sexta-feira, 27 de julho de 2018

NO QUE SOU FIDALGO

* Honório de Medeiros


Longe de mim o mundo envelhece, mas que importa, meu reino é interior. Não aceito as regras do jogo que corrompe o mundo. No entanto elas, mesmo assim, me fazem, me constroem, dispõem de mim. Sou um seu reflexo, mesmo se e quando busco ignorá-las. 

Mas não aceito. Nisso sou fidalgo.

quarta-feira, 25 de julho de 2018

DIÁRIO DE VIAGEM: PRIMEIRO DIA

* Honório de Medeiros

O avião da TAP até que foi pontual, contrariando nossas expectativas. Chegou na hora em Lisboa, mas ficamos no chão, esperando ordem para atracar, por um longo tempo.

Então começou o drama das filas. A primeira intimida. É um mar de gente tentando ultrapassar a imigração. 

Senti-me, como sempre, qual um rato correndo em um labirinto formado por cordões de isolamento. 

A fila anda, para, anda, para, vamos cruzando uns com os outros, embora separados por raias, nervosos, tangendo uns aos outros e nossa bagagem de mão.

Depois, outra fila: a máquina de raio-x que vasculha o interior da bagagem. Tiramos casaco, celular, ipad, notebook, mochila, sapato, cinturão, relógio. Quase nus, fomos liberados. Finalmente estamos considerados aptos a entrar na Europa!

Agora uma fila para comer. Depois de um voo noturno de sete horas de duração, isso é fundamental. Ainda falta a fila para pegar o voo até Paris e, depois, a longa espera para recolher as malas. Recolhidas as malas, nova fila para pegar o táxi, e ainda uma última, no hotel, para o check-in.

O voo até que foi bom, não fosse o fedor do casal europeu sentado atrás das nossas poltronas. Cheiro de roupas mal lavadas, suor acumulado, ranço.

Conhecemos um casal de cariocas, ele bem mais novo que ela. Interessantes. Essa era a primeira vez que viajavam juntos para fora do Brasil. Levou tempo até que ele, que gosta de viajar, a convencesse a sair de casa e cruzar os mares no rumo do Velho Mundo. Ela, caseira, ele, bate-perna.

Uma das aeromoças portuguesas era tão bonita que me fez lembrar uma Madonna rafaelita:


 Madonna della seggiola,  Raphael Sanzio, 1513 - 1514.

Tomamos o Hotel Albe Saint Michel, na Rue de La Harpe, no epicentro da muvuca, perto da Notre-Dame e da Shakespeare & Co., a lendária livraria da zona sul da cidade de Paris, aberta por Sylvia Beach em 19 de novembro de 1919.

Depois fomos até o Sena render nossas homenagens ao mais belo dos rios depois do Potengi amado, o mesmo Sena do belo poema "A Ponte Mirabeau", de Guillaume Apollinaire:

"Sob esta ponte passa o rio Sena
e o nosso amor
lembrança tão pequena
sempre o prazer chegava após a pena

Chega a noite a
hora soa
vão-se os dias
vivo à toa

Mãos dadas nós fiquemos face a face
enquanto sob
a ponte dos braços passe
de eternas juras tédio que se enlace

Chega a noite a
hora soa
vão-se os dias
vivo à toa

E vai-se o amor como água corre atenta
e vai-se o amor
ai como a vida é tão lenta
e como só a esperança é violenta

Chega a noite a hora
soa
vão-se os dias vivo à
toa

Dias semanas passam à dezena
nem tempo volta
nem nosso amor nossa pena
sob esta ponte passa o rio Sena

Chega a noite a hora
soa
vão-se os dias vivo à
toa".

Terminamos a noite, muito cansados, jantando no Il Gigolo, na pequena Rue de La Huchette, com apenas dois quarteirões fechados para pedestres, meio kitsche, no centro de Parisonde sempre encontramos de tudo, do jazz à música tradicional italiana.

Nela fica o famoso Clube de jazz  "Le Caveau de la Huchette". E um teatro, o "Théâtre de la Huchette", inaugurado logo após a segunda guerra mundial e que desde então oferece o mesmo programa: todas as noite podemos ver duas peças de Ionesco: "La Cantatrice Chauve" e "La Leçon". Casa cheia, sempre.


