Era hora do almoço quando papai pediu que eu traduzisse uma reportagem pra ele. Nessas horas, os quatorze anos de estudo de inglês geralmente se pagavam, e foi com prazer e uma certa confusão que li para ele uma reportagem policial de uma criança, Billy James Chandler, que fora assassinada por um de seus pais. O mistério estava em qual dos dois fora o responsável pele monstruoso ato, mas os testemunhos levavam a crer que o pai, William Chandler, tinha sido o verdadeiro algoz do pequeno ser de apenas seis meses.
Claro, a minha curiosidade não podia permitir que eu realizasse tal trabalho sem perguntar o quê papai queria com aquele casal louco e seu falecido filho. Balançando a cabeça com uma expressão de decepção, ele me disse que não era isso que ele procurava, e começou a me contar acerca de Billy James Chandler, o pesquisador, que teria escrito alguns dos livros mais importantes acerca do cangaço. Era ele quem meu pai procurava.
Bastou uma rápida procurada no Google pra descobrir que o nome do historiador era, na verdade, Billy Jaynes Chandler, e obviamente ficou claro que não havia nenhuma relação entre esse homem e a notícia que ele me colocara para ler.
Eu ainda não tocara na comida.
Fui atrás do meu computador para procurar mais acerca do homem que meu pai queria encontrar na rede social. Mas uma rápida pesquisa do seu nome apenas indicava sites onde os seus livros mais conhecidos estavam disponíveis para compra.
Foi aí que meus conhecimentos das ferramentas do Google vieram a calhar. Tirando as palavras chaves relacionadas às suas obras, sobraram poucos sites disponíveis, mas que aparentemente seriam mais importantes na minha pesquisa.
O primeiro deles foi o da editora Record, responsável pelos livros de Chandler (doravante denominado BJC) aqui no Brasil. Ela mantém uma página com informações de todos os escritores que publicam pelo seu selo. Obviamente, fui para a página do historiador, mas qual não foi a minha surpresa ao descobrir que nela não havia qualquer palavra. Nenhuma. Só o nome inteiro do americano como título, o resto era completamente branco.
Meu primeiro instinto foi encontrar a página de contato da editora e escrever pedindo informações sobre Mr. Chandler. Embora sabendo que a maioria das companhias brasileiras têm o péssimo hábito de ignorar seus leitores, não custava nada pedir. Feito isso, prossegui na minha pesquisa. Nada obtive.
O próximo passo foi procurar a editora americana responsável pela primeira impressão dos seus trabalhos. Depois de pesquisar na Amazon, descobri que era a Texas A&M University Press, e foi para o site dela que parti. Não consegui achar nenhuma informação na página deles, mas me atrevi a lhes mandar um e-mail pedindo alguma informação que pudessem me conceder. Até o presente momento, nada.
Ainda mexendo nas páginas da web descobri o site da faculdade onde Billy Jaynes fez seu bacharelado em história: a Austin Peay State University. Na parte da Alumni, seu nome consta na lista de “perdidos”, e pede-se que qualquer pessoa que tiver alguma informação a seu respeito (e outros que também se encontram na lista), favor entrar em contato. Lá consta que o ano da sua graduação foi 1954. E agora eu sabia pelo menos mais uma pequena informação sobre esse homem que agora começava a me fascinar (mais pelo seu mistério, devo admitir, que pelo seu trabalho).
O próximo passo foi olhar no site da Universidade onde ele lecionou história - a Texas A&M University - Kingsville. Foi lá que descobri que o homem por quem procurávamos havia se tornado professor emérito em 1995. Dez anos atrás. Escrevi um e-mail pedindo informações, sem maiores expectativas. De todos os que eu enviara, esse era o que eu menos esperava que fosse respondido.
A única outra menção a Billy Jayne Chandler na história da Universidade na qual fora professor era em um livro de Cecilia Aros Hunter e Leslie Gene Hunter, contando a história da universidade. Algumas páginas estavam disponíveis no Google Books e foi lá que eu encontrei o nome do professor, no último parágrafo da página 155, contando que ele fizera circular uma petição para uma associação dos professores universitários americanos pedindo que um tal Robins explicasse a crise financeira que a escola enfrentava. A petição dele, segundo consta no livro, dizia que a secretaria da administração estava causando um sério declínio na moral da instituição.
Avisei papai do estado da minha pesquisa e agora só me restava esperar pelas respostas aos meus e-mails. Honestamente, a expectativa não estava alta.
Até hoje somente recebi uma resposta, um e-mail, surpreendentemente do único órgão do qual não esperava resposta: a universidade onde Chandler trabalhara. Robert C. Peña, diretor assistente de serviços da web, me respondeu dizendo que não fora possível encontrar nenhum tipo de informação de contato de Mr. Chandler, já que registros pessoais eram mantidos apenas por alguns anos. Ele sugeriu que eu tentasse contactá-lo pela Amazon (e anexou o fórum online do autor) ou pela editora que publicava seus livros.
Como já disse antes, eu já tentara essa segunda alternativa, e o fórum de Billy Jayne Chandler é constituído por duas pessoas tentando encontrá-lo: algum brasileiro, aparentemente, e alguém denominado Elizabeth, representando um antigo colega de trabalho (também ex-professor de história). Após uma conversa com papai, decidimos mandar um e-mail para essa mulher pedindo qualquer informação que ela pudesse nos repassar.
