Honório de Medeiros
Há um ipê amarelo
em meu caminho. Sim, em meu caminho diário há um ipê amarelo em flor.
Não que eu passe
por ele com o vagar que sua beleza exige, a se derramar por sobre os olhos de
quem vai e vem sem qualquer pudor. Ao contrário. Postado dentro de um jardim de
Colégio, deixando ver apenas sua parte superior, mantém oculta sua plenitude, e
se eu me aproximasse caminhando, o muro que o contém tomaria minha visão.
Posso vê-lo
enquanto passo ao largo, reduzindo a velocidade do carro, e me contendo para não
parar, descer, ir até o motorista que buzina impaciente atrás de mim e lhe
perguntar se é insensível a tanta beleza. Melhor não, digo cá aos meus botões.
Ele pensaria que sou louco.
Pensei em pedir ao
porteiro para invadir a quietude do recanto onde reina, solitário, o ipê
amarelo, e lhe levar minhas homenagens. Desisti. Primeiro por que eu teria que
vencer a burocracia da identificação, o Colégio tem fama de muito rígido
principalmente com visitas masculinas: “quem é o senhor? Deixe sua identidade,
por favor”, ou coisa parecida.
Ele, o porteiro,
não se quedaria vencido pela singularidade da minha proposta: “meu senhor, eu
quero apenas cumprimentar o ipê amarelo!”.
Segundo porque, com
certeza, o porteiro também não me consideraria, assim como o motorista que
buzinava impaciente atrás do meu carro, completamente são, se eu mudasse o
discurso e lhe dissesse: “olhe, eu vinha passando, e arrebatado pela beleza
desse ipê amarelo, queria entrar no jardim, me aproximar dele, contemplá-lo,
tocá-lo, ficar um bom pedaço de tempo em sua companhia...”
Claro que eu
poderia envergar minha mais séria máscara de cidadão respeitável e dizer a esse
porteiro-Cérbero sucintamente: “posso ver o ipê amarelo?” Mas não seria a mesma
coisa. Não é correto, fere a ordem natural das coisas poéticas e românticas.
Não podemos ver algo tão belo e tratá-lo como quem trata um mero jardim
bem-feito.
Não é de outra
forma que agimos quando queremos acariciar a criança que a mãe orgulhosamente
exibe pelos cantos? Não lhe dizemos: “que criança linda!”, comentamos acerca da
beleza dos seus olhos ou do cacheado dos seus cabelos, e lhe fazemos um
carinho?
Como não fui até o
ipê amarelo para render-lhe, qual fã incontrolável, minhas homenagens
silenciosas e merecidas, bem diferentes daquelas que os homens atribuem uns aos
outros em solenidades chatíssimas, pus-me a falar dele. A todos quanto eu
julguei merecedor de participar de minha descoberta lhes falei do amarelo vivo
tomando-o por inteiro, e o destacando contra o opaco do muro que o contém e o
cinza urbano que lhe serve de entorno; falei-lhes em que ponto da cidade ele
reina absoluto; falei-lhes de como ele desperta, em nós, tal sua presença, o
senso de sua majestade.
Talvez não tenhamos merecido, eu e o ipê amarelo, a atenção devida. Não
importa. Se somente um dos que me ouviram, dentre todos, se lembrar e quedar-se
a contemplá-lo, quando passar por perto, me dou por satisfeito. Ele foi, então,
verdadeiramente homenageado por mim.
Nenhum comentário:
Postar um comentário