segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O PASTOR E A FIEL

Honório de Medeiros
 

O Pastor escuta atentamente a candidata a Fiel. As queixas são muitas: o marido bebe; o marido trai; o dinheiro está mais curto que nunca – é preciso fazer milagres para alimentar todos, em casa – a conta está alta no açougue, na padaria, no mercadinho; é preciso fazer uma cirurgia “de mulher”, mas o médico do SUS quer um “por fora”; os tênis dos meninos estão pedindo lixeira...
 
                   O Pastor não somente escuta atentamente como está conectado com a Fiel através do olhar que nada perde da expressão do seu rosto.
 
É olho no olho, mas não é um olhar intimidante, ao contrário, é acalentador, confortante. E já registrou todos os detalhes possíveis que lhe caracterizam, desde os restos de beleza que o tempo corroeu lentamente, até os adereços que ela trazia consigo, como a fina corrente de ouro no pescoço do qual pendia um camafeu belíssimo e o relógio antigo e de boa marca – relíquia dos bons tempos de outrora – a lhe contornar o pulso.
 
O corpo do Pastor está postado exatamente em frente ao da Fiel e espelha o dela: mãos no regaço, torcendo uma à outra, pernas juntas, acomodado no espaldar das cadeiras idênticas.
 
Para aquela Fiel ele dispensara o paletó, tirara a gravata e arregaçara as mangas da camisa branca que contrastava fortemente com o preto do restante do terno e gravata e acentuava a cor parda de sua pele jovem.
 
                   Quando a Fiel estava devidamente relaxada – e para isso foi encaminhada através de interjeições cuidadosamente escolhidas, faladas suavemente, e que pontuavam as pequenas pausas do seu relato, o Pastor interveio:
 
                   - Irmã sua situação, embora dolorosa e complicada, não é diferente de outras que no nosso Templo tivemos conhecimento e através do nosso trabalho e da intercessão de Jesus, nós resolvemos. Jesus tudo pode, você sabe. O sangue de Jesus tem Poder. Nossa missão, a missão de nossa Congregação, é trazer amparo através de Jesus aos nossos fiéis. Nós somos pastores, orientamos e conduzimos o rebanho de Jesus para onde Ele quiser, sob sua orientação.
 
                   A Fiel escuta atentamente. Quer entender e, mais que isso, muito mais que isso, quer, de todo o coração, acreditar: basta se entrega a tudo aquilo que o Pastor, com sua voz pausada, envolvente, grave, lhe diz. Haverá, então, alguém que cuide de si. Haverá alguém com quem ela contará para resolver seus problemas, por menores que sejam, pois é como o Pastor diz: somente sofre quem Dele se afasta.
 
                   - Claro que para superarmos todas essas adversidades colocadas por Jesus em nosso caminho para nos testar, temos que fazer sacrifícios. É como se precisássemos purgar nossos deslizes, nossos pecados, nossa falta de fé, através de algum gesto, de alguma atitude, de alguma ação, para então ficarmos prontos e recebe-Lo em nossos corações e, assim, conduzidos por Ele, superarmos todas essas adversidades que nos incomodam.
 
                   Silencio hipnotizante. O Pastor se levanta e contorna o birô parando atrás da Fiel. Sua mão direita, agora, repousa completamente sobre a cabeça dela. Agora ambos estão conectados fisicamente, mas ele está acima, no alto, e lhe fala como se sua voz viesse de longe – de alguma região para além do mundo visível.
 
                   - A irmã tem algum inimigo, alguém que lhe fez mal, da qual tem rancor, ressentimento, ódio?
 
                   - A namorada do meu marido.
 
                   - Ela sabe que você sabe?
 
                   - Não somente sabe como esfrega na minha cara todas as vezes que me vê.
 
                   - A irmã vai procura-la e lhe dizer que a perdoa de todo seu coração, sentindo mesmo esse desejo de perdoar. Não se incomode com a reação dela. A tudo que ela disser responda que a perdoa de todo coração. É essa a prova que Jesus, por nosso intermédio, exige de você. Você é capaz de fazer isso?
 
                   - Acho que sim.
 
                   - Agora, irmã, para que você possa se apresentar de coração limpo a essa criatura que lhe fez mal deve estar preparada espiritualmente. Você não pode, por exemplo, se ocupar com pensamentos impuros nem com coisas supérfluas que somente revelam a vaidade que contamina a alma. Nada, em você, pode demonstrar essa vaidade que Jesus condena. Você deve estar limpa de corpo e alma, entende?
 
                   - Entendo.
 
                   - Há alguma coisa com você ou em você que seja vaidade, essa vaidade que Jesus, o mais simples dos homens, condena por que nos tira a pureza da alma?
 
                   - Somente esta corrente, com o camafeu, e o relógio. Ah!, e a aliança!
 
                   - Doe esses objetos impuros, que nada significam para Jesus, ao Templo, para que sejam convertidos em obras de semeadura da palavra do Senhor. Agora pode ir. Tenha fé, não se esqueça de ter fé, e cumpra a prova indicada, que seus problemas serão superados.
 
                   - Pastor, e se eu fizer tudo que o senhor recomendou e nada se resolver?
 
                   - A sua fé terá sido pouca, irmã, e restou algum sentimento negativo em seu coração. Somente isso. Nada que não possamos resolver ao longo do tempo. Agora vá, e cumpra a vontade de Jesus.

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