Bárbara de Medeiros
Algumas feridas ainda estão
por demais abertas para serem analisadas. O cheiro da carne pútrida ainda
contamina o meu olfato e aperta a minha garganta, a sensação de engasgo
trazendo lágrimas aos meus olhos. O sangue ainda está secando, naquela cor
encarnada escura que eu tantas vezes admirei em bandeiras e estandartes de
guerras, observando e rezando por jovens tão inocentes quanto eu era, que não
tiveram sua alma apodrecida pelo tempo, pois este não viera. O destino chegou
antes, encontrado-os espalhados em campos estrangeiros, uma pilha de corpos
disformes e ensanguentados, a grama outrora verde manchada com o vinho carnal.
Os inocentes pagam pelos erros dos culpados, e séculos após o primeiro erro
ainda estou ajoelhada tentando me redimir pelos pecados que não compreendo na
esperança de alcançar algo tão idôneo quanto o amanhã. Nada apaga o passado que
rasteja atrás de mim, segurando meus calcanhares e ameaçando me puxar para o
quinto dos infernos, de onde certamente veio para me assombrar. Mas como disse,
admiro os herois do passado, aqueles que morreram na esperança de serem alguém,
com sonhos infantis como suas feições e desejos irreais. As estrelas
provavelmente eram desenhos em seus mapas mentais, e seus olhos possivelmente
as percorreram uma última vez antes de serem levados ao Deus-dará. Pelo menos é
assim que eu imagino. É assim como me sinto. E quando o sol pinta o manto azul
claro com seus pinceis dourados, tingindo-o de laranja, eu espero até tornar-se
um cobertor espesso, azul quase negro, que me conforta e me sufoca, me mata e
me consola, me afoga e me aquece, me promete um novo amanhã do qual desconfio,
pois todos sabem que a noite mente.
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