domingo, 29 de outubro de 2017

O ESCUDO ÉTICO DO MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES

* Honório de Medeiros

A "Teoria do Escudo Ético", concebida e refinada por Frederico Pernambucano de Mello em "Guerreiros do Sol", a mais importante obra acerca do epifenômeno do cangaço, e que Câmara Cascudo intuíra em "Vaqueiros e Cantadores", explica a justificativa dada pelos cangaceiros a si mesmo e aos outros para sua vida de crimes.

Encaminho os leitores para o texto seguinte: http://honoriodemedeiros.blogspot.com.br/2013/05/camara-cascudo-frederico-pernambucano.html

Para Cascudo, ao explicar por que a valentia, quanto aos cangaceiros, originava a “aura popular na poética” dos cantadores, necessário se fazia a existência, como pressuposto, do fator moral, que nada mais era que o “escudo ético”.

Disse Cascudo: 

“Para que a valentia justifique ainda melhor a aura popular na poética é preciso a existência do fator moral. Todos os cangaceiros são dados inicialmente como vítimas da injustiça. Seus pais foram mortos e a Justiça não puniu os responsáveis.” 

A "Teoria do Escudo Ético" não se aplica somente ao estudo do cangaço. Também pode ser utilizada para explicar a forma como fugimos da obrigação de assumir a responsabilidade pelos nossos atos. Ou como nos contrapomos aos nossos críticos.

Recentemente o Ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes afirmou o seguinte: "Se quer fazer populismo, não seja juiz". E criticou juízes e procuradores que buscam popularidade. 

Provavelmente foi uma alfinetada em seu colega Gilmar Mendes, que busca incessantemente gerar fatos que o coloquem na mídia.

Entretanto o fundo da questão, na verdade, é outro. Alvo de críticas em relação aos seus votos na Suprema Corte, Moraes lançou mão do escudo ético.

Implicitamente justificou suas decisões como sendo corretas, do ponto de vista legal e de legitimidade, e de populistas aquelas que não são semelhantes as suas, mas são respeitadas pelo seus críticos.

Ou seja: suas decisões são impopulares mas legais e legítimas; a dos outros são populares, mas ilegais, ou ilegítimas, ou inferiores. 

É indiscutível que o Ministro deva e possa julgar como quiser; já não o é quando, julgando como julga, ao invés de respeitar a opinião alheia, trata de desqualificá-la. 

Pois em se tratando de Direito, um universo de valores, não há certo ou errado, há opiniões contrárias, e mecanismos (o uso da força, por exemplo) que fazem com que uma delas prepondere sobre as outras. 

Parece mais um mecanismo de defesa. Um escudo ético.

Ruim, por sinal.

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

OS JOVENS ESTÃO OLHANDO

* Honório de Medeiros

O Senador republicano pelo Arizona Jeff Flakes anunciou, esta semana, em duro discurso contra Donald Trump, que não disputará a reeleição em 2018.

Disse ele: "Hoje me ergo para dizer: já basta". “Tenho filhos e netos. Não serei cúmplice de Trump”.

E continuou:

“A permanência contínua no posto não é a razão para se candidatar a um cargo. E há momentos em que devemos arriscar nossas carreiras para defender nossos princípios.”

“Lamento o estado de nossa desunião, lamento o caráter destrutivo de nossa política, a indecência de nosso discurso, a vulgaridade de nossa liderança, lamento que se ceda em nossa autoridade moral (...)”.

“Temos de deixar de fingir que a degradação de nossa política e as ações de alguns de nosso Executivo são normais. Não são. Quando esse comportamento emana do mais alto de nosso Governo, é perigoso para nossa democracia. Projeta uma corrupção do espírito e fraqueza. Os jovens estão olhando. Que faremos quando nos perguntarem ‘por que você não fez nada?’"

(...)

“Tenho filhos e netos ante os quais responder senhor presidente, e, portanto, não serei cúmplice.”

Aí está. 

Ao Senador Jeff Flakes, as minhas homenagens.

Quanto a Temer, segundo pesquisas da Consultoria Eurasia, fartamente veiculadas na mídia, com aprovação de apenas 3% da população, tem rejeição maior que Maduro, Trump e o presidente acusado de corrupção da África do Sul (*).

E gastou uma fábula para se manter no poder, conforme reportagem do jornal “O Globo” intitulada “Antes de votação, Temer distribuiu R$ 15 bilhões em programas e emendas”, publicada na edição deste domingo (16) de outubro, em matéria assinada pelos repórteres Leonardo Barretto, Letícia Fernandes, Cristiane Jungblut e Catarina Alencastro. 

Por fim Temer tem, contra si, duas acusações por corrupção passiva, que irão lhe perseguir tão logo desocupe a cadeira de Presidente da República.

Estes são tempos mais que sombrios.

Talvez não sejam inéditos: alguém há de recordar que na história de nossa civilização não foram poucas às vezes nas quais nossos líderes insistiram em deixar o Homem comum órfão de esperança.

Entretanto nunca estivemos tão desiludidos. 

Tomemos o exemplo do Brasil de hoje. O que podemos ensinar aos nossos filhos, quando tudo quanto eles vêm dos nossos líderes, em todos os poderes é a desagregação do nosso legado comum moral?

Resistir? Ir embora? Alienar-se ainda mais?

São jovens, mas não somente eles, que se perguntam, estupefatos, como é possível termos um Presidente da República que enfrenta pesadas acusações de corrupção, usa a máquina do Estado para se manter no cargo, e chafurda no mais baixo índice de popularidade de nossa história, e, quem sabe, do próprio mundo, e continua no poder!

O senhor tem razão, Senador Jeff Flakes: os jovens estão olhando.

São jovens cujo sonho maior, percebe-se facilmente, é irem embora, deixaram para trás o pesadelo que é o Brasil hoje.

Como lhes negar um "sigam em frente"?

(*) Fonte: Último Segundo - iG @ http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2017-10-26/michel-temer-rejeicao.html

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

COMEÇAM A FALAR EM IMPEACHMENT

* Honório de Medeiros

Uma administração considerada desastrosa, principalmente quanto a segurança pública e a gestão das finanças estaduais, a aproximação do fim do mandato, a falta de perspectiva, esses e outros fatores estão levando os potiguares a falarem, nas redes sociais, mesmo que ainda timidamente, em possibilidade de impeachment.

