* Honório de Medeiros (honoriodemedeiros@gmail.com)
"Sapere Aude"
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Igreja de São Jesus do Monte, Braga, Portugal
2013
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* Honório de Medeiros
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Desde 1856, pelo menos, duelam Fernandes e Rêgos pelo poder
em Pau dos Ferros, principal cidade do Alto Oeste potiguar. Cento e sessenta e
quatro anos de luta política![1]
Este ano, 2020, de um lado temos o prefeito Leonardo Nunes
Rêgo – o nome já diz tudo – e, do outro, enquanto principal nome da oposição, o
ex-prefeito Francisco Nilton Pascoal de Figueiredo, muito embora sua candidata
seja Marianna Almeida.
Nilton Figueiredo, como é conhecido, é descendente de
Childerico Fernandes de Queirós, que do seu segundo casamento, com Maria Amélia
Fernandes (Mãe Marica), teve Umbelina Fernandes da Silveira, mãe de Maria
Fernandes de Figueiredo (Dona Lalia), sua avó paterna.[2]
Em 1864, na sessão do dia 23 de dezembro, a ata da Câmara
Municipal dá conta de requerimento apresentado por alguns vereadores ao
Presidente da Província solicitando fosse-lhes “relevada” a aplicação de
algumas multas a eles impostas. Requeriam a eles, diretamente, alegando que a
Câmara não se reunira em outubro e novembro passados, porque seu presidente,
Manoel Pereira Leite, aliado dos Rêgos, estava foragido e “perseguido pela
força do Delegado de Polícia”.
Assim decorreram os anos subsequentes, afirma o cronista,
José Dantas.
No período que vai de 1865 a 1872, os Fernandes dominaram a
Câmara Municipal, presidida por Viriato Fernandes e Hemetério Raposo de Melo,
casado com Umbelina Fernandes, filha de Childerico Fernandes de Queirós.
No dia 6 de outubro de 1872, houve eleição para juízes de
paz dos distritos e vereadores à Câmara Municipal. Durante quinze dias vieram
os eleitores votar, mas não lhes tomaram os votos. A Junta Paroquial, presidida
pelo 3º Juiz de Paz, Galdino Procópio do Rêgo, instalou-se na Igreja Matriz,
para realizar a eleição, sob o protesto dos Fernandes, sob o argumento da sua
incompetência para presidi-la.
A discussão transformou-se em violenta pancadaria dentro da
igreja, e, fora, os liderados de ambos os grupos políticos travaram-se em briga
corporal, armando-se de paus e pedras.
Muitos foram os feridos, e a Matriz foi seriamente
danificada. Cessada a luta, a Junta Paroquial cercou a igreja com um grupo
armado, para evitar outra confusão.
Os Fernandes, inconformados, organizaram uma outra Junta,
sob a presidência do 1º Juiz de Paz, Childerico José Fernandes[3], e
realizaram outra eleição, na Casa da Câmara. Submetida a documentação das duas
Juntas à apreciação da Câmara Municipal, esta, em 16 de novembro de 1872, sob a
presidência do Dr. Hemetério Raposo de Melo decidiu, por unanimidade de votos,
a favor da eleição realizada na Casa da Câmara.
Foram, então, diplomados o Tenente Coronel Epiphanio José de
Queiróz, Alferes José Alexandre da Costa Nunes, Manoel Francisco do Nascimento
Souza, Manoel Queirós de Oliveira e Pedro Lopes Cardoso.
Vários argumentos foram levados em conta para a decisão,
dentre eles o de que o eleitorado foi impedido de entrar na Matriz por uma
força armada de clavinote, e o encerramento da eleição ter ocorrido no Sítio “Logradouro”,
de propriedade dos Rêgos quando, à meia-noite, os últimos votos foram
recolhidos em um chapéu improvisado de urna.
Entretanto, o Governo da Província não lhes foi simpático, e
anulou a eleição realizada na Câmara dos Vereadores. E, em 27 de outubro de
1873, por Aviso Ministerial, a Câmara foi cientificada que o Governo Imperial
confirmava a eleição promovida pela Junta Paroquial.
