sexta-feira, 30 de agosto de 2013

A CANÇÃO DE AMOR DE J. ALFRED PRUFROCK




Thomas Stearns Eliot (1888-1965)
Prêmio Nobel de literatura em 1948



S'io credesse che mia risposta fosse
A persona che mai tornasse al mondo,
Questa fiamma staria senza piu scosse.
Ma perciocche giammai di questo fondo
Non torno vivo alcun, s'i'odo il vero,
Senza tema d'infamia ti rispondo.
Dante Alighieri. Ladivina Commédia
Inferno, XXVII, 61-66 (N. do T.)
 
 
 
Sigamos então, tu e eu,
 Enquanto o poente no céu se estende
 Como um paciente anestesiado sobre a mesa;
 Sigamos por certas ruas quase ermas,
 Através dos sussurrantes refúgios
 De noites indormidas em hotéis baratos,
 Ao lado de botequins onde a serragem
 Às conchas das ostras se entrelaça:
 Ruas que se alongam como um tedioso argumento
 Cujo insidioso intento
 É atrair-te a uma angustiante questão . . .
 Oh, não perguntes: "Qual?"
 Sigamos a cumprir nossa visita.
 
No saguão as mulheres vêm e vão
 A falar de Miguel Ângelo.
 
A fulva neblina que roça na vidraça suas espáduas,
 A fumaça amarela que na vidraça seu focinho esfrega
 E cuja língua resvala nas esquinas do crepúsculo,
 Pousou sobre as poças aninhadas na sarjeta,
 Deixou cair sobre seu dorso a fuligem das chaminés,
 Deslizou furtiva no terraço, um repentino salto alçou,
 E ao perceber que era uma tenra noite de outubro,
 Enrodilhou-se ao redor da casa e adormeceu.
 
E na verdade tempo haverá
 Para que ao longo das ruas flua a parda fumaça,
 Roçando suas espáduas na vidraça;
 Tempo haverá, tempo haverá
 Para moldar um rosto com que enfrentar
 Os rostos que encontrares;
 Tempo para matar e criar,
 E tempo para todos os trabalhos e os dias em que mãos
 Sobre teu prato erguem, mas depois deixam cair uma questão;
 Tempo para ti e tempo para mim,
 E tempo ainda para uma centena de indecisões,
 E uma centena de visões e revisões,
 Antes do chá com torradas.
 
No saguão as mulheres vêm e vão
 A falar de Miguel Ângelo.
 
 
 E na verdade tempo haverá
 Para dar rédeas à imaginação. "Ousarei" E . . "Ousarei?"
 Tempo para voltar e descer os degraus,
 Com uma calva entreaberta em meus cabelos
 (Dirão eles: "Como andam ralos seus cabelos!")
 - Meu fraque, meu colarinho a empinar-me com firmeza o
 queixo,
 Minha soberba e modesta gravata, mas que um singelo alfinete
 apruma
 (Dirão eles: "Mas como estão finos seus braços e pernas! ")
 - Ousarei
 Perturbar o universo?
 Em um minuto apenas há tempo
 Para decisões e revisões que um minuto revoga.
 
Pois já conheci a todos, a todos conheci
- Sei dos crepúsculos, das manhãs, das tardes,
 Medi minha vida em colherinhas de café;
 Percebo vozes que fenecem com uma agonia de outono
 Sob a música de um quarto longínquo.
 Como então me atreveria?
 
E já conheci os olhos, a todos conheci
- Os olhos que te fixam na fórmula de uma frase;
 Mas se a fórmulas me confino, gingando sobre um alfinete,
 Ou se alfinetado me sinto a colear rente à parede,
 Como então começaria eu a cuspir
 Todo o bagaço de meus dias e caminhos?
 E como iria atrever-me?
 
E já conheci também os braços, a todos conheci
- Alvos e desnudos braços ou de braceletes anelados
 (Mas à luz de uma lâmpada, lânguidos se quedam
 Com sua leve penugem castanha!)
 Será o perfume de um vestido
 Que me faz divagar tanto?
 Braços que sobre a mesa repousam, ou num xale se enredam.
 E ainda assim me atreveria?
 E como o iniciaria?
 
.......
 
Diria eu que muito caminhei sob a penumbra das vielas
 E vi a fumaça a desprender-se dos cachimbos
 De homens solitários em mangas de camisa, à janela
 debruçados?
 
Eu teria sido um par de espedaçadas garras
 A esgueirar-me pelo fundo de silentes mares.
 
.......
 
E a tarde e o crepúsculo tão .docemente adormecem!
 Por longos dedos acariciados,
 Entorpecidos . . . exangues . . . ou a fingir-se de enfermos,
 Lá no fundo estirados, aqui, ao nosso lado.
 Após o chá, os biscoitos, os sorvetes,
 Teria eu forças para enervar o instante e induzi-lo à sua crise?
 Embora já tenha chorado e jejuado, chorado e rezado,
 Embora já tenha visto minha cabeça (a calva mais cavada)
 servida numa travessa,
 Não sou profeta - mas isso pouco importa;
 Percebi quando titubeou minha grandeza,
 E vi o eterno Lacaio a reprimir o riso, tendo nas mãos meu
 sobretudo.
 Enfim, tive medo.
 
E valeria a pena, afinal,
 Após as chávenas, a geléia, o chá,
 Entre porcelanas e algumas palavras que disseste,
 Teria valido a pena
 Cortar o assunto com um sorriso,
 Comprimir todo o universo numa bola
 E arremessá-la ao vértice de uma suprema indagação,
 Dizer: "Sou Lázaro, venho de entre os mortos,
 Retorno para tudo vos contar, tudo vos contarei."
- Se alguém, ao colocar sob a cabeça um travesseiro,
 Dissesse: "Não é absolutamente isso o que quis dizer
 Não é nada disso, em absoluto."
 
E valeria a pena, afinal,
 Teria valido a pena,
 Após os poentes, as ruas e os quintais polvilhados de rocio,
 Após as novelas, as chávenas de chá, após
 O arrastar das saias no assoalho
 - Tudo isso, e tanto mais ainda? -
 Impossível exprimir exatamente o que penso!
 Mas se uma lanterna mágica projetasse
 Na tela os nervos em retalhos . . .
 Teria valido a pena,
 Se alguém, ao colocar um travesseiro ou ao tirar seu xale às
 pressas,
 E ao voltar em direção à janela, dissesse:
 "Não é absolutamente isso,
 Não é isso o que quis dizer, em absoluto."
 
Não! Não sou o Príncipe Hamlet, nem pretendi sê-lo.
 Sou um lorde assistente, o que tudo fará
 Por ver surgir algum progresso, iniciar uma ou duas cenas,
 Aconselhar o príncipe; enfim, um instrumento de fácil
 manuseio,
 Respeitoso, contente de ser útil,
 Político, prudente e meticuloso;
 Cheio de máximas e aforismos, mas algo obtuso;
 As vezes, de fato, quase ridículo
 Quase o Idiota, às vezes.
 
Envelheci . . . envelheci . . .
 Andarei com os fundilhos das calças amarrotados.
 
Repartirei ao meio meus cabelos? Ousarei comer um
 pêssego?
 Vestirei brancas calças de flanela, e pelas praias andarei.
 Ouvi cantar as sereias, umas para as outras.
 
Não creio que um dia elas cantem para mim.
 
Vi-as cavalgando rumo ao largo,
 A pentear as brancas crinas das ondas que refluem
 Quando o vento um claro-escuro abre nas águas.
 
Tardamos nas câmaras do mar
 Junto às ondinas com sua grinalda de algas rubras e castanhas
 Até sermos acordados por vozes humanas. E nos afogarmos.
 