A gota d'água, estes dias, foi o índice de homicídios cometidos no Rio Grande do Norte, ao longo dos dez primeiros meses do ano, e mais recentemente o envio do pagamento da remuneração do mês de outubro, dos servidores do estado, para sabe-se lá quando, muito menos quanto, além da divulgação de que o repasse do duodécimo constitucional do Tribunal de Justiça está atrasado há três meses.

Comentam à boca pequena que o Governo não se encontra sequer no que diz respeito às explicações em relação às causas de sua impopularidade, esta exposta de forma visível e indiscutível na última pesquisa de opinião da qual se tomou conhecimento, e que colocou o Governador do Estado em situação próxima da ridicularia.

Quanto à segurança pública, por exemplo, dizem uns e outros, as explicações começaram por apontar o quadro geral do País como causa principal. Ocorre que o confronto com dados de outros estados da federação fez essa hipótese desmoronar. Depois atribuiu-se o quadro caótico a uma suposta "briga de facções criminosas". Também tal explicação não durou muito tempo. Na verdade o que se comenta é que a questão é mesmo de gerenciamento, de gestão, de governança. Simples assim.

Quanto às finanças públicas, a primeira explicação foi a trivial: herança maldita da gestão anterior. Mas como o próprio Governador, em sua campanha, dizia que dinheiro não faltava, e que o problema era de gestão, tal bordão não seguiu à frente. Depois vieram outras explicações, dentre elas a de que a causa, a verdadeira causa, era o dinheiro despendido com o pagamento dos aposentados e pensionistas.

Publicações do Sindicato dos Auditores Fiscais do Rio Grande do Norte, mostrando o crescimento da receita própria, bem como dos repasses da União, jogaram no chão a comunicação governamental. 

Entretanto nenhuma dessas tentativas de explicação suportou mesmo foi o ônus da comparação do Rio Grande do Norte com a Paraíba, lembram os críticos do Governador. 

A Governadora Wilma de Faria tinha uma observação muito peculiar - e verdadeira - acerca das comparações entre Rio Grande do Norte e outros estados do Nordeste: "Não é justo comparar o Rio Grande do Norte com Pernambuco e Ceará. Se querem comparar, que comparem com a Paraíba."

E assim têm feito muitos no Rio Grande do Norte. Comparam o Rio Grande do Norte com a Paraíba.

Comparam aqueles que para lá viajam e observam diferenças cruciais a partir do asfaltamento e limpeza das estradas. O ritmo frenético de obras implantado pelo Governador Ricardo Coutinho.

Comparam os servidores públicos que não esquecem que a Paraíba nunca atrasou a remuneração dos seus servidores e até mesmo já pagou metade do 13º do corrente ano, em julho passado, como manda a tradição.

E agora, como não, comparam com a Paraíba os integrantes do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Assembléia Legislativa, Ministério Público e Tribunal de Contas, receando o futuro imediato.

Quem era mesmo que dizia que "é comparando que se conhece?"

E, por compararem, e incomodados com a situação, alguns começam a se perguntar se não é o caso de impeachment. Algo rápido e imediato, em um grande pacto pela sobrevivência.

Afinal, por muito menos que isso Dilma foi defenestrada...

sábado, 21 de outubro de 2017

CHEGOU A HORA DE VOAR A SÓS

Meu amor,

Pela primeira vez vou estar longe de você por muito tempo, e isso dói em mim de forma inesperada.

Como viver sem sua forma tão peculiar de ser, sua alegria irradiante, sua inteligência aguda, sua moral tão sólida?

Chegou a hora de você voar sozinha. É o momento no qual nós, delicadamente, lhe empurramos do galho e você cai, bate as asas, voa, sobe, percebe que o céu é o limite!

Deus foi muito bom para mim, se é que posso dizer isso. Tenho uma família maravilhosa. Você, Diogo, Michaela, Emília, Maria. O quê mais um homem pode desejar? 

Claro, o pão nosso de cada dia, conseguido de forma honesta, com o suor do nosso rosto. Também muito agradeço a Ele, por mais essa dádiva.

Este bilhete é uma pequena despedida, porque creio que quando lhe abraçar, antes do trem partir, vou embargar a voz e esconder o rosto para você não ver as lágrimas que eu pensava não possuir mais. 

As mesmas que escondi de Diogo, quando ele foi em busca de realizar seus sonhos no Canadá.

Agora é você que fica, cá na França. Nós, lá, no Brasil, teremos o consolo das lembranças, e o silêncio do seu quarto como companheiros.

Saiba que meu amor por você é infinito - lembra das nossas brincadeiras? Eu sempre estarei ao seu lado; desejo sua felicidade e a de Diogo acima de tudo; sua caminhada, mesmo que seja preciso andar alguma vez para trás, é a minha, a nossa caminhada.

Cuide bem de você, ajude seu anjo-da-guarda, louve Deus, fuja daquilo que sua sólida moral condena.

Mas viva intensamente essa oportunidade única que surgiu agora, no começo de sua vida adulta. 

Lembre-se que seus passos, hoje, são o alicerce do futuro. Você está construindo a si, para si, e para o mundo.

Entretanto se for o caso, se sentir necessidade, se precisar, volte. Ninguém se perde no caminho da volta. 

Em voltando estaremos lá, de braços abertos e o coração cheio de amor. Seu quarto sempre terá seu perfume, e sua caneca para beber água estará pendurada no mesmo canto.

Amo você,

Honório de Medeiros. 

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

SENADO ENQUADRA STF E CÂMARA QUER ENQUADRAR JUSTIÇA DO TRABALHO

* Honório de Medeiros

Uns tantos quantos senadores da atual legislatura enquadraram o supremo tribunal federal.

Está tudo em minúsculo porque nem os senadores, tampouco o supremo merecem letras maiúsculas.

Eles são mesmo minúsculos. Enquadraram a instituição em episódio vergonhoso para a história do stf.

Nunca tive tanta vergonha do stf antes. Nem mesmo a cada derrapada de gilmar mendes.

Pois bem, agora a câmara federal pretende enquadrar a Justiça do Trabalho.

Isso mesmo.