A cor das águas do Sena. Nada há igual. Talvez a do Potengi.

domingo, 22 de julho de 2018

A QUESTÃO É MORAL



* Honório de Medeiros
E-mails para honoriodemedeiros@gmail.com


Imagine que você precise de uma segunda via do documento do seu carro.

E dirige-se ao Órgão apropriado para tirá-lo.

Em lá chegando recebe uma ficha que indica sua vez de ser atendido.

Pelo número da ficha você percebe que não adiantou chegar cedo.

Seu atendimento, se acontecer, ocorrerá no final da manhã, começo da tarde, e olhe lá.

No dia seguinte, comentando o episódio com um amigo, escuta dele: "mas por que você não pagou um despachante para fazer isso?" "Ele resolveria tudo na mesma hora e lhe entregaria a segunda via em casa." "Você não teria incômodo algum".

O despachante é aquela figura nebulosa que abre todas as portas, em qualquer momento, das repartições públicas, providenciando, nelas, soluções para quem não quer se submeter a filas e tem dinheiro suficiente para contratá-lo.

A questão é a seguinte: e quanto aos que não têm dinheiro para contratar um despachante?

E quanto aos que acordaram cedo, pegaram a fila, esperaram, mas são ultrapassados, às vezes sem saber, pelas artes e ofícios de quem abre, na hora que deseja, todas as portas?

Como se percebe facilmente trata-se de uma questão cujo cerne é constituído por moral e dinheiro.

Moral, aqui, para além de como deve agir o Estado que, conforme a Constituição Federal deve, por intermédio de seus servidores, agir com absoluto respeito à igualdade entre os cidadãos.

É esse o tema do livro de Michel J. Sandel, "O Que O Dinheiro Não Compra", professor em Harvard, professor-visitante na Sorbonne.

Sandel ficou midiático desde que seu curso "Justice", no qual interagia com seus alunos lhes propondo questões de natureza moral, apareceu na internet e ganhou o mundo.

Em 2010 a edição chinesa do "Newsweek" o considerou a personalidade estrangeira mais influente no País.

Sandel elenca muitos exemplos de "coisas" que hoje estão à venda, graças à onipresença e influência do mercado. Trocando em miúdos: graças ao afã do lucro. 

Alguns até mesmo cômicos, se não fossem trágicos: "upgrade" em cela do sistema carcerário; barriga de aluguel; direito de abater um rinoceronte negro ameaçado de extinção; direito de consultar imediatamente um médico a qualquer hora do dia ou da noite...

Nos EUA, segundo Sandel, é florescente o negócio de comprar apólices de seguro de pessoas idosas ou doentes, pagar as mensalidades enquanto ela está viva, e receber a indenização enquanto morrer.

Ou seja: quanto mais cedo o segurado morrer, mais o comprador ganha.

O professor considera que "hoje, a lógica da compra e venda não se aplica mais apenas a bens materiais: governa crescentemente a vida como um todo".

E não aceita a teoria dos que atribuem à ganância essa falha moral, pois, no seu entender, o que está por trás é algo maior, qual seja a "extensão do mercado, dos valores do mercado, às esferas da vida com as quais nada têm a ver."

Eu compreendo esse salto que o professor dá desde a ganância até o mercado.

Mas não concordo.

Para o professor, o mercado deixa o Homem ganancioso; eu, pelo meu lado, penso que foi a ganância que criou o mercado.

Se lá na aurora da história do Homem o primeiro ganancioso tivesse sido silenciado, seu "gen" não teria sobrevivido.

Ou será que era para ser assim mesmo, caso contrário não existiria a nossa espécie?

Antes que imputem a mim uma percepção simplista da questão, saliento logo que ela é mais profunda: diz respeito a uma discussão de natureza ontológica acerca da realidade social: em última instância, no que concerne a sua instauração (faz com que ela surja), está o Homem ou a Sociedade?

Por outra: a Sociedade é gananciosa porque o Homem o é, ou o Homem o é porque a Sociedade é gananciosa?

Aceita a premissa de que a Sociedade é gananciosa porque o Homem o é, cabe então perguntar: por que o Homem é ganancioso?

Essa questão, a verdadeira questão, não é enfrentada como deveria ser, hoje em dia, por que virou moda escamotear o óbvio atribuindo ao "sistema", ao "meio", a uma "realidade exterior a nós", aquilo que somos individualmente.

Fica mais fácil, em assim sendo, fugir da nossa responsabilidade individual, da moral, do caráter, e nos excluir da culpa por nossas decisões e atitudes.