 
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Belíssima tradução de Ivan Junqueira

QUANTO ÀS MULHERES QUE SE VENDEM, SEJAM QUAIS SEJAM

Em "A Sonata a Kreutzer", de Tolstoi:
 
"Não concorda comigo? Permita-me demonstrar-lhe o que digo - começou, interrompendo-me. - O senhor me diz que as mulheres da nossa sociedade vivem com interesses diferentes daqueles das mulheres nas casas de tolerância, mas eu lhe digo que não é assim, e vou demonstrá-lo. Se as pessoas diferem quanto aos objetivos da existência, quanto ao conteúdo interior da vida, esta diferença tem que se refletir sem falta na aparência exterior também. Mas olhe para aquelas, para as infelizes e desprezadas e, depois, para as senhoras da mais alta sociedade: os mesmos trajes vistosos, os mesmos modelos, os mesmos perfumes, o mesmo desnudamentos dos braços, dos ombros, dos seios, o mesmo traseiro apertado e em posição saliente, a mesma paixão por pedrinhas, por objetos caros e brilhantes, os mesmos divertimentos, danças, músicas e canções. Assim como aquelas aplicam todos os seus recursos para atrair os homens, fazem estas também. Nenhuma diferença. Numa distinção rigorosa, deve-se apenas dizer que as prostitutas a curto prazo são geralmente desprezadas, e as prostitutas a prazo longo, respeitadas."

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

EU DIGO COMO FOI

Honório de Medeiros


O apagão no Nordeste - mais um dentre tantos outros - causado por uma queimada, segundo o Governo, lembra aquela gozação popular: poste de energia elétrica não aguenta urina de cachorro. E se, em plena copa do mundo, resolverem encoivarar uma touceira de jurema bem embaixo de um desses postes lá pelo Piauí? Ô vergonha!

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Quer dizer que para a Procuradoria Geral do Estado do Rio Grande do Norte o Ministério Público Estadual vive como se estivesse em uma "ilha da fantasia"? Quem diz assim não é gago. Agora o que eu não entendi foi o seguinte: na "Medida Cautelar na Suspensão de Segurança" a Procuradoria Geral do Estado alude aos "pagamentos vultosos dos atrasados da PAE (parcela autônoma de equivalência)" efetuados, aos seus integrantes, pelo Ministério Público, muito embora, até onde se sabe, aquele Órgão também aja da mesma forma. Quer dizer que a Procuradoria Geral do Estado pode receber a PAE, enquanto o Ministério Público, não?
 
 
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O Itamaraty reclama a entrada, segundo eles "brutal", da Controladoria Geral da União na Comissão que vai investigar o diplomata que deu fuga ao Senador boliviano mantido em cárcere privado na Embaixada do Brasil. É assim mesmo. Os órgãos buscam espaço, dentro do sistema, para manterem ou ampliarem seu "status quo". Como são reflexos dos homens, agem como se eles fossem. Os homens são assim mesmo, consciente ou inconscientemente, por força da lei da seleção natural. Estão sempre querendo mais. Aqui no Rio Grande do Norte o Tribunal de Contas do Estado açambarca, lenta, mas firmemente, as atribuições da Justiça Estadual. E do Ministério Público.
 
 
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E a Câmara dos Deputados livra o Deputado Donadon da cassação. Mais uma vez a elite política do País atira no próprio pé e escarra na Sociedade. Donadon, segundo o relator do seu processo na Câmara, participou de uma organização criminosa que assaltou os cofres públicos de Rondônia". E foi condenado pelo STF. Isso não bastou. Uniram-se os covardes sob o manto protetor do voto secreto e evitaram o quórum mínimo para cassá-lo. O Presidente da Casa, constrangido, determinou seu afastamento e imediata convocação do suplente. "Não é possível manter a vaga de um deputado que está preso", disse Henrique Alves. Donadon, que assistiu a sessão, voltou em seguida para o presídio da Papuda, algemado, onde cumpre pena. Antes, em discurso, reclamara das condições da penitenciária. Só no Brasil...  

A CAÇADORA DE TORNADOS

Camille Seaman:


quarta-feira, 28 de agosto de 2013

CANGAÇO NO RIO GRANDE DO NORTE: A HISTÓRIA QUE NÃO FOI CONTADA

Marcos Pinto
 
Em um dos inúmeros Seminários promovidos para debater a história do cangaço, com ênfase para seus protagonistas, ouvi, de renomados estudiosos desse truculento capítulo da historiografia nordestina, que ainda há muitos episódios e facetas envoltos em abissal mistério.

Constata-se, à exaustão, voluntariosas e inconsistentes omissões quanto à divulgação em livros ou em artigos esparsos. As narrativas equilibram-se de acordo com as circunstâncias e tendências em conflito. São raros os historiadores/pesquisadores que evidenciam e deixam uma lição de coragem e exemplo de independência, gestos ratos numa época de subserviências e fraquezas éticas. Foram/são homens de diretrizes certas e vontades próprias, sob a tutela das quais neutralizam os velhos vícios do mandonismo e do arbítrio. Custeiam, com recursos próprios, as suas publicações em livros e opúsculos, para não fazer como tantos que se atêm com deturpação dos fatos e distorção da história.

Já é perceptível o surgimento de um segmento entre os pesquisadores sobre o cangaço que exorcizam fatos históricos entregues ao olvido. À esses, rendo o meu preito de admiração e respeito, inexpugnáveis.

Os capítulos lacunosos correm num estuário de espanto e de mistérios. Transbordam pelas barreiras do passado, para espraiarem na planície da concretude histórica. No desiderato da pesquisa histórica, é imprescindível que se mantenha uma imparcialidade quase sobre-humana, na apreciação dos fatos e dos homens. Escoimando-se os fatos deliberadamente circunscritos ao olvido e a um silêncio sepulcral.

Ainda visualiza-se a predominância de uma perspectiva de certo modo sombria e preocupante para algumas famílias que tiveram alguns dos seus membros em ativa participação no processo de articulação para a vinda de Lampião e seu bando às plagas citadinas da região Oeste potiguar.

É certo, que as nuances dos ataques banditícios à cidade de Apodi (10.05.1927) e à Mossoró (13.06.1927) reúnem perspectivas históricas inéditas, factuais e cronológicas, exaltadoras de minudências que configuram-se em instigante libelo-crime acusatório. Isso, sem falar em provas documentais envolventes, que foram deliberadamente incinerados, ou perdidos na voragem do tempo.

Observa-se, em pormenores, que a partir do ano de 1919, final do incipiente governo de Ferreira Chaves (1914-1919) instalou-se um clima propício à criação e instalação de grupos de cangaceiros na região Oeste potiguar, processo de terror que contou com veemente proteção e acumpliciamento de algumas figuras carimbadas do judiciário estadual.

Em 1919 o então governador nomeou Desembargador os Juízes de Direito Felipe Guerra e Horácio Barreto, este sobrinho de dona Alexandrina Barreto, esposa do governador Ferreira Chaves. Nesse ano instalou-se no então sítio BREJO DO APODI o grupo de cangaceiros oriundos da serra do Pereiro, capitaneados pelo truculento DÉCIO SEBASTIÃO DE ALBUQUERQUE, conhecido popularmente como DÉCIO HOLANDA, que era genro do não menos truculento TILON GURGEL .

Essa Milícia particular passou a ter integral e ostensivo apoio do Desembargador Felipe Guerra, que era casado com uma irmã de Tilon Gurgel. Portanto, a esposa do bandoleiro Décio Holanda (Chicuta) era sobrinha paterna da esposa de Felipe Guerra.

No ano de 1915 aportaram em Apodi, para fixarem residência e à convite de Tilon Gurgel e Felipe Guerra, os virulentos Juvêncio Augusto Barrêto, irmão da esposa do governador Ferreira Chaves (D. Alexandrina Barreto Chaves) e Martiniano de Queiroz Porto, com fito único de fazerem acirrada oposição política ao Coronel João Jázimo Pinto.

Juvêncio Barreto instalou-se em sua fazenda "Unha de Gato", onde acoitou jagunços oriundos do Ceará, que por sua vez aliaram-se ao grupo de bandoleiros comandados por Martiniano de Queiroz Porto, oriundos da serra do Pereiro, no Ceará.

