quinta-feira, 17 de outubro de 2013

AH!, PARIS...

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Cartas de Paris: Ah!!! Paris..., por Danielle Legras

Daqui a poucos meses festejarei meus dez anos de residência em Paris, cidade que eu adotei e que me acolheu. Gosto de me referir a ela como o faria se estivesse evocando uma história de amor.

Perdoem-me os céticos, mas Paris foi para mim uma evidência. Como quando nos apaixonamos e acreditamos que sem a presença do outro a vida não teria mais nenhum sabor. Desde então tenho respondido aos franceses curiosos o porquê de tal escolha já que o mundo é vasto e o desejo de conhecê-lo ainda maior.

De um modo geral a pergunta é plena de espanto: Mas por que diabos alguém que mora num pais cuja natureza é exuberante, o sol elegeu ali a sua morada, e a amabilidade das pessoas é lendária, decidiu viver aqui?

Talvez seja necessário mencionar o fato de que os franceses têm uma simpatia imensa (e acredito, sincera) pelo Brasil e seus habitantes. Eles sonham com nossas paisagens, com o calor e a presença constante do Roi Soleil. Eles elogiam a hospitalidade e a gentileza do povo brasileiro; é um prazer vê-los enaltecerem nossas qualidades, sem se aprofundar em nossos defeitos.

Sobretudo quando se sabe o quão severos eles podem ser consigo mesmos. Reclamam da hostilidade da cidade, da antipatia das pessoas, do clima carrancudo, da política da esquerda, da direita e do centro também. Reclamar alias, é o esporte nacional...

Então quando ouço as minhas próprias respostas tenho a impressão que elas são sempre diferentes uma das outras.

Vim a Paris porque ela é meu paraíso existencial. Vim a Paris porque ela é infinitamente mais bela do que sugerem seus cartões postais.

Vim a Paris para poder compreender Piaf e Jacques Brel. Porque me apeguei ao hábito de não sentir mais medo. Porque pela primeira vez pude viver as quatro estações do ano. Porque posso pegar um trem e estar, poucas horas depois, em outras capitais europeias.

Porque a História é viva e faz parte da história de seus habitantes. Porque aprendi a me indignar e a exigir um mundo um pouco mais justo (eles são especialistas nesse quesito). Vim a Paris porque a presença do rio Senna me tranquiliza. Porque me apropriei do espaço público e nele posso divagar.

Vim a Paris para poder passar horas num café, lendo ou escrevendo. Vim a Paris porque o ensino publico é de qualidade e minha filha poderia estudar sem que eu gastasse rios de dinheiro (o que não possuo, aliás).

Vim a Paris, porque no metrô velho, sujo e com cheiro de humanidade, os passageiros transformam-se em leitores ávidos. Porque Paris é tudo e seu contrário. Vim a Paris porque a descobri mestiça e múltipla.

Enfim, vim a Paris para redescobrir meu país. Porque a saudade que dele sinto me mostrou o quanto dele sou feita.

Danielle Legras é jornalista e tem duas grandes paixões, seu métier e Paris. Há dez anos, decidiu unir o útil ao agradável. É a nova responsável pela seção semanal Cartas de Paris.

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