Exemplo patente dessa perspectiva vil e equivocada, mas compreensível e eficaz, é o escândalo do Mensalão, essa nódoa permanente e intransferível na nossa elite política.

Ao invés do mea culpa, mea maxima culpa ao qual temos direito nós outros, os cidadãos inocentes deste País de bandalheiras ao qual sustentamos passivamente ao longo dos anos, bem como à escumalha dirigente e sua soturna vocação para a ladroagem, lemos e escutamos cretinices tais quais as que pretendem imputar a responsabilidade pelos malfeitos acontecidos ao sistema eleitoral e de financiamento de campanhas eleitorais.

Querem nos fazer crer que quando o irmão de Zé Genoíno foi flagrado escondendo dinheiro enlameado na cueca, em um dos mais grotescos episódios recentes da crônica da corrupção tupiniquim, assim agia porque o sistema não presta.

Faz parte da própria lógica do aparato intelectual que sustenta uma teoria como essa, a de que o meio cria o Homem - o determinismo social -, a falta de capacidade técnica para compreender aquilo que está em jogo em termos científicos, embora não lhe falte meios que a protejam da luz crua da verdade.

Os defensores de teorias como essas pululam nas redes sociais.

Mas Darwin está aí, basta lê-lo.

Aliás, como a grande, a imensa maioria dos nossos cientistas sociais é herdeira de uma tradição marxista que eles não compreendem em seus fundamentos por lhes faltar preparo e leitura, ou então são devedores de um funcionalismo anêmico de tradição norte-americana para o qual a realidade social é um carro que funciona sem a estrada e quem as produz (caricatura do positivismo), estão atrasados gerações em relação ao que se discute, em termos científicos, nos centros de pesquisa das grandes universidades do mundo.

Não compreendem, mas usam.

É mais fácil botar a culpa no Sistema. Como se fosse responsabilidade apenas do meio o fato de sermos como somos, nivelando todos por baixo, inclusive aqueles que, ao longo da história, tornaram-se as nossas referências quando, em alguns momentos, fizeram avançar o processo civilizatório.

Mas que se há de fazer?

Talvez responder à Baronesa Thatcher: "não, você se enganou, a ganância não é um bem; o altruísmo, sim, é um bem". 
Arte: ip.usp.br

sábado, 14 de julho de 2018

DE SABER E DESDENHAR OU PERCEBER QUE NÃO VALE A PENA

kierkegaard


* Honório de Medeiros


“Na cidade de H... viveu há alguns anos um jovem estudante chamado Johannes Climacus, que não desejava, de modo algum, fazer-se notar no mundo, dado que, pelo contrário, sua única felicidade era viver retirado e em silêncio”.

Assim começa “Johannes Climacus”, ou “É preciso duvidar de tudo”, delicioso texto do escritor – meio esquecido – Soren Kierkegaard, nascido em 1813, e morto quarenta e dois anos depois, em 1855, um típico pensador excêntrico do século XIX.

O pequeno livro que tenho em mãos é da Martins Fontes, Coleção “Breves Encontros”, que vem publicando opúsculos de autores variados, como Schopenhauer, Cícero, Sêneca, Schelle, dentre outros menos conhecidos, como o Abade Dinouart e Tullia D’Aragona.

O prefácio e notas, cuidadoso no que diz respeito ao levantamento da história da produção do texto e a um leve perfil do autor, está assinado por Jacques Lafarge – me é desconhecido – e a tradução por Sílvia Saviano Sampaio professora da PUC/SP, doutora em filosofia pela USP com a tese “A subjetividade existencial em Kierkegaard”, e membro da AMPOF – Associação Nacional de Pós-graduandos em Filosofia.

“É preciso duvidar de tudo” é dividido em três partes: "Introdução", "Pars Prima" e "Pars Secunda". A parte primeira contém três capítulos e o primeiro é uma afirmação: “A filosofia moderna começa pela dúvida”. A segunda parte, contendo somente um capítulo, Kierkegaard lhe nomina interrogando: “O que é duvidar?”

A mim, particularmente, interessou a seguinte proposição: “a filosofia começa pela dúvida”, que é o Capítulo II, da "Pars Prima". A conclusão de Kierkegaard, falando por intermédio de Climacus, é de que essa proposição se situava fora da filosofia e a ela era uma preparação. Perfeito.