Como espécies de vasos comunicantes, esses grupos de bandoleiros aliaram-se ao ignominioso bando de cangaceiros comandados pelos celerados Benedito Saldanha e seu irmão Quinca Saldanha. Surge daí o consórcio para o mal, composto pelo Juiz de Direito José Fernandes Vieira, sogro de Martiniano Porto, Desembargadores Horácio Barreto e Felipe Guerra, com fito único de acobertar os crimes perpetrados respectivamente por Juvêncio Barreto (Tio de Horácio Barreto) Décio Holanda e Tilon Gurgel.

No contexto do cangaceirismo, destacaram-se as asquerosas figuras de Júlio Santana de Melo, que por ter a proteção do seu mentor Martiniano Porto, com quem veio para o Apodi, passou a ser conhecido como sendo JÚLIO PORTO, que viria a constituir amizade com o bandido Massilon Benevides, e que mais tarde compuseram o nefando bando de Lampião, nos célebres ataques às cidade de Apodi (10.05.1927) e Mossoró (13.06.1927).

Com a junção desses 04 grupos de jagunços/bandoleiros, capitaneados respectivamente por Juvêncio Barreto, Martiniano Queiroz Porto, Décio Holanda/Tilon Gurgel, e Benedito Saldanha e Quinca Saldanha instalou-se um cenário de horror e provocações ao povo de Apodi.

Delineou-se, assim, um truculento cenário banditício. Esses redutos de grupos de jagunços colocou os seus comandantes em tal situação de poderio, que faziam de suas prepotentes vontades a LEI DOS SERTÕES, e que para exercê-la não hesitavam em cometerem atos violentos, arbitrários e reprováveis. Esses grupos viviam a depredar e perseguirem a população apodiense, prontos ao serviço, submissos às determinações dos despóticos patronos.

Em 1922 o ardiloso Desembargador FELIPE GUERRA traficou influência e indicou o seu amigo particular JOÃO DANTAS SALES para assumir como Juiz de Direito a Comarca de Apodi, tendo como objetivo proteger e tutelar os desmandos e atos de infração à lei e ataques à vida e a propriedade. Benedito e Quinca Saldanha eram os protetores de Massilon, que se julgava afilhado de Quinca Saldanha.

No processo-crime de nº 486, instaurado em 03.05.1925 consta vários depoimentos de respeitáveis cidadãos apodienses, dando conta de que o então Juiz de Direito da Comarca João Dantas Sales acolhia e hospedava, às escâncaras, em sua residência em Apodi, os bandoleiros Benedito e Quinca Saldanha. Era a trinca sinistra comandando a desordem e instalando o pânico.

A pública ligação pessoal e política do Juiz João Dantas Sales, que ocupou a titularidade da comarca de Apodi no período 1922-1925, com Benedito Saldanha/Quinca, Décio Holanda/Tilon Gurgel, Martiniano Porto/Juvêncio Barreto, influenciou-o para alterar a exação que norteia e é dever do Magistrado. Adotou ignóbil proteção e parcialidade quando Benedito Saldanha foi julgado pelo Tribunal Popular do Júri em Apodi, por ter espancado o Sr. Francisco Noronha e uma moça de nome Maria Lúcia, filha do velho Carneiro.

Contribuiu para a absolvição de Décio Holanda quando submetido a julgamento no Tribunal Popular do Júri, por ter atirado e ferido gravemente um rapaz de nome Tertulino Canela. O cinismo e a desfaçatez de Felipe Guerra estão delineados quando afirmou que "No RN não há cangaceirismo", em seu livro intitulado "AINDA O NORDESTE" - Pág. 79 - Tipografia do Jornal "A República" - Ano 1927.

Quando um dia se fizer um acurado levantamento de fatos considerados históricos, atinentes à investida de Lampião e seu bando ao Rio Grande do Norte, restará provado e comprovado que muitas pessoas que viveram a contemporaneidade desses fatos, incorreram em voluntariosa omissão, negando-se a darem seus depoimentos a pesquisadores/historiadores, cujos depoimentos seriam de suma importância para o cotejo das provas. Esquivaram-se sob a pusilânime assertiva de que omitiam-se "por medida de cautela, ocultando evidências que, segundo suas pérfidas óticas, seria natural em quem revolve acontecimentos de ontem, com perspectivas hodiernas de trazer à tona fatos adrede combinados para serem "guardados à sete chaves", como se diz no sertão.

A partir do ano de 1915 foi instalado o clima de terror no município de Apodi, quando aportaram em Apodi os truculentos Srs. Martiniano de Queiroz Porto, oriundo da serra do Pereiro, no Ceará, e Juvêncio Augusto Barrêto, ambos trazendo seus jagunços, geralmente composto por celerados fugitivos da Justiça. Martiniano fixou residência na cidade, onde comprou um prédio residencial assobradado, onde escondia seus capangas. Juvêncio oriundo da cidade de Martins, onde renunciara ao cargo de Vereador, tendo se instalado em uma fazenda que comprara e que era denominada de "Unha de Gato", onde transformou em coito para vários cangaceiros, destacando-se Massilon Leite e Júlio Porto, então adolescente criado por Martiniano Porto. O nome civil de Júlio era Júlio Santana de Melo, tendo adotado o sobrenome Porto em homenagem à Martiniano Queiroz Porto. A vinda desses dois virulentos senhores para o Apodi deu-se em atendimento ao convite feito por Felipe Guerra e seu cunhado Tilon Gurgel, para cerrarem acirrada oposição política ao Coronel João Jázimo Pinto.

Um fato que corrobora o gênio irascível e virulento do Sr. Felipe Guerra atrela-se à minudência de que, em toda sua trajetória de Juiz de Direito e de Desembargador passou mais tempo em disponibilidade do que mesmo no exercício da função judicante. Formou-se uma trinca sinistra no judiciário estadual, com atuação na região Oeste do estado, composta pelos truculentos Juízes de Direito Horácio Barrêto,(Sobrinho de Juvêncio Barreto) que ocupou a comarca de Pau dos Ferros, no período 1901-1915, onde casou com uma moça da família Diógenes, Felipe Guerra, José Fernandes Vieira (genro de Martiniano Porto) e João Francisco Dantas Sales.

Os ânimos desse conluio de Magistrados foram acirrados com a investidura de Ferreira Chaves no governo estadual para o período 1914-1919, sendo certo que em 1919 Ferreira Chaves promoveu para Desembargadores os magistrados Horácio Barreto, sobrinho de sua esposa Alexandrina Barreto, e Felipe Guerra, que por sua vez convidou o seu amigo íntimo o Juiz de Direito João Francisco Dantas Sales para ocupar a Comarca do Apodi, consumando um plano adrede traçado para que este Juiz perseguisse a harmoniosa e pacífica hoste política da tradicional família PINTO, comandada pelos Coronéis João Jázimo Pinto e seu genro Coronel Francisco Pinto. Felipe Guerra era casado com uma irmã do não menos truculento Tilon Gurgel.

O período da titularidade do Juiz João Francisco Dantas Sales (1922-1925) transformou a região do Apodi em palco de toda sorte de atentados à integridade física e à propriedade privada. Esse magistrado transformou sua residência em coito para os celerados Benedito Saldanha e seu irmão Quinca Saldanha, famosos chefe de grupo de cangaceiros instalados em Caraúbas, em sua fazenda denominada de "Setúbal". O douto Juiz chegou ao disparate de acoitar em sua residência a um arruaceiro de nome Manoel Elias de Lima, que acabara de praticar uma tentativa de homicídio dentro do mercado público de Apodi, quando alvejara com um tiro de revólver o cidadão Vicente Gomes de Oliveira. Observava-se às escâncaras o conúbio criminoso-protetivo existente entre o Juiz João Dantas Sales e os Chefes de cangaceiros Décio Holanda/Tilon Gurgel, Martiniano Porto/Juvêncio Barrêto, Benedito Saldanha/Quinca Saldanha.

