* Honório de Medeiros
Aquele diálogo de Sócrates com um escravo de Ménon, relatado por Platão, no qual ele demonstra que seu método de questionamento e reminiscência pode fazê-lo aprender um complexo problema de geometria, pressupõe o interesse integral de quem é ensinado. Somente assim é possível o avanço no conhecimento.
O ensino, hoje, massificado, informa e não permite o questionamento instigante, fomentador. Não há tempo para isso, e o sistema precisa cumprir seu ciclo burocrático. Alguém precisa por um carimbo virtual na ficha do aluno e atestar que ele passou de ano e desocupou a vaga para outro, nessa linha de produção "educativa" que caracteriza o Estado, depois de ter estudado em livros cuja essência é a doutrinação ideológica visando sua inserção "produtiva" no mercado de trabalho.
As informações, não ansiadas pelos alunos, tampouco questionadas, se recebidas com atenção, quando o são, puramente decorativas, têm destino certo: a lata de lixo da memória. Anos depois é trágico, não fosse cômico, presenciar ex-alunos se divertindo em relatar nomes, ideias e disciplinas "esquisitas" pelas quais passaram ao longo de sua vida estudantil, cujo sentido lhes escapa completamente. Decoram para passar por etapas burocráticas que visam lhes assegurar um nicho na cadeia reprodutiva do sistema. Nichos construídos para assegurar a estabilidade do status quo.
Outra face dessa destruição contínua da mente das pessoas pelo Estado é a impossibilidade, cada dia mais concreta, de fazê-los compreender o processo lógico. De levá-los a pensar. Não há mais o interesse que o escravo de Ménon apresentou na frente de Sócrates. A não ser de natureza técnica, como, por exemplo, em um curso de solda ou mecânica de automóvel. Desde criança preparam nosso cérebro para nos aferrarmos a ideias-standards, que serão utilizadas durante a vida inteira. Tanto o é que a literatura e o oferecem exemplos de exceções que por uma razão ou outra, ainda um mistério, transformam-se em outsiders, rompendo os grilhões dessas amarras. Gandhi, por exemplo.
Não por outra razão, confrontada com argumentos pacientemente construídos com uma aluna reticente, em uma tentativa canhestra de imitar Sócrates, por um professor de lógica que tentava estabelecer conjuntamente a distinção fundamental para o exercício de pensar, qual seja a diferença entre juízos de valor e juízos de fato, este ouviu: "não adianta; essa é sua forma de pensar. A minha é diferente. Cada um tem a sua." Como se tal diferença fosse questão de opinião.
É dessa massa que são extraídos os fundamentalistas. Fazer o quê?
Nenhum comentário:
Postar um comentário