Às margens do pequeno riacho, sentado e com as costas repousando no espaldar inclinado de uma grande pedra, gozando a sombra de uma quixabeira, o adolescente, absorto, observava o revolutear de uma folha seca em suas águas.
A água fazia a folha ir e vir, às vezes afundar para reaparecer uma pouco mais à frente, acalmar-se e, pouco depois, irromper velozmente contra as pedras que afloravam ante seu percurso, numa sarabanda caótica de recuos e avanços que, mesmo assim, levavam-na riacho abaixo, para seu destino final.
O adolescente, esgotado por uma longa caminhada que o levou até o riacho, devaneava.
No devaneio, imaginou que aquela água era como a vida, e a folha, ele. Foi uma fugaz imagem, essa, instantânea, mas ficou encravada em sua memória para sempre.
Algum tempo depois, já universitário, entre uma aula e outra, se deitou com dois amigos de infância à sombra do telhado de um depósito que ficava ao lado de um dos auditórios da Universidade.
Estavam começando uma nova fase da vida. Cada um dos amigos expôs o que imaginava ser seu próprio futuro, a partir do curso que estava fazendo. Cismavam, todos.
Quando chegou sua vez de falar, antes mesmo de expor seu pensamento, se lembrou repentinamente daquele instante vivido alguns anos antes, às margens do riacho.
Na medida em que relembrava o episódio, contando-o, acrescentava detalhes não ao fato em si, mas à interpretação.
Pensava o fato e o interpretava. Agora já não era apenas uma comparação entre sua vida e aquela folha seca que revoluteou nas águas do riacho.
Era isso e algo mais: a folha seca, embora tivesse um revolutear caótico, não iria além das margens do riacho, e, caso superasse os obstáculos com os quais se deparava, desaguaria no rio que aguardava suas águas, mas, quem sabe, poderia prosseguir até cada vez mais longe, para destino ignorado.
Ao longo dos anos esse episódio passou a ser como que uma chave simbólica, cada vez mais complexa, para abrir a porta que conduzia à sua metafísica pessoal.
Essa metafísica, esse discurso racional de si para si lhe permitia tentar compreender, na medida do possível, como era a realidade, tudo que o cercava e envolvia, incluindo ele mesmo.
A folha era ele; a realidade, a água...
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Imagem: Honorio de Medeiros

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