* Honório de Medeiros
Minha faxineira é uma
heroína.
Nova, ainda, trinta e cinco
anos, aparenta bem mais. Casada com um pedreiro, é mãe orgulhosa de uma mocinha
de dezoito, que “faz um curso de informática na cidade” após ter concluído o
Segundo Grau.
Mora em “Jardim Progresso”,
o último bairro da Zona Norte de Natal no sentido de quem vai para São Gonçalo
do Amarante ou Extremoz.
Todo manhã ela acorda às
quatro e trinta. Prepara o café, deixa pronto o almoço e começa sua
luta diária para pegar transportes que lhe deixem nas diferentes casas onde
ganha o pão de cada dia.
Lá pelas cinco, seis, a luta
é para voltar para casa, essa mais difícil ainda.
No “Jardim Progresso”, cujo
nome com certeza foi escolhido por algum burocrata sarcástico, não tem Posto de
Saúde. Nem Delegacia. Tampouco Escola de Ensino Médio. Menos ainda creches.
“Creche? Tem no Vale
Dourado. A semana passada um bocado de mulheres daqui foi dormir nas calçadas
da creche para segurar uma vaga no atendimento do dia seguinte. Muitas voltaram
sem conseguir.”
Ou seja, falta tudo e não tem nada.
Quando lhe pergunto se a
Polícia aparece por lá, ela ri. “Quando aparece é por que está perdida”.
“Dia desses dois vizinhos se
travaram na faca. Ligamos para a Polícia. O policial que nos atendeu perguntou
se tinha havido ferimentos. Quando soube que sim nos aconselhou a botar o
ferido em um carro e leva-lo para o hospital mais próximo, que chegava logo. Nunca
apareceu.”
Ônibus que é bom, somente os
que passam no Vale Dourado, conjunto vizinho. Outro nome escolhido pelo
burocrata sarcástico. Quando minha faxineira volta para casa, lá pelas seis da
noite, pode ser que precise descer em Nova Natal. Então será quase uma hora de
caminhada até a chegada.
Quinta passada entrei nos
detalhes de sua vida como consequência da rebelião dos presos de Alcaçuz, aquele
presídio-ratoeira construído por sobre dunas pelos políticos e burocratas do
Estado.
Mais ou menos na hora do almoço
eu lhe disse que o noticiário estava avisando acerca do recolhimento dos ônibus
a partir das quatorze horas. Ela resolveu ficar. Perguntei como ia ser sua
volta. Como suas explicações me soaram vagas, não aprofundei a conversa, mas
lhe disse que se não encontrasse meio de transporte, voltasse. Eu lhe daria o
dinheiro para pegar um “uber”.
Nesta terça soube de sua epopeia.
Na parada para qual sempre vai encontrou uma mulher na mesma situação. Desceram
até outra parada, depois outra, e nada de transporte. A mulher se lembrou do
trem que vai até a Zona Norte. Desceram mais ainda, muito mais, pegaram o trem
lotado e saltaram em Nova Natal. De Nova Natal até sua casa foi, mais uma vez, uma hora de caminhada.
“Com quem você fez a
caminhada?”
“Com Deus. E rezando.”
É uma heroína.
* Arte em pragmatismopolitico.com.br
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