Tiveram, assim confirmadas suas diplomações, Galdino
Procópio do Rêgo, João Bernardo da Costa Maya, Norberto do Rêgo Leite,
Florêncio do Rêgo Leite Gameleira, e João Afonso Batalha.
O povo, que a tudo e todos alcunha, quando sua atenção é
despertada, não deixou por menos: batizou o episódio de “eleição das pedras”.
Natal, em 8 de outubro de 2020
Honório de Medeiros
Trineto de Childerico José Fernandes de Queirós, por parte do seu primeiro casamento, com Guilhermina Fernandes Maia.
[1]
FREIRE, Cônego Manoel Caminha e outros. Revista Comemorativa do
Bi-Centenário da Paróquia e Centenário do Município de Pau dos Ferros. Natal.
Sebo Vermelho. Edição fac-similar. 2015.
[2]
FERNANDES, João Bosco e FERNANDES, Antônio Mousinho. Memorial de Família.Teresina.
Halley S/A. 1ª edição. 1994.
[3] Trisavô de Francisco
Nilton Pascoal de Figueiredo.
Os Coronéis do Cariri Cearense
Corria o ano de 1901.
No Cariri, mais
precisamente em Missão Velha, o Coronel Antônio Joaquim de Santana, mais
conhecido como Coronel Santana, apeia, do Poder, pelas armas, o Coronel Antônio
Róseo Jacamaru, chefe político e intendente da Cidade.
Pertencendo à família dos
Terésios, originária de velhos troncos coloniais fundadores do Engenho de Santa
Teresa, entre Missão Velha e Barbalha, governou-a durante dezesseis anos e
alimentou o sonho de dominar o sul do Ceará colocando, em cada município, na
chefia, uma pessoa de seu sangue.
Seguiu-se, no tempo, a
deposição do Coronel José Belém de Figueiredo, chefe político do Crato, em
1904, após tiroteio que durou dois dias e deixou vinte e uma vítimas, das quais
oito mortas.
Logo depois, em 1906,
após tiroteio que durou oito horas, caiu o Coronel Manuel Ribeiro da Costa,
conhecido por Neco Ribeiro, sobrinho do célebre caudilho Joaquim Pinto Madeira,
este da guerra civil absolutista de 1832. Seu algoz foi o Coronel João Raimundo
de Macedo, o Joca do Brejão.
Venceu quem conseguiu
reunir um maior exército de “cabras”.
Veio, após, o fim do
reinado político do Coronel Marcolino Alves de Oliveira, arrancado da chefia
política do Quixadá pelos Coronéis Joaquim Fernandes de Oliveira e José Alves
Pimentel e, em 1907, em Lavras da Mangabeira, a queda do Coronel Honório
Correia Lima, curiosamente o filho mais velho de Dona Fideralina Augusto Lima e
irmão de Gustavo Augusto Lima, seus carrascos.
Não podemos esquecer o
famoso José Inácio de Sousa (1870-1923), “Zé Inácio do Barro”, a quem se
atribui a prática reiterada de financiamento de cangaceiros para saques que lhe
rendiam muito dinheiro.
Em 1922, acossado por todos os lados, decidido a ir embora para Goiás ao encontro de Luiz Padre, famoso companheiro de Sinhô Pereira, arquitetou e determinou a execução de uma última empreitada: assaltar três coronéis paraibanos: Valdevino Lobo, Adolfo Maia e Rochael Maia.
Dessa ação participou não
somente Sinhô Pereira, enquanto líder, como, também, o famoso
cangaceiro/jagunço Ulisses Liberato de Alencar.
De Valdevino Lobo
arrancaram dois contos e oitocentos mil réis e cento e vinte libras esterlinas,
além de joias e outros objetos de valor; de Adolfo Maia não se sabe quanto foi
roubado. Rochael Maia terminou sendo poupado.