Querem enquadra-la extinguindo-a. Os deputados federais querem extinguir a Justiça do Trabalho. 

É o que leio em cláudio humberto, aquele mesmo de tantas e quantas aventuras na época de collor de mello:

"COM BOICOTE, JUSTIÇA DO TRABALHO PODE SER EXTINTA

A Câmara vai reagir duramente à articulação de entidades de juízes do Trabalho para boicotar a reforma trabalhista, que entra em vigor no dia 11. A ideia é votar projeto que extingue a Justiça do Trabalho, “justiça jabuticaba” que só existe no Brasil. A reação à desobediência de juízes recebeu o apoio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, em reunião com deputados que atuaram na Comissão da Reforma Trabalhista."

Os caras são profissionais! P-r-o-f-i-s-s-i-o-n-a-i-s!

domingo, 15 de outubro de 2017

NORTERIOGRANDENSE VISITA A PARAÍBA E...

... POSTA O SEGUINTE NAS REDES SOCIAIS:

"Bom dia!

É impressionante: a BR 101 até a fronteira com a PB está cheia de buracos, mal sinalizada, acostamento sujo e tomado de mato.

Passa-se a fronteira e como por mágica os buracos desaparecem, as placas surgem e o acostamento fica limpo.

Estou em Cabedelo curtindo o fim de semana.

Já vi várias viaturas da polícia e comboios de policiais em motos.

As vias são sinalizadas e em bom estado, mas em João Pessoa é melhor.

Não há o pânico pela insegurança. 

E interessante: as pessoas falam a nossa língua e o sotaque é quase o mesmo.

Mas já é outro mundo.

A propósito, a nossa anfitriã é funcionária do Estado: está recebendo seu salário em dia e a metade do 13° foi depositado em julho."

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

TURISTAS

* Bárbara de Medeiros

"Somos todos turistas na vida dos outros".

Li certa vez um artigo na aula de francês que dizia, em um determinando momento, que “turistas são os outros”. Houve uma breve discussão na aula sobre a definição de “outro”, ao que todo mundo prontamente concordou que se tratava daquele que vinha de outro país, de outro estado, as vezes até de outra cidade.

Seguindo aquela linha lógica, poderíamos chegar até o que minha mente automaticamente entendeu ao ler essa frase: o outro é aquele que vem de outro bairro, outra rua, outra casa, outra cama… O outro é outra pessoa que não eu.

Talvez por isso seja tão difícil entender os outros. Nós os olhamos como se fossem nós mesmos, como se eles fossem capazes de compreender tudo o que somos, fomos e fazemos simplesmente porque são humanos. Mas e se olhássemos como olhamos outros países? Países radicalmente diferente dos nossos? Ou simplesmente como habitantes desse país radicalmente diferente do nosso? Chineses, coreanos, egípcios, libaneses? Poderíamos então perdoar suas atitudes diferentes? Aquelas que não entendemos, e por isso julgamos?

Talvez.

Talvez.

Mas talvez seja romântico da minha parte acreditar que, ao atribuir ao outro o título de estrangeiro, fôssemos todos mais tolerantes. Não é isso que a realidade nos mostra.

Somos tão rápidos em julgar aquele de uma nação vizinha quanto aquele da casa ao lado, mas por quê? Simplesmente porque o outro não sou eu? E se percebêssemos que, por mais que aqui no nosso país, falemos o português, não falamos a mesma língua?

Eu falo “eu te amo” pra todo mundo por quem sinto forte admiração, em quem encontro prazer na companhia. Muitos me consideram estranha.

Meu pai não entende o que é crush, apesar de todos na minha faculdade saberem o que significa (um coração desesperado), apesar de todas as vezes que já o disse que era quando um coração acelera em direção ao outro que se mantém parado, tornando inevitável o confronto.

Minha melhor amiga, que mora no sul há mais de dez anos, gosta muito de me chamar de guria e de dizer que me acha “querida”. Guria é menina aqui no nordeste, “boy” aqui em Natal, mas querida não é a mesma coisa?

Não.

Pelo que entendo, onde ela mora se usa “querida” pra falar de uma pessoa que é muito amada, muito admirada, enquanto por aqui o pessoal só usa como vocativo. E ainda tem mais essa – eu adoro chamar aqueles que gosto de querido ou querida, mas pra muitos conhecidos essa palavra significa uma afastamento, um certo desprezo e condescendência.

Como pode que uma mesma palavra tenha um significado tão diverso para pessoas que se criaram do mesmo jeito, no mesmo lugar que eu? O tempo, talvez, que insiste em mudar as palavras, as pessoas e os lugares.

Mas eu reitero que a explicação é ainda mais interessante: somos todos turistas nas vidas alheias, estranhos para aqueles que não são nós mesmos, mesmo que compartilhemos genes ou cultura.

Os outros falam uma língua diferente da minha. Os outros têm hábitos peculiares, crenças estranhas, gostos excêntricos. Os outros me julgam e eu os julgo, e ao permitirem que eu adentre o território da sua existência eu sou inevitavelmente mudada, influenciada pra melhor ou pior pelo que aprendo em campo alheio.

Os países são reflexos de seus cidadãos. Quem faz de nós o que somos são os turistas.

Somos todos turistas na vida dos outros.

* Bárbara de Medeiros atualmente estuda Direito Internacional na cidade de Poitiers, França

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

DO ILEGAL E MORALMENTE INCORRETO

* Honório de Medeiros

Algo não é moralmente correto porque é legal. Tampouco algo não é legal porque é moralmente correto. Mas se for ilegal é moralmente incorreto. E se incorreto moralmente, é ilegal.
 Ilegal e imoral.

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

O GOVERNO DO RN TEM RECEITA PARA COLOCAR EM DIA O PAGAMENTO DOS SERVIDORES

* Honório de Medeiros

O Portal da Transparência do Rio Grande do Norte nos informa o seguinte, em relação ao pagamento de DESPESAS, no período janeiro a setembro de 2016:

Total Pago de Janeiro a Setembro de 2016: R$ 4.472.647.102,52.

Quanto ao pagamento de DESPESAS no período janeiro a setembro de 2017:

Total Pago de Janeiro a Setembro de 2017 R$ 5.106.559.826,55.

