quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

ANJO AUGUSTO

 


Alex Medeiros

Um lampejo do talento de Alex Medeiros:


Anjo Augusto, bisneto do outro I

Eu nasci e cresci como um arbusto

na indiferença transeunte das estradas

um rebento do amor das empregadas

na prenhez ectópica de um susto

sou bisneto daquele outro Augusto

como aponta meu nome de batismo

não morri por um puro preciosismo

da genética e do jogo do destino

fiquei velho sem deixar de ser menino

sou a antítese de todo silogismo


Meu sangue formou-se em nebulosas

transfusões de uma suruba etnia

sou a soma carmática da anarquia

dois pedaços de raças raivosas

atavismo de almas poderosas

duas faces de pútridas feridas

uma vida lembrando de outras vidas

dois sabores de sucos genealógicos

eu sou claro e escuro, sou ilógico

a resposta de perguntas indevidas.


Tenho forte teor de panclastite

misturado no mijo e na saliva

gamogênese por força radioativa

condutora voraz de cervicite

sem antídoto algum pra que evite

minha ardente e sexual pantofagia

provocada por toda hebefrenia

alomórfica, caliente e pueril

tenho orgasmo vandálico e varonil

e amor quiasmático sem valia.


Nunca quis o equilíbrio, sou tumulto

não semeio a paz, eu planto guerra

sou da roda o ferrugem que a emperra

sou sem alma um cadáver insepulto

não me apraz o cortejo, sim o insulto

organizo a inércia num tormento

faço graça onde pede-se um lamento

prego horror onde impera mansidão

rasgo bíblias e incendeio alcorão

sou liberto de todo sentimento.


Anjo Augusto, bisneto do outro II

Há espectros de carnes apodrecidas

flutuando em minha sala de estar

e por estar nesta sala um pop star

não se assombram ninfetas raparigas

voluptuosas, são todas ensandecidas

trepadeiras em flor adolescente

e os fantasmas querendo virar gente

me imploram a mediúnica paixão

mas, sou ateu, prometeu, vate pagão

exorcizo uma gata em cama quente.


Há um odor de entranhas estelares

nos lençóis encardidos dessa moça

marcas de pus e de sangue, uma poça

entre anéis, algemas, cintos, colares

há vestígios de missas e altares

na fumaça de incenso de maconha

ao dormir a devassa morde a fronha

quando acorda se sente messalina

que mistério envolve essa menina

quando mata, morre e quando sonha?


Quis um dia encarnar Gregory Peck

pra beijar muitas divas do cinema

peguei negra, loura e morena

e tracei luluzinhas de pileque

ganhei calos na mão pelas chacretes

nos domingos de mil maracanãs

de quadrinhos, de janes e tarzans

de um Brasil ainda no sossego

sem TV de faustões e descarregos

de amassos inocentes nos divãs.


A Via Lactea é placenta dos planetas

asteróides são tumores pelos céus

poeira cósmica é cocaína de deus

fogo do inferno se exporta em cometas

buraco negro não tem trinco ou maçaneta

e os anjos se escondem nos quasares

no hiperespaço não há tempo ou lugares

não há minuto, não há dia, nem semana

pelo Universo toda a natureza humana

é resumida em micróbios estelares.


Anjo Augusto, bisneto do outro III

O poeta que respe jamais sacoleja

nem gnoma qualquer vai reprovar

ostiariato também não calará

e também governo, partido ou igreja

se vindo a mim o inimigo rasteja

nos meus versos de doce agonia

alquebrados em fina iconoclastia

soçobrando as alcovas ecumênicas

eu colho rimas ricas e blasfêmicas

no epitáfio do que serei um dia


Carraspana litúrgica de otários

patuléia hedionda de girinos

partogênese de burro nordestino

Ilusão maniqueísta de templários

parlamento fungo vivo do erário

baixarias de dogma evangélico

silogismos de mofo aristotélico

pardieiro do pensamento santo

uma santa enforcada pelo manto

na volúpia ecumênica de um clérigo


Discurso gaudério de um guerrilheiro

transmudo em transtorno de um ideal

o doutor milita na vara e no pau

rebelde passado de anti-usineiro

hoje mauricinho montado em dinheiro

vestal pós-burguês senhor veranista

a foice é chibata de neo-comunista

além da vitrine que o dinheiro imprensa

e a vida dilui-se em dogmas e crença

na falsa batalha de uma farsa revista


No meu livro “eu e outras putarias”

onde assisto o velório de um inseto

desmanchei um escriba analfabeto

que tornou-se cupim de livrarias

num futuro de tons de pandemias

tem morcegos vermelhos no inferno

o apóstolo João abre um caderno

revelando uma besta na fuligem

e um doido sem nome sem origem

que se chama influenciador moderno.

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