Os dias se passaram e eu não obtive retorno, mas para a minha surpresa o Robert C. Peña, da antiga faculdade onde Billy trabalhou entrou em contato novamente comigo, para me avisar que ele tentara encontrar no campus alguém que tivesse alguma informação a respeito do historiador, mas que ninguém parecia saber onde ele se encontrava.
Tendo agradecido a informação, só me restava aguardar alguém mais responder, quem sabe Elizabeth, do fórum de BJC na Amazon. E talvez por julho ter sido um mês tão bom, os meus pensamentos positivos se concretizaram e em dois ou três dias recebi uma resposta dela.
O e-mail não trazia grandes informações. Informou que ela trabalhava com esse tal professor que trabalhara com Chandler e que ele estava muito interessado em retomar o contato. Ela me avisou que não havia muito a ser dito sobre BJC, que estava na Europa, e quando voltasse responderia meu e-mail com as poucas informações às quais tinham eles acesso.
Eu preferi não responder nada por alguns dias, pois meu longo conhecimento em troca de e-mails assegurava que quase sempre as pessoas tendiam a esquecer de responder uma pergunta quando diziam que fariam isso depois. Então eu deixei para enviar um e-mail agradecendo sua prontidão em compartilhar suas informações praticamente uma semana depois, quando eu ainda não tinha recebido qualquer o retorno dela.
Foi o que fiz. E, até agora, nada.
Oh, my God, where is Billy Jaynes Chandler?
P.S. Billy Jaynes Chandler é um dos mais importantes escritores acerca do cangaço e coronelismo. Suas obras “Lampião, o Rei dos Cangaceiros”, e “Os Feitosas e o Sertão dos Inhamuns”, são canônicas, seminais. Tentando localizá-lo para uma entrevista via internet, esbarrei nessa dificuldade relatada acima, a meu pedido, por minha filha Bárbara de Medeiros. Ficou uma imensa curiosidade acerca de onde anda Chandler. Terá morrido? Por que se esconde?
“O norte americano Billy Jaynes Chandler era um doutorando em história pela Texas A & University, tendo despertado seu olhar para o Brasil, como campo de estudo, em 1963, durante o curso de Introdução à Língua Portuguesa na Universidade da Flórida, pois era pré-requisito para o doutorado pretendido.
Inicialmente o autor cogitou o México para servir-lhe de objeto para a dissertação, contudo, durante um curso de Sociologia ministrado pelo Dr. José Arthur Rios, professor visitante da Universidade da Flórida, Chandler fora dissuadido, e terminou optando pelo Brasil.
Segundo o próprio autor, o Brasil oferecia outros tópicos de maior relevo do que os Inhamuns, porém Chandler queria familiarizar-se “com um aspecto mais amplo ou pelo menos diferente da vida brasileira.” Sendo seu objetivo estudar “uma comunidade fiel às tradições”, isolada ou isenta dos avanços do século XX, “onde tudo fosse como antigamente”.
Logo, em face desse anseio por um corpo social que fosse culturalmente mumificado, o Ceará apresentou-se bastante adequado, segundo a indicação do professor Rios.
A região dos Inhamuns foi escolhida depois de leituras adicionais, porque, conforme Chandler, esse espaço sertanejo caracterizava-se por ser uma “área rural, isolada e tradicional”, além disso, também era “a terra de uma numerosa família que mais de uma vez atraíra a atenção local e até do País inteiro”.
Desta forma, depois da escolha, partiu para aquele rincão, chegando em novembro de 1965, onde foi ciceroneado gentilmente pelos filhos daquele sertão. Por isso ficando o autor admirado e agradecido pela gente que o hospedou e conduziu pelas sendas dos Inhamuns, citando-se Antônio Gomes de Freitas, Antônio Teixeira Cavalcante, Lourenço Alves Feitosa, Aramando Arrais Feitosa etc.
A obra, publicada no Brasil no ano de 1981, é considera a segunda
[17]a ser forjada em moldes de verdadeira ciência, pois, em sendo tese de doutoramento em história, consubstanciou a aplicação do método científico frente a antigos fatos registrados nos alfarrábios e na oralidade. O estudo é considerado suficientemente amplo por compreender aspectos administrativos, econômicos e políticos.
A análise recai sobre o início da colonização em 1700, e vai até o ano de 1930, considerado como marco final da perda do poder hegemônico dos Feitosa sobre grande parte dos Inhamuns.
Paralelamente sob a ótica do conflito entre o público e o privado, esquadrinha as instituições sociais, sobretudo a família, e a sua relação com o poder estatal. Igualmente identificando causas e consequências, do apogeu ao declínio político-econômico, dos Feitosa no seu feudo continental.
Assim, parece que o declínio relativo dos Feitosas foi acelerado por dois fatores: a importância que davam às prestigiosas atividades pecuárias, mesmo quando outros haviam conseguido constituir uma base econômica mais sólida através da agricultura, e a destruição periódica de seus únicos recursos produtivos – os rebanhos de gado – pelas secas (Billy Jaynes Chandler)”.
Encerro fazendo minhas as palavras de Bárbara de Medeiros: “where is Billy Jaynes Chandler?