Ou seja, a DESPESA do Governo do Rio Grande do Norte cresceu:

R$ 633.912.724,03 (seiscentos e trinta e três milhões, novecentos e doze milhões, setecentos e vinte e quatro mil reais e três centavos).

O Portal também nos informa a RECEITA REALIZADA, no mesmo período de janeiro a setembro de 2016:

Realizada até Set/2016: R$ 7.085.696.647,62.

Quanto à RECEITA REALIZADA no período janeiro a setembro de 2017:

Realizada até Set/2017: R$ 7.606.562.257,47

Ou seja, a RECEITA REALIZADA cresceu:

R$ 520.865.609,85 (quinhentos e vinte milhões, oitocentos e sessenta e cinco mil, seiscentos e nove reais e oitenta e cinco centavos).

O que esses dados nos permitem inferir?

Tais dados nos permitem inferir que o Governo do Estado do Rio Grande do Norte aumentou seu gasto MAIS que sua RECEITA REALIZADA.

Trocando em miúdos: a RECEITA cresceu, mas o Governo resolveu gastar sabe-se lá com que, e deixou de lado, deliberadamente, o pagamento em dia do Servidor Público.

O "sabe-se lá com que" pode ser identificado, claro. É fácil fazê-lo. Fica para outra oportunidade.

O certo é que o gasto do Governo, como demonstrado anteriormente em http://honoriodemedeiros.blogspot.com.br/2017/09/o-rn-nao-paga-em-dia-por-conta-do.html, não foi para cobrir o "déficit da previdência".

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

CAMUS PERCEBEU POR OLHAR, OU OLHOU POR PERCEBER?

* Honório de Medeiros

Camus, em seu "Diário de Viagem" (Record), lá para as tantas escreve o seguinte acerca de uma cena por ele presenciada no navio em que viajava para o Rio de Janeiro:

"Mais uma vez observo entre eles uma mulher já grisalha, mas de uma classe soberba, um belo rosto altivo e suave, (...) e uma postura sem par. Sempre seguida pelo marido, homem alto e louro, taciturno. Colho algumas informações, ela está fugindo da Polônia e dos russos para exilar-se na América do Sul. É pobre. Mas, ao vê-la, penso nas matronas bem vestidas que ocupam alguns camarotes de primeira classe."

Fico fascinado com esse olhar que distingue, o olhar de Camus, mas não me deixo seduzir pelo fascínio da primeira sensação, a da constatação da percepção de um estranhamento que coloca, de um lado, a soberba elegância de uma imigrante e, do outro, o trivial, o comum, o banal: as matronas da primeira classe.

Deixo-me seduzir, isso sim, ao constatar que o olhar é o instrumento que permite as ideias apreenderem essa distinção. A ideia é anterior ao olhar. Se assim não fosse o olhar nada constataria dessa distinção que Camus percebeu.

Em outro lugar (*), escrevi:

"Na Retórica dos Objetos é fundamental a noção de “estranhamento”. É por intermédio do “estranhamento” que decodificamos os objetos.

E o que seria o “estranhamento”? É algo difícil de conceituar, tal como a liberdade. Sabemos o que esta é, mas não sabemos dizer com propriedade o que ela é.

Em certo sentido “estranhamento” é uma desarmonia em relação ao padrão comum. Tal qual uma arte marcial, tornar-se hábil em captar essa desarmonia demanda contínuo exercitar-se até o limite do possível.

Recordemos o exemplo acima. Para alguém acostumado a perceber o que lhe cerca, a organização limpa e meticulosa da biblioteca do cliente chama a atenção por fugir do padrão comum. Ao conectar essa constatação com a que resulta do “ver” os restantes dos objetos espalhados pelo ambiente, torna-se possível fazer alguma inferência, ou elaborar alguma hipótese, para sermos mais precisos, acerca da personalidade do seu proprietário.

Em episódio bastante interessante da série norte americana “The Mentalist”, agentes do FBI buscam, em uma sala, uma câmera de vídeo escondida. As outras já foram encontradas e estavam postadas em lugares óbvios. O personagem principal, Patrick Jane, ao ser introduzido na sala, observa que um determinado espelho estava colocado em uma altura um pouco acima do normal. Levanta-se o espelho e lá está a câmera procurada. Mas como essa câmera filmava através do espelho? Patrick sabia que os ilusionistas usam muito um tipo de espelho que permite a quem está por trás visualizar através dele. A noção de “estranhamento” permitiu a localização imediata da câmera procurada.

Em outro episódio, esse bastante conhecido na literatura policial, Sherlock Holmes chama a atenção de Dr. Watson para o cão da propriedade onde acontece a investigação. Dr. Watson retruca informando que o cão não latiu. Sherlock pondera, então: “por isso mesmo”.

Ou seja, Sherlock vivenciou, ali, essa sensação de estranhamento."

Essa capacidade de sentir a sensação de "estranhamento", e, em seguida, abstraí-la, racionaliza-la, é, penso eu, a base do trabalho dos artistas, filósofos e cientistas.

(*) http://honoriodemedeiros.blogspot.com.br/2016/11/a-retorica-dos-objetos.html

domingo, 1 de outubro de 2017

INATO OU ADQUIRIDO?



Honório de Medeiros

Quem leu "A Tempestade", de Shakespeare, ou a assistiu, conhece o célebre jogo de palavras:

"É um demônio, um demônio de nascença, / em cuja natureza jamais pôde atuar a educação."

O solilóquio completo de Próspero é o seguinte:

"É um demônio, um demônio de nascença, em cuja natureza jamais pôde atuar a educação. Foram perdidos todos os meus esforços; sim, perdido completamente, sempre, quanto hei feito a ele por amor à humanidade. Seu corpo com a idade fica hediondo e cada vez mais ulcerado o espírito. Atormentá-los vou até que rujam."

Eis como a arte antecede a ciência. 

A essência desse solilóquio é aquela da filosofia: "inato ou adquirido?"

Richard Dawkins a descreve assim, em "Fome de Saber", o volume 1 de suas memórias: "Os filósofos vêm pelos séculos afora refletindo sobre essa questão. Quando do que sabemos é embutido de forma inata, e até que ponto a mente é uma tábula rasa, à espera de que algo seja escrito nela, como acreditava John Locke?"

