Marcel
Proust
“Em
Busca do Tempo Perdido”
Volume
1
“No
Caminho de Swann”
Tradução
de Mário Quintana; Editora Globo; 3ª edição; 6ª reimpressão; p. 243.
“Não
era desses que, por preguiça ou resignado sentimento da obrigação que lhes
impõe o fastígio social de se amarrarem a determinada margem, evitam os
prazeres que lhes oferece a realidade fora da posição mundana onde vivem
acantonados até a morte, acabando por chamar de prazeres, na falta de coisa
melhor e por força do hábito, às medíocres diversões e aborrecimentos
suportáveis que sua existência encerra. Swann, esse, não procurava achar bonitas
as mulheres com quem passava o tempo, mas sim passar o tempo com as mulheres
que primeiro achara bonitas. E muitas vezes eram mulheres de beleza bastante
vulgar, pois as qualidades físicas que buscava sem se dar conta estavam em
completa oposição com aquelas que lhe tornavam admiráveis as mulheres
esculpidas ou pintadas por seus mestres prediletos. A profundeza, a melancolia
da expressão, gelavam-lhe os sentidos, que despertavam, ao contrário, ante uma
carne sadia, abundante e rosada.
Quando encontrava em viagem uma família com a qual
seria elegante não travar relações, mas em que descobriria certa mulher com um
encanto que ainda lhe era desconhecido, ‘guardar a linha’ e enganar o desejo
que ela lhe despertara, substituir o prazer que poderia conhecer com ela por um
prazer diferente, escrevendo a uma antiga amante para que viesse vê-lo, isso
lhe pareceria uma abdicação tão covarde diante da vida e uma renúncia tão
estúpida a uma nova felicidade, como se em vez de visitar a terra onde se
achava, se metesse em seu quarto, a olhar ‘vistas’ de Paris. Não se encerrava
no edifício de suas relações, mas fizera com ele, para poder erguê-lo novamente
em toda parte onde uma mulher lhe agradasse, uma dessas tendas desmontáveis que
os exploradores carregam consigo. Quanto ao que não podia ser transportado ou
trocado por um prazer novo, ele o considerava sem valor, por mais invejável que
parecesse aos outros. Quantas vezes seu crédito junto a uma duquesa, formado
com os desejos que a dama acumulara durante anos, de lhe ser agradável, sem
nunca haver encontrado uma ocasião propícia, não o desfazia Swann de uma vez
por todas, reclamando dela, com um indiscreto despacho, uma recomendação
telegráfica que o pusesse imediatamente em contato com um dos seus intendentes
cuja filha lhe chamara a atenção no campo, como faria um esfaimado que trocasse
um diamante por um pedaço de pão!”
ARTE: william.com.br
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