sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

DE PERTO NINGUÉM É NORMAL

* Honório de Medeiros

Caetano Veloso É um intuitivo, aquele escritor de poemas musicados nos quais encontramos sacadas geniais: pepitas ocultas em leitos de rios.

O contrário de Caetano Veloso, para mim, é Chico Buarque, um cerebral, como percebemos em "Construção" e "Roda Viva", ambas muito atentas ao rigor formal.

Uma intuição maravilhosa de Caetano Veloso está na letra de "Vaca Profana", 1984. Lá para as tantas ele diz:

Mas eu também sei ser careta
De perto ninguém é normal
Às vezes segue em linha reta
A vida, que é "meu bem, meu mal"

"De perto ninguém é normal." Essa frase virou um meme e inunda as redes sociais ao ponto de muitos atribuí-la a Shakespeare, por exemplo.

Não é à toa, a frase é um "insight" profundo acerca do ser humano, e diz respeito, em seu cerne, à dicotomia aparência x realidade.

Mantida a distância, encaramos o outro/padrão a partir de critérios que a Sociedade estimula e aceita como sendo de normalidade, fundamentais para a manutenção do "status quo".

Entretanto, esse mesmo "outro", que conhecemos à distância e o percebemos como integrante da zona cinzenta de normalidade aparente, pode ser "outro" - e quase sempre o é - quando percebido em sua intimidade.

Escrevo essas linhas e lembro de uma escritora que aborda essa dicotomia: Patricia Highsmith, principalmente em sua série de cinco romances cujo personagem principal é Tom Ripley.

A série inicia com "O Talentoso Ripley". Quem os leu, quem leu Highsmith, sabe perfeitamente acerca do que me refiro.

Uma espécie de complemento a essa genial intuição acerca do ser humano pode ser apresentada por intermédio de outra frase que também inunda a rede social: "a intimidade gera o desprezo", atribuída a Shakespeare, Baltazar Gracián e Santo Agostinho.

Confesso que não sei quem foi o autor, mas que ela é outro insight genial, lá isso é.

Complemento? Sim. Se de perto ninguém é normal, essa anormalidade pode gerar o desprezo, entre outras reações. 

Para distância do "Outro", e não ser surpreendido com sua "anormalidade", alguns recomendam a polidez, uma espécie de gentileza fria.

Et voilà... 

Um comentário:

Unknown disse...

Honorífico, eu ouvia na antiga Faculdade de Direito uma frase repetida por professores, cuja autoria desconheço, que dizia: "As pessoas são como os quadros, só tem perfeição à distância". Abraço de François.