Karl Popper encaminhou seu gênio para resolver essa questão. É a medula de sua epistemologia. Aliás, até onde sei, o termo "tábula rasa" foi criação dele.

Muito interessante esse jogo de conectar idéias oriundas de diversas fontes. Shakespeare, Locke, Popper, Dawkins...

* Arte: www.mallarmargens.com

DE IRONIA

* Honório de Medeiros

Não gosto de ironias.

Pressupõem uma superioridade inexistente.


Com os fracos é covardia; com os iguais, desrespeito; com os fortes, temeridade.


A auto-ironia é condescendência, algo perigoso: incompreensível para os ignorantes e brecha por onde entra o raciocínio dos inteligentes.


A polidez, que não se confunde com a gentileza, é bem mais correta e eficaz.


Não destrata e mantém a distância. 

sábado, 30 de setembro de 2017

O RN NÃO PAGA EM DIA POR CONTA DO "DÉFICIT PREVIDENCIÁRIO"?

* Honório de Medeiros

Li atentamente o que a mídia publicou das declarações do Secretário de Estado de Planejamento e Finanças, Gustavo Nogueira, em entrevista coletiva nessa sexta-feira próxima passada, dia 29, quando afirmou que o principal motivo da dificuldade em fechar a folha de pagamento dos servidores do poder Executivo é o "déficit da previdência".

Esse discurso de culpar a previdência é relativamente novo: basta acompanhar o histórico de declarações do Secretário desde que começou o atraso no pagamento dos servidores do executivo potiguar.

Logo que dados reiteradamente publicados por entidades de classe, dentre elas o Sindicato dos Auditores Fiscais do Estado, começaram a apontar um crescimento na Receita do Estado, o discurso do Secretário mudou para culpar o aquilo que ele nominou de “déficit da previdência”.

O que nos leva a supor que a estratégia governamental é encontrar meios de tentar inibir a pressão por aumentos salariais ou pagamentos de atrasados. Funciona assim: antes o culpado era a queda na arrecadação; agora é “como posso atender sua reivindicação, se os salários estão atrasados, e estão atrasados em decorrência do déficit da previdência”?

Vamos aos fatos, pois.

Para questionar esse discurso do Secretário, basta comparar alguns dados do vizinho Estado da Paraíba com outros nossos. Saliente-se que a Paraíba está absolutamente em dia com o pagamento dos seus servidores do Poder Executivo.

A Paraíba tem 118.230 servidores no Poder Executivo; o Rio Grande do Norte, 102.000; a PB tem 72.267 ativos; o RN, 54.000; a PB, 33.954 inativos; o RN, 38.000; a PB, 12.009 pensionistas; o RN, 10.000.

Os dados da Paraíba foram coletados no https://portal.tce.pb.gov.br/aplicativos/sagres/. Os do Rio Grande do Norte foram fornecidos pelo próprio Secretário de Planejamento do Estado do Rn.

Embora a PB tenha menos inativos que o RN, tem mais pensionistas. E a PB tem muito mais servidores na ativa que o RN.

Podemos ver que, no geral, é semelhante a situação da Paraíba e Rio Grande do Norte quanto ao número de servidores do Poder Executivo e relação entre ativos/inativos nos dois Estados.

Entretanto o “déficit da previdência” de lá não impede o pagamento em dia dos seus servidores.

Observo que está sendo analisada a causa apontada pelo Secretário do Rio Grande do Norte para o não pagamento em dia dos salários (remuneração) dos nossos servidores públicos. Como a causa anterior por ele apontada, que era a queda na arrecadação, não se sustenta mais, fico esperando discursos novos.

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

ARTE? QUE ARTE?

* Honório de Medeiros

Em 2015, causou celeuma uma "performance", denominada "Macaquinhos", em que os atores exploravam os ânus uns dos outros, apresentada em uma unidade do Sesc em Juazeiro do Norte, no Ceará.

Veja aqui: http://odia.ig.com.br/diversao/2015-11-23/grupo-de-teatro-faz-exploracao-anal-em-performance-e-gera-polemica.html

"A performance mostrava um grupo composto por homens e mulheres totalmente nus, em círculo, explorando com as mãos o ânus do companheiro a frente. De acordo com os artistas Caio, Mavi Veloso e Yang Dallas, idealizadores do projeto, a apresentação tem o intuito de 'ensinar que existe ânus, ensinar a ir para o ânus e ensinar a partir do ânus e com o ânus'."

Este ano, em agosto, o Santander Cultural abriu suas portas para a primeira exposição queer realizada no Brasil. De origem inglesa, o termo é utilizado para designar pessoas que não seguem o padrão da heterossexualidade ou de gênero definido - notadamente gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros.

Choveram denúncias nas redes sociais de pedofilia e zoofilia, principalmente para duas obras em especial: “Cenas do Interior II” (1994), de Adriana Varejão, que teve uma cena em que um homem penetra uma cabra, e “Travesti da Lambada e Deusa das Águas” (2013), de Bia Leite, que faz referência ao meme da internet “criança viada”. Também há menção a um vídeo que mostrava um homem recebendo um jato de sêmen no rosto. A obra é intitulada “Come/Cry” e é assinada pelo “artista” Maurício Ianes. O nome do artista consta na lista entregue ao Ministério da Cultura como um dos autores das obras expostas no Queermuseu. 

Mais recentemente, em uma performance na abertura do 35º Panorama da Arte Brasileira, no Museu de Arte Moderna (MAM), em São Paulo, na última terça-feira, o artista fluminense Wagner Schwartz se apresentou nu, no centro de um tablado. Em vídeo que circula nas redes sociais, sob fortes críticas, uma menina que aparenta ter cerca de quatro anos aparece interagindo com o homem, que estava deitado de barriga para cima, com a genitália à mostra.

Basicamente discute-se o seguinte, nas redes sociais acerca dessas "manifestações": deve haver limite na liberdade de expressão, quando o tema é arte?

Permito-me ir além.
 
Em um comentário no meu blog 
https://honoriodemedeiros.blogspot.com.br/2015/06/a-civilizacao-do-espetaculo-mario.html, escrevi o seguinte:

"Fecho o livro de Llosa, Mário Vargas Llosa, “A Civilização do Espetáculo”, cujo título foi calcado no “A Sociedade do Espetáculo”, de Guy Debord, um dos mais originais pensadores do século, e me percebo confortável por ter encontrado um texto, da melhor qualidade, que desse corpo a essa sensação permanente de estranhamento e solidão vivenciada por mim e alguns poucos, originada pelo descompasso entre a “cultura” na qual fomos criados e a realidade que encontramos nos dias de hoje.

