sábado, 4 de fevereiro de 2012

A GRANDE ARTE DE PROUST


Franklin Jorge


Por Franklin Jorge

Dotado de real inteligência assimiladora, Marcel Proust viu a caricatura como uma exageração da realidade. Esta talvez tenha sido uma das afinidades que o levou a escolher Baudelaire como um de seus mestres.

André Maurois percebeu na obra do autor de “Contra Sainte-Beuve”: quase todas as personagens são caricaturais, o que aliás lhes confere uma vivacidade extraordinária e cativante, e algumas vezes, pungente. Afinal, não se pinta a realidade a não ser pelo exagero.

Foi pensando assim que Proust afirmou que depois de construída a personagem, resta ainda ao autor a tarefa de acrescentar-lhe os ridículos, sem os quais os heróis mais comoventes não passagem de meros bonecos inflados de tinta. Ele nos ensina, por esse processo particular de escritura, que os romancistas medíocres não vêem nunca essa carne tecida de ridículos; e que suas obras esquemáticas e sem vida são como radiografias através das quais só contemplamos esqueletos desprovidos de vísceras e músculos.

Proust intuiu que o mal apreende o sentido profundo das coisas e permite àquele que observa decompor os mecanismos que, sem esse esforço, não conheceríamos. Diz-nos, assim, que da vida só temos visões informes, fragmentárias, que completamos com associações de ideias arbitrárias, criadoras de sugestões perigosas. Aqueles que não imaginamos não são coisa alguma. Caricaturista oral de um gênero raro e obscuro, Proust gosta de descobrir num quadro famoso semelhanças com pessoas de suas relações e conhecimento social.

Descrevendo o Sr. Nissim Bernard, protótipo de judeu, Proust o vê como uma larva pré-rafaelita em que se houvessem implantado, sujamente, alguns pelos como cabelos afogados numa opala.

Não há grande arte sem a musculatura do ridículo. Assim, Proust “lia” o gancho que formava o nariz do Duque de Châtellerault como a assinatura de um pintor a quem tivesse longamente estudado.
A caricatura em Proust também se exprime em situações inusitadas, envolvendo personagens como o Delegado pedófilo que aconselha o Narrador da “Busca…” – evidentemente Proust, segundo seus analistas -, acusado equivocadamente de seduzir uma menina, a ser mais cauteloso dali em diante, escolhendo meninas melhores e mais baratas, sob pena de encrencar-se e inflacionar o mercado.

Somos tentados a citar Proust, que não se equivocava quando escrevia em “O Caminho de Guermantes” que aqueles que não imaginamos não são coisa alguma.

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