Ulisses disse, em
depoimento à polícia, que todo o dinheiro foi entregue a Zé Inácio do Barro.
Não foram diferentes os
anos seguintes, como qualquer leitor poderá constatar lendo Império do
Bacamarte ([1]),
obra inigualável de Joaryvar Macedo, sem qualquer sombra de dúvida uma
referência para os estudiosos do fenômeno do coronelismo no Brasil,
principalmente do Sertão nordestino, e sua relação com o cangaço e o misticismo
próprios da região.
Joaryvar, alicerçado em
profunda pesquisa bibliográfica, em jornais antigos, depoimentos pessoais,
literatura de cordel, e outras fontes primárias, tal como processos-crimes, nos
legou um impressionante painel histórico do Cariri cearense e seus principais
personagens, os coronéis.
Teria sido esse
epifenômeno, o coronelismo, circunscrito ao Sertão do Cariri? Claro que não.
Muito pelo contrário, acerca de sua importância, sua presença no mundo rural
brasileiro, consequência tardia de certa estrutura de poder típica de uma
aristocracia renascida na América litorânea - os senhores de engenho
pernambucanos e paulistas -, renovação da velha árvore multissecular
portuguesa, podemos dele tomar conhecimento, a partir da obra de Raymundo Faoro,
Os Donos do Poder, e sua abordagem do feudalismo nacional, “nascido
neste lado do Atlântico, gerado espontaneamente pela conjunção das mesmas
circunstâncias que produziram o europeu”.
Diz-nos Faoro ([2]):
“O quadro teórico daria
consistência, conteúdo e inteligência ao mundo nostálgico de colonos e senhores
de engenho, opulentos, arbitrários, desdenhosos da burocracia, com a palavra
desafiadora à flor dos lábios, rodeados de vassalos prontos a obedecer-lhe ao
grito de rebeldia. Senhores de terras e senhores de homens, altivos,
independentes, atrevidos – redivivas imagens dos barões antigos”.
O próprio Joaryvar Macedo
assim começa Império do Bacamarte:
“No território pátrio, o
fenômeno do coronelismo esboçou-se na Colônia, tornou-se realidade no Império e
consolidou-se após o advento da República.”
Ainda:
“Entre nós a Primeira
República, também denominada, consoante já se esclareceu, República dos
Coronéis, teve no coronelismo uma das suas marcas principais. Mais acentuado no
Nordeste, o fenômeno generalizou-se por todo o País, do Amazonas ao Rio Grande
do Sul.”
No Rio Grande do Norte,
que houve coronéis, disso não há qualquer dúvida. Basta consultar Coronéis
do Seridó, de Pery Lamartine, e conhecer desde o Coronel João Damasceno
Pereira de Araújo, o João Damasceno do Saco do Martins, até o Coronel Cazuza do
Ipueira, passando por Silvino Bezerra de Araújo Galvão, José Bernardo de
Medeiros, Laurentino Theodoro da Cruz e vários outros senhores proprietários de
terra e líderes políticos.
Todos descendentes de
portugueses que avançaram Sertão adentro, a arrancar da indiada insubmissa a
terra que lhes pertencia imemorialmente, até o fim da Guerra dos Bárbaros
(1687-1697), quando, por fim, do Vale do Açu, passando por Apodi, no Alto
Oeste, até o Seridó, em Acauã, os vitoriosos fincaram definitivamente seus
marcos sob os despojos do conflito.
Não somente no Seridó
existiram coronéis nos moldes descritos acima. No Alto Oeste também os houve.
Uma deposição política, entre coronéis, pela força das armas, violenta tomada
do poder.
Embora pouco conhecido
hoje, foi um episódio em nada diferente de tantos ocorridos no Cariri, do qual
talvez tenha vindo o eco, dada a relativa proximidade entre aquela região e o
Alto Oeste potiguar, onde ocorreu a história aqui abordada.