Não é, portanto, “saudosismo”, o que sentimos. Há, de fato, um progressivo, solerte e profundo processo de banalização dos valores fundantes da cultura, entendida esta como o pressuposto da construção do processo civilizatório. Cultura como a pensou, por exemplo, T. S. Elliot, citado por Llosa, em “Notas para uma definição de cultura”, de 1948, tão atual, posto que, por exemplo, lá para as tantas, expõe: “E não vejo razão alguma pela qual a decadência da cultura não possa continuar e não possamos prever um tempo, de alguma duração, que possa ser considerado desprovido de cultura.”

E, agora, recordo Bárbara Tuchman, em "A Prática da História":

"O maior recurso, e a realização mais duradoura da humanidade, é a arte. O domínio da linguagem demonstrado por Shakespeare e seu conhecimento da alma humana; a complicada ordem de Bach, o encantamento de Mozart".

Percebo, pois, os sintomas da decadência da cultura, e jamais levaria filhos meus a "manifestações culturais" como essas acima - eles que optem por frequenta-las ou não quando forem adultos.

Mas não concordo em impedi-las.

O decadente, na arte, o banal, o medíocre, o aviltante, exerce sua tirania destruidora tanto quanto a proibição da liberdade de expressão estética.

E ninguém tem o direito de impedir, a quem quer que seja, de se manifestar esteticamente.

Contanto que tais "manifestações" não invadam o campo próprio de outros valores absolutos previstos na nossa Constituição.

Como ninguém pode impedir, a quem quer seja, de exercer o saudável direito de criticar.

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

POR QUE NÃO TE CALAS, GILMAR?

* Honório de Medeiros

Gilmar Mendes disse, em entrevista à Folha de São Paulo, que seus colegas Ministros Luíz Fux, Rosa Weber e Luis Roberto Barroso, integrantes da Primeira Turma do STF, e que com seus votos impuseram o recolhimento noturno a Aécio Neves, tinham um "comportamento suspeito":

"Quando a turma começa a poetizar, começa a ter um tipo de comportamento, vamos dizer assim, suspeito, certamente seria bom que a matéria viesse para o plenário."


Chamou-os de "poetas".

Antes já havia dito, em sessão no TSE, que a Primeira Turma era uma "câmara de gaz".

Já não me envergonho, enquanto cidadão, pelas atitudes de Gilmar Mendes e o consequente aviltamento do STF.

Hoje eu me envergonho pelo silêncio, pela omissão dos seus pares.

Silêncio e omissão que colaboram, definitivamente, para que se instaure o "status quo" ambicionado pela escória que domina o País, qual seja a lama política atingindo tudo e todos, indiscriminadamente.

Quando tudo e todos estão no mesmo patamar, não há espaço nem condições para que se estabeleça qualquer espécie de julgamento de quem quer que seja.

É o caos, que começa no topo, e corrói sem piedade, instituições e cidadãos, até a base. Caem por terra todos os valores e a Sociedade lentamente, se desintegra.

Aliás é isso mesmo que está acontecendo. Somente não vê quem não quer, ou quem é incapaz de fazê-lo.

Gilmar Mendes vem, ao longo do tempo, reiteradamente, dando motivos mais que legais, mais que legítimos, para sofrer impeachment. Está lá, na Lei:

Diz o art. 39, da Lei 1.079/50, que são crimes de responsabilidade dos ministros do STF:

"Alterar, por qualquer forma, exceto por via de recurso, a decisão ou voto já proferido em sessão do Tribunal;

Proferir julgamento, quando, por lei, seja suspeito na causa;

Ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo:

Proceder de modo incompatível com a honra dignidade e decoro de suas funções." 


Mas como a competência do julgamento é do Senado...

Falta, também, alguém que tenha autoridade moral, alguém que transcenda o lamaçal no qual estamos ancorados e faça, com Gilmar, o mesmo que o Rei Juan Carlos fez com o iníquo ditador venezuelano Hugo Chavez: "Por que não te calas?", em 2007.

¿Por qué no te callas? (espanhol para "Por que não te calas?") foi uma frase dita pelo Rei Juan Carlos da Espanha ao Ditador venezuelano Hugo Chávez durante a XVII Conferência Íbero-Americana, realizada na cidade de Santiago do Chile, no final de 2007.

Por que não te calas, Gilmar
?

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

DE PALOCCI, ANTONIO GRAMSCI E OSCAR WILDE

* Honório de Medeiros


E a carta de Palocci pedindo sua desfiliação do PT, heim?


Derruidora.

Fez mais pela desconstrução da imagem de Lula e do Partido que o conjunto da obra que anda pelos atalhos da Justiça.

É bem verdade que a Deputada Maria do Rosário, em discurso na Câmara dos Deputados, afirmou que se tratava da "carta de um homem preso (...) de alguém que não fala a partir de um lugar de liberdade, mas de um lugar que busca a liberdade".

Queiram desculpar os equívocos, a Deputada estava nitidamente muito emocionada.

Ou seja, a Deputada disse que a carta não vale nada: é de um homem preso.

Escritos de homens presos, para a Deputada, de nada valem.

De nada valem o "De Profundis", a longa e emotiva carta de Oscar Wilde para seu amante, escrita na prisão de Reading, bem como os "Cadernos do Cárcere", de Antonio Gramsci, escritos em sua prisão, na Itália. Nem as "Memórias do Cárcere", de Graciliano Ramos.


Mundo estranho, este.

terça-feira, 26 de setembro de 2017

FEUDALISMO, CORONELISMO E CANGAÇO

* Honório de Medeiros

Convido-lhes a empreender, comigo, uma ousadia.

Para tanto precisamos recordar o que sabemos acerca do feudalismo, esse nicho histórico que começou com a queda de Roma – gosto de imaginar a cena de Hipona, da qual Santo Agostinho era bispo, incendiada pelos bárbaros enquanto ele agonizava, como sendo o verdadeiro marco inicial – e terminou com o início da idade moderna, mais precisamente, segundo vários historiadores, com a descoberta da América por Cristóvão Colombo e o início do absolutismo, cujo primeiro momento, e ninguém há de me convencer do contrário, ocorreu quando Felipe, o Belo, criou seu próprio papa, o de Avignon, e dizimou os templários, fortalecendo a instituição do Estado.