Há um fato emblemático contido no Processo-Crime de Nº 486/1925,(Comarca de Apodi) em que aparece como indiciado o celerado Décio Holanda , cujo nome civil era Décio Sebastião de Albuquerque, e que representa um liame com o ataque de Lampião e seu grupo à Mossoró. Trata-se do depoimento do respeitável cidadão Vicente Gomes de Oliveira, prestado a 03.05.1925, que dentre outras arguições, afirmou: " Que é público e notório nesta cidade do Apodi, que Décio Sebastião de Albuquerque comprou em Mossoró dois mil cartuchos com balas para rifle e que estão depositadas em sua propriedade "Pedra das Abelhas" neste município. Na época correram rumores que a compra do arsenal bélico feita pelo Décio fora intermediado por Felipe Guerra e Jerônimo Rosado. Que Décio tem em sua casa de residência, na residência de seu sogro Tilon Gurgel e na casa de Belarmino de Tal, tudo na mesma propriedade "Pedra das Abelhas" e em sua outra propriedade denominada "Pacó" grande quantidade de armamentos e mais munições para o fim de atacar com cangaceiros os habitantes desta cidade amigos políticos do Coronel João Jázimo, ao própiro Cel. João Jázimo, atacando simultaneamente a força pública mandada pelo governador do estado para manter a ordem nesta cidade".

Como o Juiz João Dantas Sales soube no mesmo dia 03 de Maio que o então Delegado Especial Capitão Jacinto Tavares Ferreira ouvira em depoimento o Sr. Vicente Gomes de Oliveira, e que nesse mesmo dia o dito Delegado mandara lavrar Auto de Busca e Apreensão a ser cumprida por um efetivo policial composto por 40 praças e um Sargento no dia seguinte , enviou mensageiro especial para a fazenda "Pedra das Abelhas" avisar aos bandoleiros Décio Holanda e Tilon Gurgel, que neste mesmo dia enviaram o arsenal em comboio animal para a fazenda dos celerados Benedito e Quinca Saldanha, em Caraúbas. O certo é que, efetivamente a 04 de Maio de 1925 a tropa policial dirigiu-se para "Pedra das Abelhas", onde no lugar conhecido como "Saco do barro" houve o confronto entre a jagunçada de Décio Holanda/Tilon Gurgel, evento que inserí nos anais históricos como tendo sido O FOGO DE PEDRA DE ABELHAS, cujo relato foi objeto de artigo publicado em plaquete, pela Coleção Mossoroense, e no Blog "Honoriodemedeiros.blogspot.com".

A fidagal amizade existente entre Felipe Guerra e Jerônimo Rosado remonta ainda ao ano de 1907, quando cerraram fileiras em Mossoró com o Coronel Vicente Sabóia de Albuquerque (parente de Décio) na luta pela implantação do ramal ferroviário Porto Franco - Mossoró. Em Setembro de 1926 o então Desembargador Felipe Guerra foi posto em disponibilidade, quando então retornou à Mossoró para assessorar o amigo Jerônimo Rosado. Nasceu aí o complô para a vinda de Lampião à Mossoró, com o fito único de eliminar o Prefeito Rodolfo Fernandes e proporcionar a volta do Jerônimo Rosado ao poder municipal. Jerônimo Rosado havia sido Presidente da Intendência Municipal de Mossoró (cargo que em Agosto de 1926 passou a ser denominado de
Prefeito) , tendo como Vice-Presidente (Vice-Prefeito) o Dr. Antonio Soares Júnior, médico e genro de Felipe Guerra.

Lembro-me que o meu avô paterno Aristides Ferreira Pinto,(1907-1975) que era irmão legítimo do Coronel Francisco Pinto,(1895-1934) contou-me pormenores da carta enviada pelo irmão ao seu parente Rodolfo Fernandes, informando, dentre outros detalhes, que soubera por fonte fidedigna, de que o arsenal comprado por Décio Holanda em Mossoró no ano de 1925, fora transferido em comboio animal noturno, da fazenda dos Saldanha em Caraúbas, para a fazenda "Bálsamo", de Décio Holanda, encravada na serra do Pereiro, no Ceará. Nos depoimentos dados em Pau dos Ferros pelos cangaceiros MORMAÇO E BRONZEADO foram unânimes em afirmarem que Lampião passou mais de um mês acoitado com o seu bando entre as fazendas de Décio Holanda e seu primo Zé Cardoso, preparando-se para o ataque à Mossoró, e que Lampião recebera de Décio e Zé Cardoso dois mil cartuchos com balas para rifle.

Em uma das edições do Jornal mossoroense "Correio do Povo" consta um comunicado de que o chefe de cangaceiros Benedito Saldanha, dias depois do ataque de Lampião à Mossoró, telegrafara ao então Chefe de Polícia do estadual Dr. Benício Filho (Manuel Benício de Melo Filho) informando que o cangaceiro Coqueiro, que fora um dos cangaceiros que atacara Mossoró, fora morto em sua fazenda "Várzea Grande", proximidades da cidade de Limoeiro do Norte, em confronto com a policia cearense. Soube-se depois que o mesmo fora morto por cangaceiros de Benedito Saldanha, cumprindo o costumeiro processo de "Queima de Arquivo".

Para maiores esclarecimentos acerca do ataque lampionesco à Mossoró, sugiro a leitura do Blog "honoriodemedeiros.blogspot.com (No ítem CORONELISMO) e adquirir por compra o memorável e elucidativo livro "MASSILON" , de autoria do profícuo e renomado historiador do cangaço Honório de Medeiros.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

O QUE ESTÃO FAZENDO COM O ENSINO DOS NOSSOS FILHOS?

Honório de Medeiros


Para Bárbara Lima de Medeiros


                   Minha filha tem 15 anos. Faz o primeiro ano do antigo segundo grau. Daqui a dois anos tentará a Universidade. Ela entra na Escola onde estuda às 07h15min e sai as 13h00min, exceto na sexta-feira, quando entra no mesmo horário e sai às 20h00min. Após chegar em casa, tomar banho, e almoçar, e senta em seu birô e estuda até as 18h00min. Para por 1 hora, janta e repousa um pouco, retoma os estudos as 19h00min e continua até as 21h00min, quando vai dormir.

                   Essa rotina prossegue no sábado, até as 18h00min. Ou seja, livre, livre mesmo, para seu próprio interesse, ela somente dispõe do sábado à noite e do domingo. Somente.

                   No horário que lhe foi preparado a título de subsídio pela Escola na qual estuda, seu dia terminaria às 22h00min. Achei demais e cortei 1 hora. Assim ela pode, durante essa hora que lhe foi presenteada, escutar música, dançar, trocar mensagens com os amigos, assistir seus seriados de televisão, fazer, enfim, o que bem entende.

                   Sua rotina dura, já, sete meses. Virão ainda, no mínimo, mais dois meses pela frente, este ano. Em seguida, outro ano virá tão duro ou mais que o anterior, e, por fim, o terceiro e último de sua vida escolar, que promete ser ainda pior que os dois anteriores, pois antecedem sua entrada na vida universitária.

                   Ressalto que essa rotina de estudos foi escolha do casal, com aprovação de nossa filha, e a instituição escolhida é considerada uma das melhores, senão a melhor da cidade, com resultados excelentes no que diz respeito à aprovação de seus alunos para as diversas universidades do País.

 Sei que sob a perspectiva de muitos ela é uma privilegiada, pois vive em um País onde muitos sequer têm condições de estudar. Claro que a luta para que todos tenham condições de estudar também é a minha luta, mas essa é outra questão, a ser analisada sob outros parâmetros. O que se questiona aqui é o modelo educacional do Estado brasileiro.

                   Confesso: eu não suportaria.

                   Fiz as contas, dia desses: tendo, como tem o dia, vinte e quatro horas, minha filha de quinze anos trabalha, diariamente, exceto aos domingos, doze horas por dia. Durante esses três anos mencionados, do atual ao último do secundário, dos seus 15 aos 18, uma das mais belas fases da vida, minha filha trabalhará, diariamente, doze horas por dia. Doze horas por dia! Quanto ao domingo, nele o cansaço e o pouco tempo disponível depois do longo e necessário sono impedem qualquer programação que venha a lhe interessar.