1919. Com o advento da
República, o Partido Republicano foi organizado no Rio Grande do Norte sob a
liderança de Pedro Velho de Albuquerque Maranhão. Em Pau dos Ferros essa
responsabilidade caberia ao Coronel Joaquim José Correia([3]),
sob a liderança direta de Joaquim Ferreira Chaves, que havia sido juiz do
município até 1887, quando foi promovido para Nova Cruz.
Joaquim Ferreira Chaves
partira tendo deixado o Partido Republicano Federal cindido ao meio em Pau dos
Ferros. De um lado, Joaquim José Correia e as famílias Correia, Rêgo e Ayres.
Do outro, o Coronel Adolpho Fernandes e as famílias Fernandes, Bessa e
Marcelino Oliveira.
Em 20 de março de 1917,
pressionado por Ferreira Chaves, Joaquim Correia e Adolpho Fernandes assinaram
um acordo político por intermédio do qual caberia, ao primeiro, a liderança
política regional que, mesmo assim, teve demitidos seus correligionários dos
cargos por eles ocupados e substituídos por indicações de seu opositor.
Como consequência,
Joaquim Correia rompe com Ferreira Chaves, mas permanece no partido sob a
liderança de Tavares de Lyra e Alberto Maranhão.
Essa cizânia política foi
o pano-de-fundo da denominada “Hecatombe de
[1]Casa de José de Alencar Programa Editorial; Universidade Federal do Ceará; 2ª edição; Fortaleza; 1992.
[2]Editora
Globo; v 1 e 2; 15ª edição; São Paulo, SP; 2000.
[3]
Do escritor
Bartolomeu Correia de Melo recebi a seguinte correspondência em 6 de abril de
2009: “Lourenço Correia, jovem português de
Braga, exilado político, chegou ao Brasil por Fortaleza e desceu mascateando
até Pau dos Ferros, onde se fixou como comerciante e depois pequeno agricultor.
Nesse tempo envolveu-se com a irmã do do amigo Padre Pinto, daí nascendo
Joaquim Correia que, tendo a mãe morrido no parto, foi criado e educado pelo
tio padre. Após estes fatos, saiu Lourenço de Pau dos Ferros para Macaíba, onde
progrediu como comerciante de secos e molhados e, já quarentão, casou-se com
Idalina Jacinta Emerenciano (irmã do Professor Zuza), com quem teve mais cinco
filhos, sendo os homens: Pedro, Francisco e João Correia. Tendo seu armazém
saqueado na revolta do “quebra-quilos”, quando quase foi linchado, mudou-se com
a família (filhos ainda crianças) para o Ceará-Mirim onde tinha propriedades
rurais e poucos anos depois faleceu. Pedro Correia foi senhor de engenho e
Prefeito do Ceará-Mirim, Francisco, foi comerciante, e João (meu avô materno),
oficial do Exército.
Joaquim Correia foi deputado por mais de três décadas (considerado por Câmara
Cascudo o maior tribuno do seu tempo). Não se enquadrava muito no perfil
clássico de coronel nordestino; sempre teve apenas médias posses, havendo
morrido na pobreza. Era sim, dono de carisma político e senso de conciliação,
somente vencidos pela violência. A versão de sua história, contada por minha
avó (cunhada e confidente) confere com fontes e fatos aqui citados. Neste
comentário esclareço a relação entre os Correia de Paus dos Ferros e do
Ceará-Mirim pouco conhecida pelos não-parentes.”
Talvez um dos maiores legados que uma época de crise possa nos deixar seja a consciência – não para muitos, infelizmente -, de que somos diariamente, de forma colossal, vítimas de manipulação. Somos levados a crer, insistentemente, que algo é necessário, quando não o é; fundamental, quando não o é. Se divergimos, somos atacados de todas as formas. Em tudo, e por tudo, quem ganha com nossa manipulação são as elites corruptas. Acerca da manipulação há muito a ser dito, assim como acerca de sermos inocentes-úteis. Alienados. Não sabemos usar o ceticismo enquanto escudo. Entretanto, como ponto de partida, é importante considerar que toda manipulação é desonesta.
Massilon