terça-feira, 31 de janeiro de 2017

FALTA TUDO E NÃO TEM NADA



* Honório de Medeiros


Minha faxineira é uma heroína.

Nova, ainda, trinta e cinco anos, aparenta bem mais. Casada com um pedreiro, é mãe orgulhosa de uma mocinha de dezoito, que “faz um curso de informática na cidade” após ter concluído o Segundo Grau.

Mora em “Jardim Progresso”, o último bairro da Zona Norte de Natal no sentido de quem vai para São Gonçalo do Amarante ou Extremoz.

Todo manhã ela acorda às quatro e trinta. Prepara o café, deixa pronto o almoço e começa sua luta diária para pegar transportes que lhe deixem nas diferentes casas onde ganha o pão de cada dia.

Lá pelas cinco, seis, a luta é para voltar para casa, essa mais difícil ainda.

No “Jardim Progresso”, cujo nome com certeza foi escolhido por algum burocrata sarcástico, não tem Posto de Saúde. Nem Delegacia. Tampouco Escola de Ensino Médio. Menos ainda creches.

“Creche? Tem no Vale Dourado. A semana passada um bocado de mulheres daqui foi dormir nas calçadas da creche para segurar uma vaga no atendimento do dia seguinte. Muitas voltaram sem conseguir.”

 Ou seja, falta tudo e não tem nada.

Quando lhe pergunto se a Polícia aparece por lá, ela ri. “Quando aparece é por que está perdida”.

“Dia desses dois vizinhos se travaram na faca. Ligamos para a Polícia. O policial que nos atendeu perguntou se tinha havido ferimentos. Quando soube que sim nos aconselhou a botar o ferido em um carro e leva-lo para o hospital mais próximo, que chegava logo. Nunca apareceu.”

Ônibus que é bom, somente os que passam no Vale Dourado, conjunto vizinho. Outro nome escolhido pelo burocrata sarcástico. Quando minha faxineira volta para casa, lá pelas seis da noite, pode ser que precise descer em Nova Natal. Então será quase uma hora de caminhada até a chegada.

Quinta passada entrei nos detalhes de sua vida como consequência da rebelião dos presos de Alcaçuz, aquele presídio-ratoeira construído por sobre dunas pelos políticos e burocratas do Estado.

Mais ou menos na hora do almoço eu lhe disse que o noticiário estava avisando acerca do recolhimento dos ônibus a partir das quatorze horas. Ela resolveu ficar. Perguntei como ia ser sua volta. Como suas explicações me soaram vagas, não aprofundei a conversa, mas lhe disse que se não encontrasse meio de transporte, voltasse. Eu lhe daria o dinheiro para pegar um “uber”.

Nesta terça soube de sua epopeia. Na parada para qual sempre vai encontrou uma mulher na mesma situação. Desceram até outra parada, depois outra, e nada de transporte. A mulher se lembrou do trem que vai até a Zona Norte. Desceram mais ainda, muito mais, pegaram o trem lotado e saltaram em Nova Natal. De Nova Natal até sua casa foi, mais uma vez,  uma hora de caminhada.

“Com quem você fez a caminhada?”

“Com Deus. E rezando.”

É uma heroína.

* Arte em pragmatismopolitico.com.br

Nenhum comentário: