* Honório de Medeiros
Lembra Losano que “o uso do termo <interpretação> no âmbito do direito constitucional é quase um abuso: aqui, mais do que noutros campos do direito, é evidente quanto o poder verga o direito às suas próprias exigências” (1979:64).
Não por outra razão, revelam-se de caráter mais nitidamente político as variadas teorias construídas ao longo do tempo em relação à interpretação jurídica constitucional. Veja-se, por exemplo, a discussão acerca da interpretação constitucional nos Estados Unidos, envolvendo a Suprema Corte.
Com efeito, Paulo Bonavides, após observar que “a reflexão interpretativa que resultou na doutrina americana dos poderes implícitos está, do ponto de vista ideológico, inteiramente vazada na concepção do Estado liberal (...)”, explica que esta (a doutrina) encobre, de melhor forma, seu compromisso com a ideologia burguesa, graças a sua “racionalidade aparentemente mais pura”, sendo, portanto, aquela “que exige mais penetração e acuidade para descermos às suas ocultas e verdadeiras nascentes, ou seja, para localizarmos a tábua de valores que a exprimiu e legitimou numa precisa ocasião histórica”, o que lhe permite “com a máxima eficácia, se constituir num instrumento interpretativo de toda Constituição, NÃO IMPORTA O CONTEÚDO MATERIAL NEM AS PREMISSAS TEÓRICAS FUNDAMENTAIS SOBRE AS QUAIS REPOUSE” [grifo original] (1994:433 ss).
Luís Roberto Barroso descreve a questão:
“Após dois períodos sucessivos em que a Suprema Corte apresentou um perfil nitidamente progressista, afirmativo de novos direitos e de proteção das minorias, articulou-se um amplo movimento de reação conservadora. Cognominado de ‘originalismo’, funda-se ele na tese de que o papel do intérprete na Constituição é buscar a intenção original (the original intent) dos elaboradores da Carta, abstendo-se de impor suas próprias crenças e preferências” (1998:108).
Mais à frente:
“A crença originalista de que não é possível atingir um mínimo de objetividade na interpretação constitucional – que ficaria, pois, sujeita a meras preferências subjetivas – tem sido questionada com veemência, tanto no debate acadêmico como na prática política” (idem).
Daí porque Paulo Bonavides não oculta aquilo que exsuda da teoria acerca das teorias interpretativas constitucionais:
“A chave da inteligência dos textos constitucionais está pois em eleger um método volvido para a análise de toda a realidade circunjacente ao exercício do poder, a qual determina, em cada época e a cada passo, o sentido e a natureza das regras inscritas no código supremo” (OAC:11).
Nesse mesmo sentido, Vieito diz:
“Toda Constituição abraça uma ideologia, que determinará toda a sua estrutura normativa. Cabe ao intérprete se ater à fórmula política adotada pela Constituição, sob pena de violar seu espírito. A fórmula política é o fio condutor do intérprete” (2000:91).
Chaïm Perelman pensa da mesma forma:
“Desde a instauração, em 1790, da obrigação de motivar as decisões judiciais, é na motivação dos tribunais que encontraremos as melhores mostras de lógica jurídica. Esta é orientada pela ideologia que guia a atividade dos juizes, pela forma como eles concebem seu papel e sua missão, pela concepção deles do direito e pelas relações com o poder legislativo” (1998:29).
Também Bonavides :
“Assim, a título explicativo, faz-se
mister assinalar, como excelentemente ponderou Leibholz, que alguns direitos
fundamentais disciplinados em outros sistemas constitucionais de forma
absolutamente idêntica, vazados nas mesmas palavras, recebem contudo interpretação
de todo distinta, em razão unicamente da distinta realidade política que
refletem" (1994:110).
Ainda, um pouco adiante, refletindo obliquamente acerca da inerência política (enquanto Poder Político) alusiva à interpretação constitucional, complementa Bonavides:
É uma confissão que permite
as duas constatações: as teorias interpretativas da norma jurídica, notadamente as constitucionais, são reflexos do exercício do
Poder Político; uma teoria acerca dessas teorias apresenta a relação entre
Poder Político e Direito.