                   E minha filha não estuda aos domingos porque eu não permito.

                   Agora eu pergunto: o que estão fazendo com o ensino dos nossos filhos?

                   Mas isso não é o pior. O pior é que as disciplinas que lhes são impostas não respeitam suas características pessoais, suas individualidades, seus gostos e aptidões. Minha filha, por exemplo, adora História, Literatura, Sociologia, Ciência Política, Cinema, Música, Arte, e assim por diante. Detesta Física, Química, Biologia e Matemática. Mas isso não importa, não incomoda ao sistema, que encurrala todos em uma vala comum, forçando-lhes a dissipar tempo e energia com o estudo de disciplinas que não lhes interessam, tampouco vai lhes importar em seu futuro, e se algum dia elas vierem a ser necessárias, nada impede que nessa ocasião cada um deles a estude na medida de seu interesse.

                   Sei e falo de cátedra que não importa nem vai lhes importar. Fui aluno, sou professor universitário e de pós-graduação, mestre em Direito, e ao longo de toda a minha vida nunca precisei da Química, Física, Matemática e Biologia que estudei desde meu curso ginasial até a Universidade.

                   Compreendam que o mesmo se há de dizer de alunos que profundamente interessados em matemática, por exemplo, não entendem porque precisam mergulhar profundamente na literatura, português, sociologia, arte, e assim por diante. Ressalto: mergulhar profundamente.

                   Fruto de um modelo ultrapassado, calcado exclusivamente no repasse de informação – por mais que se diga o contrário -, nivelador – por baixo – e podador do que há de mais belo no ser humano, qual seja sua individualidade, suas características específicas, sua condição de ser único e, ao mesmo tempo, semelhante aos outros, o massacrante, equivocado e alienado ensino brasileiro age, em relação aos seus jovens, como as ditaduras em relação ao povo: sorvem-no e o expelem empacotado e rotulado, dizem-lhe até onde deve ir e o que pode falar, e, por fim, tentam, até mesmo, controlar-lhe o pensamento, as idéias, e os sonhos...

                   Óbvio que existe uma lógica inerente a esse sistema. Tal lógica guarda um espaço limitado para os que a ele não se amoldam. É da lógica do sistema esse espaço limitado, como é da lógica da física a existência de uma válvula de escape para os gases dentro da panela de pressão. Mas esse espaço não pode ser expandido. O sistema, tal qual ele é, não permite que seu status quo seja ameaçado pela expansão do pensamento criador, da liberdade, da independência dos seus elementos estruturais. Na independência, há liberdade, na liberdade, há criação, na criação há mudança estrutural, e quando há esse tipo de mudança ruem as estruturas carcomidas, as idéias anacrônicas, os valores questionáveis.

                   Tenho consciência de que uma andorinha só não faz verão. Por isso busco outras andorinhas que possam existir por aí afora. Quem sabe haja outras, que se incomodem, que questionem, que critiquem. Mesmo que não as encontre, eu busco, e pelo menos o registro de minha inquietude há de ficar.

                   Observo, por fim, que essas observações dizem respeito, também, ao dia-a-dia dos nossos filhos que são universitários. No curso de Direito, especificamente, tendo em vista a obsessão nacional pelo concurso público, talvez seja onde estamos patinhando com mais persistência na mediocridade.

                   E, por fim, no que diz respeito a minha filha, travo uma luta solitária, infelizmente dentro do sistema, procurando as brechas, os espaços ocultos, as fissuras, para lhe proporcionar a vida que sua inteligência e sensibilidade escolherem, e não aquela que tentam lhe impor.

                   Mas tem sido muito difícil.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

NÃO, CUBA NÃO POSSUI UMA DAS MELHORES MEDICINAS DO MUNDO!

Rodolfo Cabral
 
 
Tenho tentado me abster do debate do programa "Mais Médicos". As discussões beiram à imbecilidade recíproca. Mas alguns argumentos merecem destaque.

 O primeiro de todos é a excelência da medicina cubana. Não, Cuba não possui uma das melhores medicinas do mundo. Vou contar algo sobre o capitalismo, que talvez choque o mundo: ele não tem escrúpulos. Hotéis de luxo em cuba custam menos de U$ 50,00, se a medicina cubana fosse esse supra-sumo da eficiência, haveria milhares de pacotes CVC para tratamento médico em Cuba, pouco importando com os debates políticos, o capitalismo acharia um jeito.
 
Os dados sobre a saúde cubana também não são confiáveis, apesar de se mostrar como único país das Américas que controlou a AIDS, o país não dispõe do exame ELISA, principal para detecção da doença. Contudo, a medicina cubana se adaptou à falta de recursos. A limitação de exames, medicamentos e até de outros profissionais, fizeram com que os médicos cubanos fossem exímios num tipo de medicina rara em nosso meio, uma medicina mais preventiva, mais "caseira", com menos recursos. ESSA é a razão de médicos cubanos serem requisitados mundo afora, eles aprenderam a tratar a pessoa em condições que outros médicos não foram preparados. As regiões para as quais os médicos serão mandados serão áreas carentes, não serão enviados para um centro de referência contra o câncer, mas um interior cujos principais casos serão diarreia infantil e garganta inflamada. Qualquer outra coisa é basicamente estabilizar e enviar para a capital.

Outra falácia é desenhar os médicos como monstros insensíveis. Eles tem a razão deles! Trabalhar numa periferia ou numa cidade do interior, na qual não se tem enfermeiros qualificados, onde você se torna único responsável pela vida daquela população é desumano! Eles não são playboys burgueses por quererem trabalhar onde tem condições mínimas, eles são racionais. Você não pode obrigar um médico a trabalhar feito um condenado por "amor" à vida. Professores, quase anualmente, fazem greves por melhores condições para o ensino público e salários mais compatíveis. É direito deles reivindicar essas condições, e além de direito deles, é benefício próprio.

 Outro argumento que beira a ser chulo é que não faltam juízes no interior por haver plano de carreira. Na verdade, os médicos não quereriam um plano de carreira como os dos "juízes", se soubesse do que se trata. Primeiramente, um juiz em início de carreira ganha 12 mil líquido, havendo um déficit enorme de juízes no Brasil. Esse mesmo juiz, leva cerca de 15 anos para ser removido para uma comarca de 2ª entrância (entrância, não instância), que seria uma cidade de em torno de 30 mil a 60 mil habitantes, dependendo do Estado. Se seguisse a carreira semelhante aos dos juízes, os médicos não poderiam dar plantão por fora, não teriam outro emprego, não poderiam POSSUIR consultórios, montar clínicas. Juiz também não tem carga horária. Apesar das audiências serem poucas, é comum os juízes trabalharem fins de semana e feriado, em casa, para cumprir as metas do CNJ, caso contrário ficam fora da linha de promoção (e os quinze anos, podem passar a ser 20). Hoje, um juiz em cinco desistem nos primeiros dois anos de carreira, numa área de trabalho na qual o maior salário que você consegue é o de juiz, depois de cinco anos estudando para um concurso público, que facilmente supera os 10 mil candidatos por vaga.

 Sobre o valor repassado por Cuba... isso é realmente preocupante. O salário médio de um médico cubano é de R$ 600,00 por mês. Segundo explicações (vi no portal do pragmatismo político, não recordo em qual artigo) a justificativa para retensão dos salários pelo governo cubano é para que o salário não seja excessivamente alto, a ponto de desestimular os médicos na ilha, nem baixo, para estimular a vinda. Ocorre um problema sério aí. No Brasil, vigora o princípio pelo qual o Direito trabalhista aplicado é o pátrio, se os serviços forem feitos aqui. Há o princípio da isonomia salarial , os médicos cubanos não podem receber menos pelo mesmo trabalho, apenas por serem cubanos. Como o governo é tomador dos serviços, responde solidariamente pela falta do salário. Isso, falo, do ponto de vista patrimonial, porque do ponto de vista humanístico, dispenso comentários.
Por fim, o programa "Mais Médicos" é mais benéfico. Trabalho com prefeitura de interior, sei da dificuldade dos municípios em contratar e pagar, não é falta de boa-fé, é de dinheiro mesmo.

domingo, 25 de agosto de 2013

PREPAREM OS CORAÇÕES E MENTES: VEM AÍ O CARIRI CANGAÇO 2013




Honório de Medeiros


                   Preparem os corações – e mentes – aficionados da História do Sertão nordestino: vem aí o Cariri Cangaço!