No próprio texto Kierkegaard alude ao fato de os gregos ensinarem, aludindo a Platão, no "Teeteto", que a filosofia começa com o espanto. Eu traduziria espanto por perplexidade, mas talvez haja diferenças sutis entre os dois termos que não valham a pena serem esmiuçadas.

Muito mais recentemente Karl Popper propôs que o conhecimento novo – não apenas a filosofia – começasse por problemas. Esses problemas surgiriam a partir do conhecimento antigo, ou seja, da expectativa de que regularidades, padrões, se mantivessem, inclusive em relação a nós mesmos. Ao nos depararmos com algo que o nosso conhecimento antigo não explica, há uma fragmentação nas nossas expectativas e surge, então, o problema a ser solucionado. Elaboramos uma nova teoria que explique esse "algo" e, assim, surge o conhecimento novo.

Bachelard diz tudo isso de forma profunda e elegante, até mesmo poética: "o conhecimento é sempre a reforma de uma ilusão".

Observe-se que tal teoria pressupõe a existência do conhecimento inato adquirido geneticamente, no que é referendada pela teoria da seleção natural de Darwin. Pressupõe, ainda, dando-se razão a Kant, que o Conhecimento, em última instância, antecede a Realidade.

Em certo sentido estão certos, ouso dizer, não somente os gregos, como Kiekergaard, Bachelard e Popper. Resta saber se, no início, há o espanto com a dúvida, ou a dúvida com o espanto.

Cabe também observar que Johannes Climacus é um típico caso de personagem acometido da Síndrome de Bartleby, algo que, com certeza, interessaria bastante à Enrique Vila-Matas, referência contemporânea no romance-ensaio.

Vila-Matas, em seu inigualável "Bartleby e Companhia", observou que Roberto Colasso, referindo-se a Robert Walser, o autor de "Jakob von Guntem", genial escritor atraído pelo nada, e ao próprio Bartleby, o personagem símbolo dessa estranha pulsão, criação de Herman Melville, chama a atenção para os "seres que imitam a aparência do homem discreto e comum" no qual "habita, no entanto, uma inquieta tendência à negação do mundo."

lembro, então, de meu pai e seus silêncios, de sua deliberada omissão em falar acerca do passado, o instintivo jogo retórico no qual se escudava para evitar qualquer manifestação que implicasse em juízos de valor, a disponibilidade convidativa para escutar quem lhe procurava, ao mesmo tempo em que levava o interlocutor a expor a própria alma.

Não inquieta, mas profundamente quieta era sua negação ao mundo, sob o manto da discrição e das palavras comuns, triviais, incolores de tão banais.

Mas hoje percebo: em certos e raros instantes, uma sóbria colocação de sua parte estabelecia um silêncio que era um golpe profundo na ordem das coisas. Feito isso, se recolhia, e voltava à aparente placidez de sempre.

E eu, e nós, que sempre o achávamos tão comum. Como poderia, ele que sempre foi um sobrevivente?

Ou sabia muito e desdenhava, ou sabia muito e percebia que não valia a pena.

sábado, 7 de julho de 2018

TOFFOLI TALVEZ SEJA ATEU




* Honório de Medeiros
honoriodemedeiros@gmail.com

“Antes de mim nada era existente
         Além do eterno e eu eterno sou.
         Deixe aqui toda a esperança e entre.”
         Inferno, III, 1-9
         Dante Alighieri

Quando Dante, conduzido por Virgílio, como se lê em “A Divina Comédia”, chegou à porta do Inferno, e leu a advertência acima nele escrita, se encheu de medo. Não era para menos.

No poema o inferno é descrito como tendo nove círculos de sofrimento localizados dentro da Terra. O oitavo círculo, o “Malebolge” (fraude), é todo em pedra e da cor do ferro, assim como a muralha que o cerca. Aqui estão os fraudulentos. Este círculo está dividido em dez fossos (ou Bolgias), semelhantes aos fossos que defendem certos castelos, e os fossos estão ligados entre si por pontes.

A "Sexta Bolgia" contém os hipócritas vestidos com roupas brilhantes, atraentes, porém pesadas como o chumbo. Este é o peso que não sentiram na consciência ao fazerem maldades. No inferno, sentem o peso de seu falso brilho. Nele esta Caiphás, o sacerdote que condenou Jesus, crucificado no chão e sendo pisoteado pelos outros condenados, sofrendo as mesmas dores que Cristo sofreu.