O feudalismo – sabemos todos – calcava-se na propriedade da terra e na rígida divisão da Sociedade em nobres, clero e servos das glebas. Os nobres e o clero eram aliados, claro, para espoliar o povo.

O epicentro dessa estrutura de poder era o Barão feudal, latifundiário, em cujo entorno gravitavam seus vassalos, ou seja, proprietários de terra de menor importância, e a nobreza eclesiástica. A ele pertencia o direito de aplicar o baraço e o cutelo – ou seja, de criar, interpretar e aplicar as leis ou costumes. Sua vontade era lei. 

A igreja exercia papel fundamental nesse sistema, por vários motivos: em primeiro lugar era detentora de muitas riquezas; em segundo lugar sua nobreza era formada pelos filhos segundos dos senhores feudais – os primeiros seguiam o caminho das armas; e, em terceiro, a ela cabia a formatação ideológica que assegurava o domínio da nobreza e do clero, bem como a fiscalização de possíveis desvios – instrumentalizada por intermédio da confissão e delação – além da punição dos recalcitrantes, via inquisição. 

Brigavam muito entre si, os nobres, disputando terra e prestígio político. Quem tinha terra, tinha Poder; quem tinha Poder, tinha terra. Por exemplo: a primeira cruzada não foi à Terra Santa, como comumente se crê. Foi contra os Cátaros, uma heresia que ameaçava dominar todo o Sul da França, sob o beneplácito do Conde de Toulouse.

Contra os Cátaros levantou-se a Igreja, ameaçada em sua soberania ideológica, e os barões feudais do norte da França, liderados por São Luís, ou Luís XI, como queiram. Na verdade o pano de fundo dessa cruzada foi a disputa pelas ricas terras do sul da França. Nada mais. 

Para essas brigas mobilizavam os nobres seus vassalos, seus servos, bem como exércitos de mercenários. Qualquer mobilização era acompanhada pela Igreja, abençoando ou punindo, conforme o caso.

Pois bem, embora ainda haja muito a se dizer acerca do feudalismo, façamos uma parada estratégica e utilizemos o “desenho” – chamemo-lo assim – de sua estrutura de poder para analisar o nicho histórico brasileiro ao qual denominamos de coronelismo. 

Há alguns autores, para não dizer vários, que dizem não ter havido feudalismo no Brasil. Eu, pelo meu lado, com fulcro em Raymundo Faoro, Gustavo Barroso e Câmara Cascudo, penso que tal não procede.

Analisemos.

O coronelismo também se calcou na posse da terra e no prestígio político. O coronel – verdadeiro senhor feudal – era o epicentro de uma estrutura de poder. Também ele tinha, enquanto senhor feudal, seus vassalos, os proprietários menores de terra, a si ligados por laços de compadrio e interesses mútuos, que lhe prestava vassalagem. 

O coronelismo dependia, ideologicamente, da igreja, que tratava de fiscalizar e punir desvios da ortodoxia, como o demonstra tudo quanto ocorreu com Padre Cícero. E dependia da confissão e delação, principal forma de obtenção de informação por parte da igreja, sempre à disposição do coronel que a mantinha.

Quem não se lembra da estreita relação do Coronel com o Padre, em "O Auto da Compadecida", de Ariano Suassuna? 

O coronel tinha os seus servos da gleba, empregados que viviam às custas dos sobejos do grão-senhor. E da mesma forma que no feudalismo, a vontade do Coronel era lei. Ele era senhor de baraço e de cutelo. 

Claro, brigavam entre si disputando terra e prestígio, briga essa que arrebanhava vassalos – os compadres; servos da gleba, os jagunços; e mercenários, os cangaceiros, como nos demonstra a rica história do Cariri cearense.

Exemplo paradigmático é o do cangaceiro Chico Pereira. 

A relação é a seguinte: Chico Pereira, assim como Jesuíno Brilhante, o mais remoto, passando por Antônio Silvino, Sinhô Pereira, Lampião, Corisco, e outros menores, tal qual Cassimiro Honório, e por aí segue, não eram servos da gleba. Eram proprietários rurais em maior ou menor escala. Todos ligados a coronéis, todos ligados a alguma estrutura de Poder, dele detendo parcela própria.

Ou seja, os grandes líderes cangaceiros estão mais próximos da nobreza da terra que do proletariado. 

Em sendo assim, não faz o menor sentido a teoria do banditismo social, de Hobsbawn quanto aos cangaceiros. É como pensa, por exemplo, aproximadamente, Luiz Bernardo Pericás, autor de “Os Cangaceiros”.

Tampouco faz sentido a teoria que aponta os cangaceiros enquanto desviantes, por identificar o fenômeno, mas não apontar a causa, da qual faz uso Frederico Pernambucano de Mello, em seus celebrados estudos do cangaceirismo. Muito menos a teoria marxista da luta de classes, esteio do pensamento de Rui Facó e de alguns outros. 

O cangaço é resultante de brigas intestinas entre famílias que dispunham de terra e prestígio. A briga era no seio do coronelismo. Era o coronelismo. Tratava-se de questões do Poder Político, em sua origem. Todo líder cangaceiro, com raras e honrosas exceções – até mesmo Sabino Gore, por exemplo, está inserido nesse contexto.

Não por outra razão, o fim do coronelismo coincidiu com o fim do cangaço.

O referencial teórico aqui talvez seja Gaetano Mosca e sua teoria da classe política, enquanto situação limite em um plano teórico mais complexo, a teoria darwiniana.

Nesse sentido concluo propondo o seguinte: 1) que se faça o estudo do cangaço a partir do coronelismo, ambientando o epifenômeno no fenômeno; 2) que se estude Chico Pereira, por exemplo, a partir do panorama político de sua época, no Sertão paraibano.

Chico Pereira não era um bandido social, no sentido de Hobsbawm, e embora possamos denominá-lo de desviante, por ter se voltado contra o sistema legal de sua época, essa informação nada acrescenta quanto a entender causa e efeito de sua existência enquanto cangaceiro.