                   Vem aí o Cariri Cangaço, edição 2013, a acontecer de 17 a 22 de setembro do corrente, no Cariri cearense, sediado em Crato, Juazeiro do Norte, Barbalha, Missão Velha, Aurora, Barro e Porteiras, terras abençoadas por nosso Padrinho Padre Cícero, cidades belas e plenas de histórias envolvendo coronéis, cangaceiros, místicos, jagunços, repentistas, cordelistas, bem como gestas, feitos-de-armas, traições, valentia, banditismo, tudo quanto constitui a ancestral saga do sertanejo nordestino.

                   O Cariri Cangaço é um evento singular, único, e anual, e congrega todos quanto se interessam pela História do Sertão do Nordeste brasileiro. Na região aportam desde estudiosos de outras nacionalidades até fascinados estudantes juvenis, passando por doutores tipo Ph.D. - com anelão na alma e vetustos textos no cérebro, a pontificarem acerca de todos os temas que se apresentem -, sem esquecer os narradores, aqueles que mesmo sacrificados por dificuldades inimagináveis, cortam o Sertão de ponta a outra, pesquisando, perguntando, fotografando, gravando, fazendo ilações – às vezes mais literárias que científicas – registrando e trazendo a lume tudo quanto de relevante na região aconteceu.

                   Que belos e fundamentais papéis esses narradores vêm fazendo ao longo do tempo!

                   À frente dessa Babel organizada a coordenação firme e talentosa de Manoel Severo Gurgel Barbosa, um exemplo de empreendedor cultural, liderando alguns amigos dedicados e tão fascinados quanto ele por essa rica variante da História do Brasil. Os números com os quais lida Severo, em termos de logística e pessoal são impressionantes, principalmente se levarmos em conta que não estamos escrevendo acerca de um evento a ocorrer em uma grande cidade. Muito antes pelo contrário.

                   Severo, por si só, e o “como” surgiu e se expandiu o Cariri Cangaço já valem um livro que com certeza há de ser escrito: inegavelmente constrói-se uma interessante história enquanto é promovido seu resgate e discussão.

                   Aonde quer chegar o Cariri Cangaço? Se no início a ideia era resgate e discussão, hoje, premido pelo próprio crescimento sustentado e receptividade em todos os quadrantes, o evento alcança outros Estados do Nordeste, movido pelo mesmo ideal e, assim, permitindo a participação de um fluxo maior de interessados, agregando-os e dando continuidade a essa festa cultural – festa, isso mesmo – ímpar, onde os protagonistas, mais que os palestrantes, debatedores, conferencistas, plateia, é a História, com “H” maiúsculo, do Sertão nordestino, o Sertão dos coronéis, de Padre Cícero, e Lampião.

                   O Cariri pode não saber onde vai chegar. Mas com certeza quer ir.

                   Assim seja!

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

OS MÉDICOS CUBANOS E OS GROTÕES

Honório de Medeiros


Consta que estão vindo por aí os tais médicos cubanos para trabalhar nos grotões. Segundo alguns, um bom número, aliás, viriam para fazer proselitismo político para o PT, nos mesmos moldes acontecido na Venezuela enquanto parte da estratégia de Chávez para se perpetuar no Poder. O PT e o Governo negam, claro. Só o tempo dirá quem tem razão.
 
Se o projeto do PT é, realmente, utilizar os médicos cubanos para fazer proselitismo político nos grotões, sejam esses rurais ou urbanos, sejam nas grandes ou pequenas cidades, eu, particularmente, não acredito que seja bem sucedido.
 
Esses grotões, eu os conheço bem. Meus pais são de lá. Meu pai nascido em São João do Sabugi, minha mãe em Pau dos Ferros. Alguns anos atrás coordenei uma campanha para Governador no Alto Oeste, a de Geraldo Melo, e duas para Prefeito de Pau dos Ferros. E perdi as contas das campanhas das quais participei em Natal, indo aos seus grotões, lidando com seus eleitores e líderes.
 
Pois bem, há dois obstáculos, e grandes, a serem destruídos ou contornados, para que esse projeto de proselitismo, se é que ele existe, possa ser bem sucedido. O primeiro é quanto à infraestrutura para o atendimento do povo que será consultado pelos cubanos. Hoje não existem remédios, exames laboratoriais, seringas, gazes, algodão, fio cirúrgico, luvas, e fico por aqui que é até onde sei, nos grandes hospitais, quanto mais nos postos de saúde, pequenos hospitais, casas de saúde, maternidades, espalhados por esse Brasil afora e adentro.
 
O cubano vai examinar, depois receitar ou encaminhar, ou os dois, e então? O que se segue? Das duas uma: o paciente procura a liderança a quem é vinculado, seja vereador, seja líder comunitário, seja Prefeito, seja qual liderança seja, e há de se repetir o mesmo processo que acontece no Brasil desde os tempos coloniais, qual seja a liderança condicionar a liberação do pedido à votação em seus candidatos, ou o paciente busca resolver seu problema gastando do próprio bolso. Nesta hipótese do paciente bancar suas despesas do próprio bolso duvido muito que ele vincule seu voto a qualquer liderança da qual não depende.
 
E o segundo obstáculo diz respeito a como a "política" é concretamente realizada no Brasil, hoje, em seus grotões. Em uma ponta está o eleitor fragilizado economicamente; na outra, aquele do qual depende para a solução dos seus problemas de saúde, que é a liderança local, base de uma estrutura que se estende até o topo, e que detém, em suas mãos, a possibilidade de lhe conseguir ambulância, caixão-de-defunto, remédio, internação, exames, cirurgias, e assim por diante.
 
Esse eleitor vota em quem sua liderança pedir, digamos assim, eufemisticamente. E essa liderança segue, visceralmente, o Prefeito, nas pequenas cidades, ou o Vereador/Deputado, nas grandes. E os Prefeitos e Vereadores/Deputados não necessariamente acompanham o PT. Nem permitirão, em qualquer momento, que haja proselitismo político, em suas bases, contrário aos seus interesses político-partidários.
 
E lá vem a consequência: os tais cubanos serão monitorados dia-a-dia, hora-a-hora pelas lideranças que são a base do "edifício" político-partidário brasileiro nos grotões. Se não se adequarem, adeus! Tudo vai dar errado para eles, literalmente tudo...
 
É uma questão de sobrevivência. Sei como acontece. Vi acontecer.
 
Portanto...
 
No mais é somente dizer o que até as pedras sabem: o SUS é uma farsa. E onde é seu elo mais frágil? Nos grotões. Se o SUS funcionasse como planejado, não haveria esse encurralamento do eleitor mais frágil. Ele não dependeria do seu "coronel". É por essa razão que os municípios dos grotões não acabam, nunca, com a "ambulancioterapia".
 
É simples assim.
 

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

CAMINHO SÓ!

 
Honório de Medeiros
 
Aos desavisados desse mundaréu sem eira nem beira: escrevo por prazer ou indignação. Prazer ou Indignação! E não tenho compromisso algum com qualquer religião ou ideologia. Ou com quem quer que seja. Não sou instrumento de qualquer credo ou facção política. Tampouco quero instrumentalizar. Se alguém caminha ao meu lado, o faz por livre e espontânea vontade. Caminho só.

MUNDO PEQUENO, PEQUENO MUNDO

Honório de Medeiros


Lá pelos meados do século XIX, Nadeja Nárichkina, aristocrata russa fascinante, que casara muito jovem com Alexander Nárichkin, herdeiro de uma das mais ilustres e nobres famílias da Rússia e de quem tinha um filho, começou um caso com um belo e abastado aristocrata chamado Alexander Sukhovo-Kobilin, talentoso dramaturgo.
 
