradores sacros, tradição dos copistas do conhecimento e da liturgia.

Depois tivemos que ouvir a Prefeita da Cidade.

Mas nos compensaram os doces vicentinos vendidos no meio da rua lateral, a Francisco Ramalho, defronte à casa de Marcos Porto, esse já tornado memória e lenda do Patamar que já carece de um livro. Ele também um Fernandes.

No Rio Grande do Norte esse lado familista é muito importante. O livro de Honório permite ver que laços ancestrais construíram esse orgulho familiar que de certa forma marca o Estado do Rio Grande do Norte.

Jânio Rêgo é jornalista - janiorego@blogdafeira.com.br

* Extraído do blog Cangaço em Foco do escritor e pesquisador do cangaço Dr. Archimedes Marques.

sábado, 3 de setembro de 2011

"CARIRI - CANGAÇO, COITEIROS E ADJACÊNCIAS", DE NAPOLEÃO TAVARES NEVES

Dr. Napoleão Tavares Neves

Honório de Medeiros   

                Deliciosa leitura a do “Cariri – Cangaço, Coiteiros e Adjacências”, do Dr. Napoleão Tavares Neves. O subtítulo “Crônicas Cangaceiras” é precioso, um achado. A edição é relativamente bem cuidada, da Thesaurus Editora, de Brasília, com orelhas de Leandro Cardoso Fernandes, apresentação de José Peixoto Júnior e prefácio de Melquíades Pinto Paiva. Cento e trinta e duas páginas, incluindo a iconografia.

                   São crônicas, não sobram dúvidas, que nos encaminham ao passado conturbado e inigualável do Cariri, do qual Dr. Napoleão Tavares Neves foi e é testemunha privilegiada, seja porque sua história se confunde com a dos seus ancestrais, seja porque ao longo dos anos colheu e preservou a herança oral e escrita dos muitos personagens caririenses aos quais procurou ou por eles foi procurado.

                   Não há história do cangaço sem o Cariri; não há história do coronelismo sem o Cariri; não há história do misticismo sem o Cariri. O Cariri é um mundo dentro do mundo. Como não se quedar admirado com um País, isso mesmo, um País onde fizeram e aconteceram, como dizemos no Sertão, Lampião, Padre Cícero e Floro Bartolomeu? Os Marcelinos, o Pe. Manuel Antônio de Jesus, o Coronel Santana da Serra do Mato? As mulheres da epopéia de Guaribas. O “fogo” do Custodio, da Piçarra, Chico Chicote? Tantos personagens e tantos fatos...

                   Por essas e outras razões, recomendo sempre ouvir Dr. Napoleão Tavares Neves. Quando não possível, ler o que ele – fina flor do Cariri, um fidalgo sem reproche – escreve. O mesmo Dr. Napoleão que menino, tão bem cuidado por “Dondon”, foi criança no Sítio Saco, em Porteiras, no Cariri eterno, e nas noites de lua ficava de papo para o ar deitado na bagaceira do velho engenho de rapadura, “ouvindo os mais idosos contarem as peripécias de Lampião”.

                   As crônicas históricas são assim mesmo: um compósito de lembranças que resulta de um olhar da memória cujo destino foi as pessoas e os acontecidos, tudo suavemente coberto por uma pátina de melancolia que nada mais é senão a nostalgia proustiana do tempo perdido, das eras anciãs, do arcaico que o tempo, há muito, levou.

                   Desafiam o tempo, essas crônicas, se eternizam, pois também nos apresentam o mundo como ele foi e permitem esboçar uma chave canhestra para compreender o presente e, quiçá, o futuro, principalmente quando escritas por alguém que lhes transmite respeitabilidade factual, mesmo que resultando de uma perspectiva personalíssima, como é o caso dessas crônicas do Dr. Napoleão Tavares Neves.