A esses hipócritas Jesus destinou uma das suas mais belas pregações (Mateus, 23, 1-39):

 (...)
  
Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque sois semelhantes aos sepulcros caiados, que, por fora, se mostram belos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda imundícia!

 (...)

"Quem a si mesmo se exaltar será humilhado; e quem a si mesmo se humilhar será exaltado.

Pois bem, o jornalista Ruy Fabiano, nestes dias, escreveu um artigo cujo título é “STF: sem juízes e sem juízo”. Transcrevo alguns trechos:
                           
                            “No dia 3, o ministro Dias Toffoli negou habeas corpus a Evanildo José Fernandes de Souza, morador de rua que furtou e depois devolveu à loja uma bermuda de R$ 10.

                            A Defensoria Pública da União recorreu à tese da irrelevância do furto e ao fato de o morador ter devolvido a mercadoria. Toffoli foi implacável: tratava-se de reincidência – e ponto.

                            Evanildo cumprirá pena de 1 ano e sete meses.

                             Já José Dirceu, reincidente dos reincidentes – condenado no Mensalão e duas vezes no Petrolão por desvios multimilionários –, foi posto em liberdade pelo mesmo Toffoli, sem que a defesa do condenado o pedisse.

                            Não há irrelevância, nem devolução do roubo. E não é só: um dia antes de condenar o morador de rua, Toffoli, usurpando as prerrogativas do juiz da causa, Sérgio Moro, mandou tirar a tornozeleira eletrônica de José Dirceu. Nada de medida cautelar.

                            Trata-se agora de um homem livre, embora condenado duas vezes, em segundo grau, e já cumprindo pena. Pode agora, se quiser, comparecer à 24ª reunião do Foro de São Paulo, em Havana, no próximo dia 19. Não se sabe se irá, mas não será o STF a barrá-lo.

                            Toffoli integra a 2ª Turma do STF, onde, ao lado de Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, tem sido sistemático na defesa e libertação dos réus políticos da Lava Jato. Em circunstâncias normais (algo que inexiste há muito tempo), nem poderia julgar José Dirceu, a quem deve não apenas o cargo, mas a própria carreira.

                            Foi seu chefe de gabinete, advogado e assessor. A ele, deve a nomeação ao cargo de Advogado Geral da União, de onde, ainda por meio dele, foi guindado à mais alta Corte de Justiça do país – ele que fora reprovado em dois concursos para juiz de carreira.

                            (...)
                           
                            Não se trata apenas de juízes: está faltando juízo ao STF.”

Talvez Toffoli seja ateu.

quarta-feira, 30 de maio de 2018

ARTISTAS DE RUA

* Honório de Medeiros

Sou fascinado por artistas de rua. Quando os vejo paro um pouco distante, e tento absorver tudo quanto posso deles e de sua arte, na medida em que os encontro em minhas andanças.

Na Europa eles são muitos. Há desde o acordeonista cuja execução de “La Violetera”, uma “habanera” de 1915, tantas vezes escutada na voz de minha mãe, até a quase adolescente que canta, à capela, uma doce canção de sua terra natal, a Itália.

Pois estou escrevendo acerca das ruas centrais de Bordeaux ou da famosa Place de La Bourse, o palco de encontro de todos, viajantes ou não, que por aqui moram ou andam.

Aproximei-me do acordeonista sempre lamentando não dispor do poder do personagem de uma história em quadrinhos de minha adolescência, que podia ler a vida de qualquer um bastando, para tanto, mergulhar em seus olhos, se o desejasse.

Como não podia nada lhe perguntar, seria ofensivo aqui, nem possuía qualquer poder, depositei algumas moedas na sua caneca estendida sob o pano vermelho que já vira muitas estações, olhei em seu rosto cansado, mal cuidado, atribui-lhe uns bons setenta e poucos, e lhe perguntei se por um acaso do destino não saberia tocar “La Violetera”.

Ele parou, pareceu puxar alguma lembrança obscura de suas memórias, deu-me um pequeno sorriso, e, titubeando no início, mas com desenvoltura a seguir, inclusive fazendo floreios, digamos assim, “jazzísticos”, tocou a música que eu lhe pedira como se estivesse no palco do Grande Teatro de Bordeaux, sendo ouvido por todos quanto, ao longo de sua vida, em algum momento, pararam para ouvi-lo e aplaudi-lo.

terça-feira, 29 de maio de 2018

PODER

* Honório de Medeiros

Ninguém está preparado para enfrentar uma irridência de natureza fragmentada.

