quarta-feira, 19 de março de 2014

À MEMÓRIA DOS ESCRITORES ESQUECIDOS


* Honório de Medeiros                           
Na Rue de Lutèce, entre o Boulevard du Palais e a Rue de La Cité, em algum lugar conhecido por muitos poucos, o “La Mémoire de L'homme” cumpre sua missão de preservar a história abandonada da humanidade, assim como, na Barcelona arcaica, o Cemitério dos Livros Esquecidos, do qual nos deu conta Carlos Ruiz Zafón em “A Sombra do Vento”, arquiva, em seus infinitos desvãos, tudo quanto a loucura e a sanidade de cada um de nós ousou escrever ao longo do tempo e terminou encaminhado às traças ou, em lugar incerto e não sabido, a Biblioteca de Babel, descrita por Jorge Luis Borges em “Ficções”, de 1944, que nos fala da realidade constituída por uma biblioteca sem fim, abriga uma infinidade de livros possíveis e impossíveis...

Histórias tais quais aquelas vividas pelo velho militar a quem deu tempo e voz Alain de Botton, em “Nos Mínimos Detalhes”:

“Ele não tinha nenhum biógrafo para recolher suas palavras, para mapear seus movimentos, para organizar suas lembranças; ele estava vazando sua biografia para o interior de inúmeros receptores, que o ouviam por um momento, e então lhe davam uma pancadinha no ombro, e partiam para suas próprias vidas. A empatia dos outros era limitada às exigências do dia de trabalho, e assim ele morreu deixando fragmentos de si dispersos casualmente em meio a uma caixa de cartas esmaecidas, fotografias sem legenda reunidas em álbuns de família e histórias contadas a seus dois filhos e a um punhado de amigos que marcaram presença no funeral em cadeiras de rodas.”

Ou aquela acerca de todos os poemas e fragmentos que Robert Walser, ao qual aludiu tão belamente Enrique Vila-Matas em um dos seus romances-ensaios, escreveu e dispersou ao vento, sobre as neves por onde caminhou durante vinte e três anos, em sua Suíça natal, ansiando pela morte, interno em um manicômio.

A eles, a todos eles, a todos os esquecidos de ontem, hoje e amanhã, ao fim do livro de papel, da leitura densa, do pensar crítico, da profundidade do argumento, da propriedade do estilo, da beleza da forma, da imanência do conteúdo, da elegância do texto, do prazer da leitura cultivada, a homenagem de todos os que resistem,na Rue de Lutèce, nessa missão de preservar a história do Homem.

Um comentário:

Anônimo disse...

Amigo, por falar em livros esquecidos, ultimamente, por motivo de organização de um trabalho temático, deparei-me com o livro SERTANEJAS, autoria de Alípio Bandeira (1872-1939), poeta mossoroense pouco lembrado...Sim, Alípio Bandeira, devo ressaltar, foi coronel do exército participante do grupo do marechal Rondon...
Enfim, como ele, são tantos os esquecidos...
Abraços
David Leite