“O povo deve bater-se em defesa da
lei, como se bate em defesa das muralhas” Heráclito de Éfeso (sécs. VI-V a.c. –
fragmento 44).
Nestes dias o Supremo
Tribunal Federal se debruça sobre a questão da criminalização da homofobia e
transfobia.
O primeiro voto, a favor, foi do Decano da instituição, que em sua
opinião, por não ter o Congresso legislado
sobre o tema, por "evidente inércia e omissão", algo que a Câmara e o
Senado negam, existe, portanto, uma lacuna legal e axiológica no ordenamento
jurídico brasileiro, e caberia ao STF, por intermédio da analogia,
suplementá-lo.
Mello propôs que não seja fixado um prazo
para que o Congresso edite uma lei sobre o tema, como pedem as ações para isso intentadas, mas que,
enquanto os parlamentares não se manifestam, a homofobia e a transfobia sejam
enquadradas na Lei do Racismo (Lei 7.716/1989).
Entretanto é de sabença geral que os
meios de preenchimento de lacunas, no ordenamento jurídico, por ele mesmo devem
ser indicados, para evitar a incerteza do Direito e o subjetivismo anárquico
judicial.
Fique claro que a questão não é a criminalização ou não. É a forma como está sendo feita.
Fique claro que a questão não é a criminalização ou não. É a forma como está sendo feita.
Ora, a analogia, em matéria penal, é algo
estritamente proibido pela Constituição Federal em suas cláusulas pétreas, qual
seja o artigo 5º, XXXIX: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena
sem prévia cominação legal.”
E o que leva o Ministro a crer que mesmo
assim o STF pode ir além da própria Constituição Federal?
A crença de que o STF tudo pode e pode tudo. Que
compete a eles, ministros, dizer o que seja o melhor para a
Sociedade, como se lê do que segue:
“Sendo assim e considerando que a atividade de interpretar os enunciados normativos, produzidos pelo legislador, está
cometida constitucionalmente ao Poder Judiciário, seu intérprete oficial,
podemos afirmar, parafraseando a doutrina, que o conteúdo da norma não é,
necessariamente, aquele sugerido pela doutrina, ou pelos juristas ou advogados,
e nem mesmo o que foi imaginado ou querido em seu processo de formação pelo
legislador; o conteúdo da norma é aquele, e tão somente aquele, que o Poder
Judiciário diz que é. Mais especificamente, podemos dizer, como se diz dos
enunciados constitucionais (= a Constituição é aquilo que o STF, seu intérprete
e guardião, diz que é), que as leis federais são aquilo que o STJ, seu guardião
e intérprete constitucional, diz que são.” (Ministro Teori Zavaski; AI nos
EREsp 644.736/PE, Corte Especial, julgado em 06/06/2007, DJ 27/08/2007, p.
170).
Esse é o cerne da doutrina do realismo jurídico, sinteticamente expresso na afirmação de Oliver Wendell
Holmes, Jr., antigo ministro da Suprema Corte dos Estados Unidos: “o Direito é
o que os tribunais dizem que ele é” (“the law is what the courts say it is”),
visceralmente contrário à tradição jurídica nacional e ao que o povo
brasileiro, por intermédio de seus constituintes, em 1988, na Assembleia Nacional Constituinte, escolheu para si, e o expressou no Princípio da Legalidade, inciso
II, do artigo 5º, enquanto Cláusula Pétrea: "Ninguém será obrigado a fazer
ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".
Cujo desdobramento, em matéria penal,
está no artigo 5º, inciso XXXIX: “não há crime sem lei anterior que o defina,
nem pena sem prévia cominação legal”. Outra cláusula pétrea.
Mais claro é impossível.
O próprio Celso de Mello já se referiu ao
princípio da legalidade como “um dos princípios
mais importantes no Direito Constitucional; o principio capital para a
configuração do regime jurídico-administrativo, e que este é a essência
do Estado de Direito,
pois lhe dá identidade própria.”
Mas como se nada
disso significasse coisa alguma, os ministros do STF enveredam pela doutrina do Realismo
Jurídico, em sua versão tupiniquim, esgrimida enquanto arma de Poder, para conter o alvoroço investigatório do Senado e Receita Federal e manda um aviso
claro ao Congresso e ao Poder Executivo: “mandamos nós; obedece quem tem
juízo”.
O que existirá além para além aquelas paredes luxuosas que o Poder Legislativo e Executivo não possam investigar?
Pior: ao
fazê-lo, ferem, mortalmente, o princípio da soberania da vontade popular, tão
importante que se encontra no artigo no parágrafo único
do artigo 1º da Constituição Federal:
"Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição."
"Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição."
É óbvio, posto assim, que se o Congresso, até hoje, não quis regulamentar a
questão dos crimes de homofobia e transfobia, isso significa que sua vontade, a
vontade do Povo é essa. No tempo certo, em seu tempo, , no tempo dos legisladores, isso será feito.
O STF não pode dizer nem quando, nem o quê, pode e deve ser tratado pelo Legislativo.
As leis,
inclusive a do contrato social, que emanam do povo, assim as vê Rousseau: “são
atos da vontade geral, exclusivamente”; “é unicamente à lei que todos os homens
devem a justiça e a liberdade”; “todos, inclusive o Estado, estão sujeitos a
elas”.
O ideário
acima exposto, no qual a lei a todos submete por que decorrente da vontade
geral do povo – este, frise-se, surgido graças ao contrato social
e detentor da soberania - pode ser encontrado em obras muito recentes, como o
“Curso de Direito Constitucional”, primeira edição de 2007, do Ministro do
Supremo Tribunal Federal do Brasil Gilmar Ferreira Mendes e outros. Às páginas
37, lê-se:
"Por
isso, quando hoje em dia se fala em Estado de Direito, o que se está a indicar,
com essa expressão, não é qualquer Estado ou qualquer ordem jurídica em que se
viva sob o primado do Direito, entendido este como um sistema de normas
democraticamente estabelecidas e que atendam, pelo menos, as seguintes
exigências fundamentais: a) império da lei, lei como expressão da vontade
geral"; (...)
E ponto
final.
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