Por fim, lembro uma consequência imediata da assunção desse modelo teórico: entender que a verdeira história do ataque de Lampião a Mossoró é a história da briga entre coronéis paraibanos e coronéis norte-rio-grandenses por prestígio político no Oeste e Alto Oeste potiguar.

sábado, 23 de setembro de 2017

AS FORÇAS ARMADAS ESTÃO INQUIETAS

* Honório de Medeiros

Com a nova denúncia apresentada contra si, e encaminhada pelo STF à Câmara, Temer começou o processo de liberar emendas parlamentares. Será, em uma primeira penada, um pouco mais de um bilhão. O objetivo é claro: obter, dos parlamentares, o arquivamento da denúncia.

Quando da primeira denúncia, não somente foi liberado muito dinheiro, bem mais que um bilhão, mas também foram distribuídos cargos públicos aos que integram aquilo que se convencionou chamar de "base de sustentação".

Enquanto isso continua o processo de cortar recursos dos outros setores da administração pública. Alguns, senão todos, vitais. Por exemplo: as Forças Armadas. O corte dos seus recursos orçamentários foi da ordem de quarenta e quatro por cento, o que as colocou perto do colapso.

Três fatos ocorreram estes dias e estão conectados entre si.

Primeiro: O Alto Comando do Exército reuniu-se em Brasília, em sua 314ª edição, com cinco dias de duração e, com certeza, mais do que certeza, o quadro político nacional foi analisado em suas entranhas, detalhadamente.

Segundo: o General Mourão, que não está sozinho quanto a suas idéias, e tampouco representa somente ele mesmo, aborda claramente, em palestra, a intervenção militar no País, em decorrência da "grave crise ética, político-institucional".

Terceiro: as Forças Armadas dão demonstração de poderio invadindo a Rocinha, cercando-a, e nela passando um pente-fino. Tanques, helicópteros, homens, armamento pesado, tudo quando se possa imaginar em termos de poderio bélico está sendo utilizado lá.

É de se levar em consideração que hoje segmento expressivo da população clama por intervenção militar no Brasil, bem como é de se levar em consideração que as Forças Armadas compreenderam substancialmente a importância de atuarem com força na chamada "rede social", de forma inteligente e eficaz na construção de uma imagem sólida de honradez e competência. Basta acompanhar na mídia.

Mas a elite governante do País, o Executivo, Legislativo e Judiciário agem e reagem como se vivessem em uma bolha, desconectada da realidade pela qual passa o Brasil.

Temer, sem qualquer outro objetivo senão salvar a si mesmo, deixa de lado os últimos resquícios de uma dignidade outrora existente, e ao invés de renunciar, persiste em comandar o afundamento do barco.

O Legislativo, integrado por políticos profissionais, vive uma crise de credibilidade, inteligência e honestidade sem igual na história do País. Há as exceções de praxe, cada vez mais isoladas e desanimadas. Pedro Simon que o diga.

O Judiciário segue achando que é o fiador da República e que paira acima do bem e do mal. Quando precisam, são legalistas, quando não, são legitimistas. E de marmota em marmota jurídica, vão insultando a Constituição e se apequenando aos galopes. E aqui nem se há de falar nas vantagens remuneratórias que golpes de esperteza jurídica lhes vêm assegurando ao longo do tempo, em detrimento das outras categorias do serviço público que não pertencem a esse panteão de deuses da Pátria.

Pois bem: quem imagina que as Forças Armadas não acompanham o que se passa no País, integralmente, comete erro crasso. Não somente acompanham como têm quadros muito bem preparados para fazer isso.

E além de terem quadros muito bem preparados, seus integrantes estão espalhados pelo Brasil e sua grande maioria vem da base da pirâmide social ou da classe média e escutam e observam, diariamente, no seio de suas famílias, a ira popular contra tudo que compõe a realidade política, social e econômica do Brasil de hoje.

Principalmente contra os "príncipes" da República.

Portanto...

terça-feira, 22 de agosto de 2017

AS FASES DA VIDA

Honório de Medeiros

Até certo momento da vida nossa luta é para ser conforme a tribo, o grupo; depois, a luta será para estabelecermos diferença entre nós e esse grupo, a tribo; um pouco mais para a frente nós nos abrimos para percebermos aquilo que, nos outros, é único, e esse único nos atrai ou  nos causa repulsa ou indiferença; se nos atrai, fomos fisgados. Se não chega esse momento no qual é preciso estabecer nossa diferença para com o grupo, a tribo, então é preciso temer: há algo de errado na nossa vida, na nossa mente, na nossa alma.

domingo, 20 de agosto de 2017

QUANDO UM HOMEM SE RETIRA

* Honório de Medeiros

Seu Antônio de Maria decidiu se retirar aos setenta. Enfastiou-se, disse-me ele. "Fiz o que podia fazer". "Agora vou cuidar de mim". Recusou-se a sair de casa, a não ser muito raramente, quando lhe dava na telha, como quando foi assistir um sermão do pároco recém-chegado, de quem diziam maravilhas como pregador. Perguntei sua opinião. "É, fala bem; mas não diz nada". Também dava longas caminhadas por veredas ignoradas e desertas, serra abaixo e serra acima, nas madrugadas, sempre desestimulando aproximações em busca de conversa. Contratou uma senhora já passada nos anos para cuidar da casa e da sua comida, a quem exigiu limpeza, silêncio, honestidade e distância. Em troca pagava-lhe tudo que a lei mandava. Botava a cadeira na calçada às cinco da tarde e a tirava às oito, nas horas mortas. Era a deixa. As visitas debandavam, depois de visitarem o bule de café. Tomara o hábito de escrever uns "garranchos" no caderno preto que trouxera da última viagem que fizera. Não quis me mostrar. "É uma ruma de besteira. Já tem muito papel escrito mundo afora." Contei-lhe do costume dos hindus de saírem pelo mundo quando chegava o outono de suas vidas, cajado à mão, em busca da paz interior, sem nada além de uma tigela na qual comiam o que lhe davam pelo caminho. "Cada um sabe onde lhe aperta o sapato, mas o mundo é o mesmo em todos os cantos." E estendeu a mão, à guisa de despedida.