Alex Medeiros
Um lampejo do talento de Alex Medeiros:
Anjo Augusto, bisneto do outro I
Eu nasci e cresci como um arbusto
na indiferença transeunte das estradas
um rebento do amor das empregadas
na prenhez ectópica de um susto
sou bisneto daquele outro Augusto
como aponta meu nome de batismo
não morri por um puro preciosismo
da genética e do jogo do destino
fiquei velho sem deixar de ser menino
sou a antítese de todo silogismo
Meu sangue formou-se em nebulosas
transfusões de uma suruba etnia
sou a soma carmática da anarquia
dois pedaços de raças raivosas
atavismo de almas poderosas
duas faces de pútridas feridas
uma vida lembrando de outras vidas
dois sabores de sucos genealógicos
eu sou claro e escuro, sou ilógico
a resposta de perguntas indevidas.
Tenho forte teor de panclastite
misturado no mijo e na saliva
gamogênese por força radioativa
condutora voraz de cervicite
sem antídoto algum pra que evite
minha ardente e sexual pantofagia
provocada por toda hebefrenia
alomórfica, caliente e pueril
tenho orgasmo vandálico e varonil
e amor quiasmático sem valia.
Nunca quis o equilíbrio, sou tumulto
não semeio a paz, eu planto guerra
sou da roda o ferrugem que a emperra
sou sem alma um cadáver insepulto
não me apraz o cortejo, sim o insulto
organizo a inércia num tormento
faço graça onde pede-se um lamento
prego horror onde impera mansidão
rasgo bíblias e incendeio alcorão
sou liberto de todo sentimento.
Anjo Augusto, bisneto do outro II
Há espectros de carnes apodrecidas
flutuando em minha sala de estar
e por estar nesta sala um pop star
não se assombram ninfetas raparigas
voluptuosas, são todas ensandecidas
trepadeiras em flor adolescente
e os fantasmas querendo virar gente
me imploram a mediúnica paixão
mas, sou ateu, prometeu, vate pagão
exorcizo uma gata em cama quente.
Há um odor de entranhas estelares
nos lençóis encardidos dessa moça
marcas de pus e de sangue, uma poça
entre anéis, algemas, cintos, colares
há vestígios de missas e altares
na fumaça de incenso de maconha
ao dormir a devassa morde a fronha
quando acorda se sente messalina
que mistério envolve essa menina
quando mata, morre e quando sonha?
Quis um dia encarnar Gregory Peck
pra beijar muitas divas do cinema
peguei negra, loura e morena
e tracei luluzinhas de pileque
ganhei calos na mão pelas chacretes
nos domingos de mil maracanãs
de quadrinhos, de janes e tarzans
de um Brasil ainda no sossego
sem TV de faustões e descarregos
de amassos inocentes nos divãs.
A Via Lactea é placenta dos planetas
asteróides são tumores pelos céus
poeira cósmica é cocaína de deus
fogo do inferno se exporta em cometas
buraco negro não tem trinco ou maçaneta
e os anjos se escondem nos quasares
no hiperespaço não há tempo ou lugares
não há minuto, não há dia, nem semana
pelo Universo toda a natureza humana
é resumida em micróbios estelares.
Anjo Augusto, bisneto do outro III
O poeta que respe jamais sacoleja
nem gnoma qualquer vai reprovar
ostiariato também não calará
e também governo, partido ou igreja
se vindo a mim o inimigo rasteja
nos meus versos de doce agonia
alquebrados em fina iconoclastia
soçobrando as alcovas ecumênicas
eu colho rimas ricas e blasfêmicas
no epitáfio do que serei um dia
Carraspana litúrgica de otários
patuléia hedionda de girinos
partogênese de burro nordestino
Ilusão maniqueísta de templários
parlamento fungo vivo do erário
baixarias de dogma evangélico
silogismos de mofo aristotélico
pardieiro do pensamento santo
uma santa enforcada pelo manto
na volúpia ecumênica de um clérigo
Discurso gaudério de um guerrilheiro
transmudo em transtorno de um ideal
o doutor milita na vara e no pau
rebelde passado de anti-usineiro
hoje mauricinho montado em dinheiro
vestal pós-burguês senhor veranista
a foice é chibata de neo-comunista
além da vitrine que o dinheiro imprensa
e a vida dilui-se em dogmas e crença
na falsa batalha de uma farsa revista
No meu livro “eu e outras putarias”
onde assisto o velório de um inseto
desmanchei um escriba analfabeto
que tornou-se cupim de livrarias
num futuro de tons de pandemias
tem morcegos vermelhos no inferno
o apóstolo João abre um caderno
revelando uma besta na fuligem
e um doido sem nome sem origem
que se chama influenciador moderno.
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