terça-feira, 20 de setembro de 2011

A PEDAGOGIA DO ESPETÁCULO

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Honório de Medeiros


                        Ouço, muitas vezes, elogios feitos à capacidade de um professor ou palestrante de prender a atenção da platéia à custa de piadas, gracejos, histrionismo, até mesmo do que se convencionou denominar “perfomances’. Estas últimas abrangendo trejeitos, mugangas, interpretações corporais...

Quando isso ocorre sempre me lembro da história de um debate na área do Direito no qual um dos debatedores, um dos ícones do nosso ensino jurídico, após assistir, perplexo, durante um longo tempo toda a sorte de bizarrices encetadas por um seu colega no afã de levar os ouvintes à diversão, iniciou sua participação comunicando, secamente, aos estudantes, que “ali estava para os levar a pensar, não para diverti-los”.

                        Penso que essa é a missão do professor, palestrante ou conferencista: atrair e, se possível, até mesmo galvanizar a inteligência dos ouvintes, por intermédio da forma e do conteúdo do seu pronunciamento dirigido à razão. Assim foi desde a Grécia de Demóstenes, passando pela Roma de Cícero, a Idade Média de Bossuet e Massilon, até os dias de hoje, quando reverenciamos Churchill e Martin Luther King, em todos os lugares, enfim, onde o respeito pelo saber e por aqueles que o honram se constitui em diferencial de civilização.

Pois bem, no Brasil, guardadas as exceções de praxe, prepondera o populismo pedagógico, ou seja, a concepção de que é a vontade da platéia, ávida por diversão, que deve balizar a forma da exposição do professor, ou palestrante. Quanto mais divertido o expositor, mais concorridas suas participações, ao ponto de aulas, ou palestras, se transformarem em verdadeiras sessões do humorismo que se convencionou denominar “stand up comedy”.  

                        Essa prática de chamar a atenção divertindo, aparentemente válida na infância, levada a cabo ininterruptamente, conduz a uma conseqüência funesta: ao interromper a linearidade da argumentação – quando há - predispõe a mente, por si só tendente à agitação, a perder o foco, a concentração, a capacidade de apreender o todo e suas implicações na argumentação proferida, a se deter no episódico, no fragmentário, no superficial.

                        Aliás, disciplina intelectual é um verdadeiro anátema no ambiente acadêmico de hoje em dia. Não se lê, não se escreve, não se fala dentro dos padrões que a lógica da argumentação impõe. Não é a ditadura da regra gramatical que se quer; é a lógica da argumentação e a argumentação lógica. Não é a camisa-de-força das regras ortográficas que se deseja obedecer; é a linearidade do raciocínio e o raciocínio linear. Não é à técnica da língua a quem devemos nos submeter; é à clareza do pensar e ao pensamento claro.

                        Não há, hoje, no geral, quando deveria – e muito – haver, rigor intelectivo, disciplina de pensamento, lógica argumentativa. Há espasmos intuitivos, logorréia superficial, pensamento fragmentado. E, em muito contribui para essa realidade, a “pedagogia do espetáculo” e a incapacidade do ouvinte em firmar sua atenção no que lhe é dito.



A rigor, nas universidades brasileiras, os estudantes são tratados com o mesmo método de ensino utilizado em sua meninice: gincanas, júris simulados, aulas-espetáculos, tudo vale a pena para se passar a idéia de que o aluno participa diretamente do processo de aprendizagem. É uma equação sinistra: quanto mais se opta pelo espetáculo, que privilegia os sentidos, menor o desenvolvimento da capacidade de concentração, da disciplina da razão. Não por outra causa essa tendência amplia a quantidade de textos mal escritos e de pronunciamentos mal alinhavados, todos resultantes da incapacidade de se pensar com clareza.

                        A lição do passado está aí, para quem souber apreendê-la a partir das pesquisas especializadas: sem disciplina intelectual e física, não se chega a lugar algum.



COMENTÁRIO DO AUTOR:



Após a publicação do texto acima, recebi a seguinte postagem do Prof. Dr. Gilson Ricardo de Medeiros Pereira, autor de "Servidão Ambígua - Valores e condição do magistério":

  
"Olhe, Honório,

concordo com tudo. Ontem mesmo, na abertura dos trabalhos (após a greve) do nosso Grupo de Pesquisa Ateliê Sociológico Educação &Cultura, eu afirmei algo semelhante. Disse que esperava que os orientandos se expusessem, pois quanto mais a gente se expõe, mais proveito tira da discussão; e disse ainda, na esteira de Bourdieu, que a exposição de um trabalho de pesquisa é o oposto imediato de um show, no qual as pessoas se exibem, procuram ser vistas e, com isso, procuram mostrar o que valem no mercado. Esta precaução, num grupo de pesquisa, é importante para combater a idéia exaltada do pesquisador como gênio inteligente e a pesquisa como procura algo mística das razões últimas das coisas, ou, pior ainda, a pesquisa como truque de predigistador. O trabalho artesanal de pesquisa que desenvolvemos incorpora uma ética propriamente científica voltada ao cultivo daquela modéstia que só os que sabem que nada sabem possuem - para lembrar o velho Sócrates.
Parabéns pelo texto, num momento em que a papagaiada performática substitui o trabalho conceitual - paciente, duro e muitas vezes indigesto.abração, gilson."

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