Sequer as forças armadas.

Não há líderes.

Cadeia de comando.

Tudo acontece como se fosse um estouro de boiada, quando o centro do acontecimento está em permanente deslocamento e mutação, a depender de fatores aleatórios.

Lembra a água de correnteza de rio descendo em enxurrada.

Se não há chefes, todos o são, comunicando-se em tempo real, decidindo quando há brecha para tal, gerando fatos novos em alta velocidade.

Tudo isso é meio caminho andado para a anarquia.

Ou para uma solução de força.

quinta-feira, 17 de maio de 2018

PRISIONEIROS DO NOSSO MEDO

* Honório de Medeiros

De muito longe, onde estou, vou seguindo, pela “rede”, as notícias da violência que campeia solta de canga e corda no Rio Grande do Norte.

Como chegamos a esse ponto, meu Deus? Vivermos prisioneiros do nosso medo, enquanto pagamos uma fortuna em impostos? 

Agências bancárias dinamitadas no interior; criminosos matando inocentes rendidos; assaltos de toda a espécie; bandidos atirando contra postos policiais; filhos sem pais; pais sem filhos; sangue; dor; lágrimas; pessoas sentindo-se felizes porque “o acontecido não foi com ela”.
Que cenário de horror é esse? 

A onda de crimes parece tão contundente, mesmo fragmentada, em seu propósito de ferir a Sociedade, que nos leva a desconfiar de algum plano maquiavélico por trás dos acontecimentos.
Como se o propósito fosse esse mesmo, de gerar pânico, insegurança, medo; como se o propósito fosse implementar uma política de terra arrasada na Sociedade.

E assistimos tudo isso passivamente, tremendo, amedrontados, iguais a carneiros que temem lobos, sem poder reagir, pois sequer armas possuímos.

O Estado nos arranca o que pode, leva nosso suor, nosso dinheiro, nossa paz, nossa saúde, nossos salários, nossa paciência, e muito pouco nos dá nada, em troca. 

Somos meras e deficientes estatísticas, reféns do nosso medo.

Somos a carneirada, a sobreviver sobressaltados a cada arreganhar de dentes dos lobos que nos pastoreiam e devoram, quando bem querem.

domingo, 13 de maio de 2018

MÃE

* Honório de Medeiros

Minha homenagem às mães será por intermédio do belo poema de Manoel Cavalcante, poeta cuja arte arribou voo de Pau dos Ferros para o mundo:

“A mãe sofre dos nervos, pressão alta
Faz as coisas pra gente, se desdobra,
Quando o filho se ausenta, sente falta,
Quando a falta maltrata, o pranto sobra.
Todo filho abundante em grosseria
Não calcula um por cento da magia
Que o ser mãe irradia em dom profundo...
Cale a voz, baixe a guarda, enxergue a lida,
Se você tem a dádiva da vida
Foi por ter mãe pra lhe trazer ao mundo.

A mãe pede pro filho, briga e luta
Não escuta a blasfêmia que ele fala
Quando o filho lhe grita, ela se cala,
Mas se o filho pedir, ela lhe escuta.
O que fez e o que faz nunca desfruta
Traz o bem, leva a paz pra onde for
No caminho de espinhos só vê flor
Perde a vista dos olhos, nunca o brilho,
Pega todo desgosto de seu filho
E no peito ferido faz amor.

Feliz dia do amor.”

terça-feira, 3 de abril de 2018

INTELECTUAL: A SÍNDROME DE ROLANDO LERO


* Honório de Medeiros

Parte dos nossos intelectuais sofre da Síndrome de Rolando Lero.

Consiste isso em explicar o passado a partir de suas crenças pessoais, alterando a explicação conforme surjam obstáculos fáticos ou racionais de natureza relevante, que os levam a adaptá-la para assegurar sua sobrevivência (da explicação).

Como quando o marxismo pretendeu explicar o cangaço enquanto luta de classes.

Ou como quando a antropologia política explicou as sociedades indígenas sem estado enquanto sociedades primitivas.

Ou, ainda, como quando a psicanálise fundamentou sua teoria exclusivamente no complexo de édipo e electra.