Esse adultério foi descoberto e Nadeja se viu, então, envolvida no assassinato da amante francesa de Sukhovo-Kobilin, crime pelo qual seu amante acabou na prisão.
 
Grávida de um filho do seu amante, a bela e adúltera russa de cabelos ruivos fugiu para Paris às pressas e escondida. Em lá chegando logo passou a reinar nos salões famosos da cidade, da mesma forma que reinara nos salões de São Petersburgo.
 
Em Paris Nadeja conheceu Alexandre Dumas, filho, já famoso com a publicação de "A Dama das Camélias" e se envolveram. Nadeja passou a ser seguidamente adúltera. Dumas somente pode casar-se com ela em 1864, após a morte do seu esposo. Tiveram uma filha.
 
Um fato ocorrido em Paris, naquela época, chamou a atenção da Europa: um determinado cidadão, já divorciado, ao saber que sua ex-esposa passara a ter um outro relacionamento, a assassinou.
 
A lei francesa era leniente em casos como esse, e pouco importou a maciça campanha contra o homicida e a lei, desencadeada pela imprensa parisiense.
 
Dumas reagiu se posicionando contra a imprensa e dando razão ao assassino. Foi além. Escreveu um ensaio, "L'Homme-Femme', que fez furor na França. No ensaio o escritor, mesmo a par do passado de Nadeja, ou talvez por isso mesmo, defendeu que o marido é, em última instância, o árbitro moral do casal, e justificou o assassinato.
 
Além de "L'Homme-Femme", e "A Dama das Camélias", esta sua obra mais conhecida, Dumas filho também escreveu uma semi-biografia bastante aclamada, "L'Affaire Clemenceou". Frasista admirado, certa vez se perguntou: "Como é possível que sendo as criancinhas tão inteligentes, a maioria das pessoas sejam tão tolas? A educação deve ter algo a ver com isso!"
 
Consta, também, que esse ensaio influenciou Tolstoi quando este escrevia "Anna Kariênina". Uma interessante triangulação: São Petersburgo, Paris, São Petersburgo.
 
Segundo Rosamund Bartlett, autora de uma louvada biografia do Conde escritor, e fonte deste texto, é esse sentimento "que Tolstoi exprime por meio de sua pouco celebrada heroína Dolly em "Anna Kariênina", talvez sua obra mais controversa, tirante os textos místicos.
 
Tólstoi morava em Moscou na época do crime no qual Nadeja foi envolvida, e, enquanto aristocrata, conhecia todos os envolvidos no episódio.
 
E até o final da vida, mesmo imerso em apurado misticismo do qual decorria sua revolucionária postura, por exemplo, contra a propriedade privada, bem como a defesa intransigente de que nunca se deveria reagir à violência, jamais deixou de considerar correta essa posição de árbitro moral do casal como algo inerente ao homem.
 
Mundo pequeno, pequeno mundo...

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

DE COMO UM AMIGO ENCONTROU A FÉ

Honório de Medeiros
 
Certo amigo meu, até recentemente ateu, me contou acerca de sua conversão. Disse-me ele que na meia-idade, a qual chegara por tortuosos caminhos, após perambulações de toda a ordem no universo dos livros, deu-se conta que chegara o momento de fazer um balanço em regra de sua vida passada para fazer um planejamento, mesmo que capenga, do resto dos seus dias. Um assunto, em especial, assim pensava ele, clamava por sua atenção: sua relação com a Fé. Após esse primeiro ponto firmado, pôs-se a examinar o tema por um viés, digamos assim, oblíquo: entendeu que o importante era pensar acerca do mundo tal qual o estava encontrando, naquele momento. Colocou as mãos à obra. E, em sua procura, olhando para os lados, e em frente, por todos os ângulos, de todas as formas, somente encontrou o horror, a escuridão mais negra, uma história de sangue e dor, excetuando-se um ou outro ponto de luz a sobreviver sabe-se lá como, nem porquê. Fez-me um paralelo: imagino o milagre da sobrevivência da Igreja no auge da Alta Idade Média, após a queda de Roma, quando iniciou o período que os historiadores antigos chamavam de "Idade das Trevas". O mundo se transformara, ali, em um caos. Mas a Igreja sobreviveu graças aos monges irlandeses, que no silêncio e na solidão de seus monastérios, copistas que eram, crentes integrais, legaram ao futuro a doutrina de Cristo. É como se hoje em dia vivêssemos um período semelhante. Horror e escuridão, novamente, ou sempre, e o mal lutando com unhas-e-dentes para dominar, para ser hegemônico. Guerras, genocídios, estupros, roubos, torturas, infanticídios... A lista é infindável. Se há o mal, disse-me ele, à guisa de conclusão, então há o Bem. Se há o Bem, então há Deus. E, assim, via essa conclusão estranha, mas de forma alguma absurda, ele chegou à Fé. Deus o tenha.

domingo, 18 de agosto de 2013

FALAR MAL DOS POLÍTICOS, ESSA CONDUTA UNIVERSAL...


Cemitério Judeu de Praga


Honório de Medeiros


Flanando pela Europa, mais precisamente no Leste Europeu, em abril deste, fiz uma anotação na minha agenda que tomo a liberdade de repassar para vocês:
"Todos os guias que contratamos nesta viagem, e foram quatro, falaram mal dos políticos de seus países. Será um fenômeno universal?
 Às vezes tenho a sensação de que algo está para acontecer, ou seja, o desprezo, a impaciência, do povão vai se transformar em revolta - mesmo no Brasil, covarde, atoleimado - e muita desgraça acontecerá.
Nossa guia tcheca, quando lhe perguntei acerca do seu novo Presidente, respondeu: "vocês conhecem o modelo: é ignorante, demagogo e beberrão". Eu quis esboçar um protesto, mas deixei para lá em homenagem ao filho que ela teve com um nordestino.
A guia austríaca apontou-nos um belo prédio e comentou: "esta é a Casa do Absurdo, mais conhecida como Parlamento".
O guia português, extremamente formal - usava o vós majestático de quando em vez - era mais sutil, mas desceu a peia verbal nos governos europeus, generalizando.
E a guia húngara, uma bela balzaquiana de pele de criança, loura, nariz afiladíssimo, olhos azuis, azuis, nos apontou a sede permanente do Circo Húngaro e nos apresentou a sua vertente irônica: "este é o segundo maior circo do País." "Qual é o primeiro", perguntei. "O Parlamento", respondeu.
Percebam que aqui as instituições funcionam, mesmo assim há essa irritação, esse desprezo, achaque constante em relação aos políticos. E esses sentimentos existem no Brasil, agravados pelo absoluto descompasso entre nossa elite dirigente, a se comportar como predador esfaimado ante o patrimônio público, e o resto do povo.
Desprezo, essa é a palavra chave. Irritação é o sentimento que está surgindo, lento, firme e constante. Tomara que toda essa carga negativa não se transforme em ódio, mas é difícil acreditar que tanto descaso possa durar para sempre, mesmo em ditaduras..."

sábado, 17 de agosto de 2013

TUCÍDIDES E A PESTE


Franklin Jorge
 
 
Tucídides, historiador e comandante naval que viveu em 460 antes de Cristo sobreviveu à peste e a descreveu, objetiva e subjetivamente, como depoimento pessoal e como testemunha ocular dos fatos narrados em curto e contundente relato. Assim pode escrever que, enquanto homens morriam como mosquitos, à sua volta, “nenhum temor às leis divinas os refreava”. Era cada um por si e pela hora da morte.
 
Escreveu e pôs em palavras a própria experiência que desde então dá uma descrição da peste. Como uma presa da epidemia que avassalou Atenas, sentiu Tucidides em seu íntimo - como os seus demais companheiros de infortúnio - que uma sentença bastante mais severa lhes fora, irrevogavelmente, proferida e esta anulava decretos e costumes humanos. E, antes que a sentença se cumprisse, queriam todos ainda extrair algum prazer da vida.
 