O verdadeiro conhecimento é aquele que propõe hipóteses acerca do futuro, fazendo predições ousadas que, uma vez concretizadas, assegurarão a validade e a relevância do pensamento do intelectual que as elaborou.

Dizer por qual razão se ganhou ou perdeu essa ou aquela eleição é tarefa inglória, dada a impossibilidade de se dispor de todas as variáveis envolvidas no processo analisado.

Digam-me quem vai ganha-las, daqui para a frente. Isso é ciência.

O resto é lero.

sexta-feira, 30 de março de 2018

STF: O PIOR CEGO É AQUELE QUE NÃO QUER VER

* Honório de Medeiros


Lenta, mas persistentemente, a violência toma conta do País. Em todos os níveis, sem poupar nada ou ninguém. Age como águas que transbordam e avançam por sobre as margens do rio arrastando tudo que encontra pela frente.

Muito dessa circunstância - não toda, claro - é decorrente da forma como a aplicação das leis é percebida pela Sociedade.

Isso é algo antigo, aliás, e hoje crônico, e sedimentou-se na nossa Paideia, na nossa cultura: basta lembrarmo-nos da famosa Lei de Gérson: "o importante é levar vantagem em tudo, certo?".

O fenômeno se tornou agudo com o impacto que as redes sociais causaram nas pessoas: hoje quase tudo é do conhecimento de quase todos em tempo real, desde o sertanejo mais insulado até o pós-doutor em sua cátedra nas universidades.

O STF teve e tem um papel relevante nesse processo. Fez por onde, sistematicamente, ao longo do tempo, cristalizasse, na Sociedade, a percepção de que a Lei não é para todos, de que as elites, com raras e honrosas exceções, não podem ser tratadas como é tratado o comum dos mortais.

A sensação de impunidade, a sensação de que tudo vale, já que nada vale, há de aumentar consideravelmente com a conduta do STF no episódio da tentativa de salvar Lula da cadeia, e começa a cobrar radicalmente sua fatura: o País, dividido entre esquerda radical e direita intransigente, é o palco dilacerado onde o ódio assume, sem barreiras, o papel principal.

Aviltando-se, como ocorre, desde há muito, no exercício de sua atribuição, o STF escreve uma história canhestra, para não dizer outra coisa, e prepara o cenário para um futuro desolador, até mesmo trágico, neste ano de eleições fundamentais para o destino do Brasil.

Enquanto o crime de colarinho branco, agindo nas sombras, arreganha os dentes e prepara os botes futuros.

Como agirão as Forças Armadas? Leiam, escrito aqui, em 23 de setembro de 2017:
http://honoriodemedeiros.blogspot.com.br/2017/09/as-forcas-armadas-estao-inquietas.html

O pior cego é aquele que não quer ver.

domingo, 25 de março de 2018

ESTADO: ELES, LOBOS; NÓS, OVELHAS


* Honório de Medeiros

"Foi buscar lã e saiu tosquiado"

Eis a célebre fábula de La Fontaine, “o Lobo e o Cordeiro”, devidamente parafraseada:

“Um cordeiro matava a sede nas águas límpidas de um regato.”
“Eis que se avista um lobo que por lá passava em jejum e que lhe diz irritado”:
- “Que ousadia a sua, turvando, em pleno dia, a água que bebo. Vou castigar-te”.
- “Majestade, permita-me um aparte – diz o cordeiro – veja que estou matando a sede vinte passos adiante de onde o Senhor se encontra. Não seria possível eu ter cometido tão grave grosseria”.
- “Mas turva, e ainda pior é que você falou mal de mim no ano passado”.
- “Mas como poderia – pergunta assustado o cordeiro – se eu não era nascido”?
- “Ah, não? Então deve ter sido seu irmão”.
- “Peço-lhe perdão mais uma vez, mas deve haver um engano, pois eu não tenho irmão”.
- “Então foi algum parente seu: tios, pais... Cordeiros, cães, pastores, nenhum me poupa, assim vou me vingar”.
“E o leva até o fundo da mata, onde o esquarteja e come sem qualquer processo judicia”.

O lobo é a elite política; a ovelha, o povo.

Desde que o mundo é mundo, excetuando, talvez, um período provavelmente mítico no qual o Homem vivia anarquicamente de caça e coleta[1], sem chefes nem hierarquias[2], a Sociedade é assim mesmo: de um lado os exploradores, do outro lado, os explorados.