Ora, a ordem do mundo se inverte tão logo a peste é reconhecida, adverte-nos Elias Canetti [1905-1994] em sua obra magna de pensador provocado pelo fenômeno das massas, quando ele se reporta em um denso e curto ensaio sobre o horror que reina sob o domínio da peste. Sabe-se já que a peste não desaguará em outra coisa senão na morte conjunta de todos, e isto, por si, explica toda descrença e revolta. Na iminência do extermínio físico, os vínculos morais entre os homens são extintos e prevalece como padrão a ânsia e o instinto de sobrevivência que faz o homem, ainda que agonizante, lutar pela vida até o último suspiro.
 
Eis, pois, o que a peste tem em comum com o terremoto: a aniquilação total, segundo a síntese de Tucidides que a vivenciou na alma e na própria pele. Em sua ação cumulativa, parece ter a peste sobre os homens o efeito de um cataclisma. No começo da peste, poucos são os apanhados. E no fim do ciclo pestilencial - que pode durar meses e até um ano inteiro -, poucos são testemunhas de uma grande mortandade, como nos terremotos.
 
Por um processo semelhante ao da peste, sorrateiramente, um partido da mais alta periculosidade, encapuzado de PT, infiltrou-se por toda a parte contaminando com o vírus deletério da corrupção a máquina do estado e, de maneira contundente desconstruindo os costumes, urdindo em surdina a dissolução da família e estimulando conflitos raciais e de fé entre brasileiros que antes não se digladiavam e viviam em paz. E, como resultado desse processo de desmonte da nação, instituições abaladas; corrupção e impunidade como faces de uma mesma moeda em que se transformou, aos olhos do mundo, o país de Macunaíma regido pelo lullupetismo.
 
Foi o que aconteceu no último decênio que solapou a paz pública sob a bandeira de um partido – ou facção partidária – oriunda do sindicalismo e amamentada de ideias marxistas e gramscianas, em uma permanente luta pelo poder através da doutrinação e do aparelhamento do estado por hordas de militantes dispostos a tudo. O Brasil tornou-se um subproduto dessa ideologia que aspira ao totalitarismo. A república da esbórnia, do crime e duma pseudo democracia, isto é, do populismo irresponsável e incontinente, para ludibriar incautos.
 
Nenhum partido terá produzido entre nós uma herança mais deletéria. O PT, do qual resultou esse caldo de culturas socialistas que contaminou e infeccionou a democracia, fazendo do país o que é sob o desgoverno petista.
 
Mancomunados com dirigentes das mais execráveis tiranias – como as que integram o Foro de São Paulo -, armou o PT uma teia criminosa e tem tentado em todas as ocasiões controlar e amordaçar a imprensa e a internet, privando-nos a todos da liberdade de opinião, dos principais pilares de uma democracia firme. Promoveu a cultura dos trabalhadores que, como sabemos, prega o ressentimento, separa e confronta, acirrando a luta de classes. A participação de membros do governo ou dele beneficiários em confrontos de rua, agindo como vândalos, tenta desacreditar um movimento que brotou da indignação dos brasileiros. Todo esse descalabro sem nome sedimentou-se e expandiu-se ao longo desses últimos dez anos sem que nos déssemos conta da sabotagem do PT contra a democracia e o seu empenho incansável em domesticar a opinião e manietar a imprensa, sempre em seu ansiado projeto de transformação do Brasil em um gulag bolivariano.
 
Em resumo, o PT tem sido uma peste em nossas vidas. E, se Hannah Arendt tivesse conhecido essa realidade que todos de alguma maneira vivenciamos a cada momento, diria: Quem sobreviver ao lullismo viverá entre ruínas.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

NÃO SEI QUANTAS ALMAS TENHO



Fernando Pessoa

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

O MINISTRO BARROSO BARROSEOU...

 
Honório de Medeiros
 
O ministro Barroso afirmou que "a corrupção é um mal-em-si". Criou uma nova categoria de "mal": o mal que é-em-si, ou seja, não é criação humana, do qual faz parte a corrupção. Vamos lá, ministro, NOS ILUMINE: quais são os tipos de mal que são criação humana, e quais são os tipos de mal que o são-em-si-mesmo, além da corrupção?

O LAMENTO DE UM DINOSSAURO



Publicado em 20/10/2012 

MÁRIO CHIMANOVITCH 

Como velho jornalista da velha escola, aquela que nos ensinava na unha e nos cascudos de chefias que acatávamos sem chiar, gratos por podermos conviver com nomes cujo simples som nos intimidava, observo que em algum momento algo muito importante se rompeu e ninguém lhe deu a menor importância.
Hoje, por todo lado, apregoa-se que só o novo é bom e todos disputam a honra de serem mais novos do que os demais.
Ser velho, nestes tempos estranhos, é ser um estorvo, ser inútil, um dinossauro improvável, movimentando-se num universo de frágeis louças. Eu sou um dinossauro e vivo trombando o grande rabo da minha longa história contra as prateleiras deste mundo asséptico. Acho que estou sobrando.
Muito se fala, nos discursos eleitoreiros, das bondades que cada campanha sugere a seu candidato, para agradar a nós, os mais velhos. Cada vez que vejo um almofadinha desses abraçando a senhorinha sofrida e prometendo-lhe mundos e fundos, a ira me sobe à cabeça e por pouco não arremesso a bengala que me ampara de encontro ao televisor.
Porque, no fundo, no fundo mesmo, o que todo mundo quer é tirar a nós, os velhos, do caminho e dos cofres da previdência. Somos aquelas criaturas que parecem servir, apenas, para confrontar cada jovem pimpão com sua própria finitude e com o fato de que a única alternativa disponível à morte, por enquanto, é mesmo sobreviver, como der. E é aqui que a coisa complica.
Provavelmente nunca na história se desprezou tanto a experiência e a memória dos mais velhos como nas últimas décadas. Se você, como eu, é um jornalista "das antigas", vale menos que um PC 386, daqueles que um dia pareceram uma enorme inovação e hoje não passam de lixo eletrônico descartável e, como tal, ambientalmente incorreto.
Eu me sinto ambientalmente incorreto quando tento mostrar o muito que a memória de duas guerras cobertas, alguns prêmios de imprensa e reportagens memoráveis, inutilmente, me ensinou. Desempregado desde 2007, sobrevivendo de cada vez mais raros bicos, sinto que cheguei aos meus limites. A autoestima se esfacela e posso entender porque tantos não resistiram e acabaram sucumbindo ao álcool, às drogas ou, tanto pior, à ideia da própria morte.
Tolo e romântico que sempre fui, imaginava que essa vivência toda, mais tarde, me permitiria ajudar os mais novos a melhorarem o mundo imperfeito que é o campo de colheita dos bons jornalistas. Ledo engano, porém.
Tudo o que a história pode ensinar a um jovem, ao que parece, pode ser encontrado nos meandros da nebulosa da internet. Com a vantagem de que lá não haverá nenhum velho chato para dizer que noutros tempos, no meu tempo, algo era assim ou assado por causa disto ou daquilo. A informação brotará do tablet, cristalina, fria e desinfetada pelo distanciamento tecnológico. O dedicado repórter, com o ímpeto de seus jovens anos, vai poder navegar pelos escaninhos da memória que me resta, sem precisar me aturar e a minha própria história.
Acho que vou ter de procurar emprego de empacotador de caixa de supermercado. E se um dia algum candidato se aproximar de mim, entre um pé de alface e uma caixa de ovos, agradecerei cada migalha que os governos me oferecerem como dádiva. Ao menos assim, talvez, eu tenha alguma utilidade.
MÁRIO CHIMANOVITCH, 67, é jornalista há 44 anos. Repórter investigativo, cobriu conflitos no Oriente Médio, na África e na Amazônia. Publicado originalmente na Folha de S. Paulo.  Transcrito do blog Montbläat.