Desde as grandes civilizações arcaicas, aliás: a grega, a judia, a chinesa, a hindu.

O que mudou de lá para cá? Nada, exceto a forma: se antes a polícia do chefe usava lança, hoje usa fuzil AK-47; se antes o tributo era o butim arrancado violentamente sem qualquer justificativa, hoje a extorsão se faz sob a desculpa de se dar condições ao Estado para que este melhore a vida das ovelhas em Sociedade.

Não cabe discutir o que é um Estado. Do início até hoje, quando surgiu a Polícia, o Tributo, a Norma Jurídica, e a Propaganda, o Estado é isso mesmo que você, caro leitor, pensa que é: um conjunto de aparelhos de controle social que a elite política criou para manter o “status quo” e enriquecer.

É o caso, por exemplo, na Lei. A elite política dissemina a ideia de que sua finalidade é o bem-estar social. Quando os gregos, nas guerras civis, pediram leis que valessem para todos, a aristocracia pressionada acatou, mas tratou logo de controlar sua interpretação, produção e aplicação[3].

Hoje ainda é do mesmo jeito.

A Lei deve ter surgido como um estratagema de domínio: como não era mais possível dar ordens verbais a todos, e a escrita estava começando, nada melhor que cria-las, coloca-las em algum lugar público, e impor que “a ninguém é dado alegar o desconhecimento da lei”.

Tudo sob medida.

Pois bem, e essa elite política se perpetua? Claro, em todos os lugares. No Brasil, desde o império, pelo menos.

As oligarquias, para sobreviverem, em certas circunstâncias históricas usam os talentos que lhes cercam, consomem-os e os expelem para fora do círculo íntimo do Poder Político:  são aqueles escalões intermediários que pululam entre o círculo íntimo e a base mais abaixo, toda ela constituída de “inocentes úteis”.

Quase sempre brigam entre si os integrantes da elite política[4], mas, se ameaçados, se unem contra o inimigo comum.

Não por outro motivo o PT, até Lula chegar ao Poder, era um problema, pois representava uma real ameaça aos interesses políticos/econômicos dos detentores do Poder.

Hoje, a história é outra.

Essa elite política, para sobreviver, se espraia por todos os aparelhos do Estado: Judiciário, Legislativo, Executivo, Ministério Público, Tribunais de Contas, etc, etc...

Aparelha tudo. Os aparelhos são integrados por membros das famílias que constituem a elite política ou agregados.

Quando não é possível a nomeação de familiares ou agregados, ainda resta a cooptação e o exílio político, o esvaziamento político/social.

E, obviamente, a cooptação ou exílio político se espraia também pela mídia servil, que bem paga, passa a filtrar os fatos – até mesmo criá-los, se for necessário - e lhes dá a conotação que interessa ao grupo dominante, assim como se espraia pelos negócios, através dos predadores empresariais, quase sempre sanguessugando, obliqua e dissimuladamente, a máquina estatal.

Obviamente, em certas circunstâncias históricas, como ocorreu recentemente no Brasil pós Lula, parece mudar os atores principais do teatro político. É até possível. Mas a estrutura continua: uma nova elite política substitui a anterior que, derrotada, sai de cena.

Os atores são novos, mas o Teatro e a tragicomédia são os mesmos, há sempre lobos e ovelhas, e continua tudo igual. 

“Mutatis mutandis”.

Portanto temos que a elite política, SEJA DE DIREITA OU ESQUERDA domina o Executivo, o Legislativo, o Judiciário; os meios de comunicação, a tributação e os negócios empresariais com o Estado, bem como a Polícia. Ou seja, domina tudo.

E o domínio é extremamente eficiente: os tributos alimentam o Tesouro que vai pagar as obras que vão, por sua vez, pagar toda a máquina política. Tudo isso legitimado por uma propaganda eficiente que cria a impressão de que a arrecadação vai ser usada para produzir e manter políticas públicas de interesse da ovelhada.

Enfim, não por outras razões, como não somos lobos, somos ovelhas: nos tempos de hoje, enquanto alienados, indo inevitavelmente para a tosquia, tão logo sejamos convocados, sem “tugir nem mugir”, ou, quem sabe, quando muito, discreta e aceitavelmente reclamando pelos cantos, em voz educadamente baixa, para não levar castigo.

[1] Jacques Le Goff.
[2] Robert Wright.
[3] Nikos Poulantzas.
[4] Gaetano Mosca.